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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

19.07.18

SORRISO SOFRIDO ( DIA 37 DA MARATONA )


The Cat Runner

 

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Há um livro que me marcou, para sempre.

Vou reler, pela segunda vez, agora que se estreita o caminho para Berlim e a vida nos vai colocando, aqui e ali, obstáculos, para que não nos esqueçamos da nossa condição, quando, legitima e finalmente começamos a sorrir, por este ou por aquele motivo.

É assim, a vida é feita assim, não à medida do homem.

Esse livro foi escrito por um japonês que, depois de ter mudado de vida e de se ter dedicado apenas à escrita decidiu começar a correr.

Correu dezenas de provas de longa distância, triatlos, até que decidiu reflectir nesse livro o que significa para ele correr e como a corrida  passou a influenciar a sua maneira de escrever e de viver.

Os treinos diários, a paixão pela música, a consciência da passagem do tempo, os lugares por onde viaja acompanham-no ao longo de um relato.

Aqui, neste livro, escrever e correr traduzem a forma de Haruki Murakami estar na vida.

Ler este livro impele para uma meditação sobre nós próprios, na permanente busca  da verdade sobre quem somos, afinal?

Marcou-me pelos ensinamentos e pela outra história que ele conta.

“Auto-Retrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo” foi-me emprestado por um querido amigo, colega de trabalho, corredor de fundo, que tinha ganho a batalha contra um cancro. Ele emprestou-me o livro que me mudou, enquanto ser humano.

Nunca lhe o devolvi.

Ele morreu na véspera de uma meia maratona, ele ia correr a dele, eu ia correr a minha, noutra cidade.

Recebi a notícia da sua morte, de repente, no quarto do hotel, na manhã da minha corrida.

Nunca tive oportunidade de lhe devolver o “Auto-Retrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo” .

Está ali, na minha estante, em frente à minha cama.

Por vezes olho-o. Assalto-me por dentro. Por vezes evito-o.

Vou pegar nele e voltar a lê-lo.

A preparação para o maior desafio da minha vida está na recta quase final.

Vai ajudar-me, reler Murakami vai fortalecer-me, por vários motivos.

Porque vou reviver e relembrar coisas, porque vou reaprender outras, porque preciso de me preparar psicologicamente para a minha maratona.

Não quero chegar ao fim em dificuldades, isso quer dizer que não me preparei como deve ser. Quero passar a meta com todas as minhas faculdades físicas e mentais no auge.

Mas, vou voltar a ler o livro de Murakami porque estes têm sido dias difíceis.

Tal como foi dolorosa aquela corrida, poucas horas de pois de saber da trágica notícia do meu amigo JP, também dolorosos têm sido os meus treinos, esta semana.

Um querido amigo está desaparecido desde o início da semana.

Andámos juntos na escola, ajudou-me muito quando tive dois restaurantes que quase me levaram a falência, é um bom homem.

Sensivelmente, pela mesma altura em que comecei a correr, há uns cinco anos, o meu amigo era obeso, inchado.

Agora, com cinquenta anos é Iron Man, faz Triatlo, uma máquina.

Um ser humano sempre pronto para os outros.

Cruzo-me com ele muitas vezes, no jardim, no passeio ribeirinho, enquanto treinamos.

Desde o início da semana.

Ninguém sabe nada dele, apenas o telemóvel foi encontrado.

Paira uma onda de choque por estes lados, de choque e de solidariedade, de voluntarismo, de fé.

Tenho treinado com ele no meu pensamento. E, quantos pensamentos me têm passado pela cabeça, enquanto treino!

Vou seguindo as horas, com inquietação.

Vou continuando a treinar, cada vez mais duro, mais forte, mais rápido.

Não quero fazer má figura quando cortar a meta, em Berlim, amigo Grilo.

Quero cortar a meta como tu, naquela fotografia da semana passada, de braços no ar, esforço espelhado na cara que mostra aquele sorriso de quem corta uma meta.

Só quem corta uma meta entende esse sorriso sofrido.

Já tenho saudades de me cruzar contigo e te dizer: "bora lá, amigo Grilo".

O que nunca te disse é a inspiração que me tens dado desde que deixámos os dois de ser gordos.

Quero dizer-te, finalmente.

Olhos nos olhos.

 

 

 

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