SEM STRESS ( DIA 11 DA MARATONA)
Hoje falhei o primeiro treino, verdade !
Na segunda feira corri pela primeira vez, em dois anos, sem dores, ao fim de cinco semanas de paragem.
Na terça descansei.
Na quarta voltei a correr, numa inquietude só desfeita no fim da corrida.
Hoje devia fazer treino de pernas, no ginásio, e baldei-me.
Mas, como isto é um caso sério pedi a opinião ao meu treinador, que de forma clara me disse que devia fazer o treino.
Só que o dia já ia longo e já não tinha tempo útil de ir ao ginásio - a pessoa tem que arrumar a casa e assim, quando a dona Cristina fica doente e não nos pode vir ajudar -, dediquei-me ao lar.
Arrumei tudo, limpei tudo, e vim escrever.
Perguntei-lhe, então, ao meu treinador se podia fazer “pernas” no sábado.
Que não, que domingo volto a ter treino de corrida e é melhor não.
Sugeri metermos este treino no plano da próxima semana.
“Sem stress”, respondeu-me.
O José Carlos Santos transmite a calma e a segurança necessárias, para acreditar que a minha ideia louca vai fazer sentido.
Salta-se o treino e não se fala mais nisso.
Não sei se reparou, mas referi neste texto que voltei a correr, sem dores, ainda que numa fase de experimentação. Eu sei que reparou, mas precisava de voltar a ligar as ideias para seguir com o texto.
A minha inquietude era tamanha que só pensava naquilo que não devia, eu sei, quando morrer vou para o inferno, mas também nunca fui um bom rapaz.
A dor.
Era tudo o que não queria, era tudo em que mais pensava.
Foram dois anos de sofrimento, desconhecimento, raiva comigo próprio.
Dois anos depois corri meia hora sem parar, sem alongar, sem caminhar.
Corri devagar. Essas eram as instruções do meu treinador. Mesmo que quisesse correr mais rápido, a inquietude (gosto mais do que inquietação, isso é mais sobressalto), o receio, a insegurança impediam-me.
Na segunda feira comecei a aprender a correr.
Não consegui caminhar nos primeiros minutos, para aquecer, apesar de ser essa a instrução, mas corri muito devagar.
Queria perceber o quanto antes se estava livre deste inferno.
As pernas começaram a responder. A sensação que tinha era de alguma fadiga, por não correr há cinco semanas, mas não tinha sinais de dor, fiquei confiante, mas ainda não convencido.
Aos dez minutos devia acelerar um pouco. Foi o que fiz.
Mais soltas, mais leves, sem dor, as minhas pernas foram-me levando para a frente.
Apenas um ligeiro desconforto na zona que estava mais afectada, no gémeo interior direito.
Perante a ausência de dor continuei.
Estava feita a minha primeira meia hora de corrida, sem parar.
Nos últimos dois anos deixei de ter a capacidade de olhar o céu azul, por cima do rio, nem o rio voltei a admirar, embora ele me acompanhe todos os dias.
Deixei de identificar o cheiro a chocolate que emana das flores encarnadas.
Parei de conseguir ouvir os meus próprio passos, a minha respiração.
Deixei de descodificar sinais e o belo tornou-se a minha estrada de espinhos.
Os olhos ardiam, as pernas rasgavam, mas nunca desisti.
Durante aquela meia hora de corrida voltei a ver que o céu é cada vez mais azul, que o rio corre, afinal, para o mar, que as flores perfumam o meu destino, que os meus passos soam bem, que a minha respiração é como um motor que faz andar, que são estes os sinais de que estou vivo, que a estrada não tem espinhos, são as rosas que têm espinhos, e elas são belas, bonitas, como bonita foi a minha corrida.
Ontem voltei a saborear um travo de felicidade, porque sou feliz enquanto corro.
Agora, no fim deste texto, concluo que, afinal, não fui ao ginásio, não porque tinha receio de sobrecarregar as pernas, não porque já não tivesse tempo.
Não fui ao ginásio porque ainda estou a saborear as minhas primeiras corridas, quatro anos depois de ter começado a correr.
E, sabe tão, mas tão bem, que arrisco a dizer que me sinto feliz.
Sabe tão bem…
Estou desculpado.
Sem stress !