QUE PARE O TEMPO
“Ouço” sempre as horas, anunciadas, hora-a-hora, pelo sino da igreja.
Vivo na cidade onde se escuta o sino da igreja dar as horas, que deviam guiar-nos pelo tempo dentro.
Hora-a-hora, sem dó nem piedade, porque o relógio, mesmo parado, dá a hora certa duas vezes em cada dia, em cada noite e isso é um ensinamento que devemos guardar, até para lá do que idealizamos para nós, hora-a-hora.
O que eu queria tanto...
É assim que a vida vai indo e passando e afrontando e recompensando e traindo e amando e sendo noite e sendo dia e doce e a amargo e aventura e paz. Ali, mesmo ali à frente, a paz.
Quando o sino me diz a que horas ando invado-me de uma estranha e rude paz e aumento o volume da música, gosto de estar ali a ouvir música, enquanto degusto um smoke, enquanto, sentado, pernas encolhidas, dou uns toques com o pé no gradeamento, a música encarrega-se da viagem, de me levar até ali, algures.
Que horas são?
São as que eu quiser que sejam até que o sino da igreja me obrigue a aceitar o seu próprio tempo, impondo-me um rasgo de alto a baixo. Impõe-me o tempo!
Depois, vem a noite.
Enquanto fumo mais um cigarro, com as pernas encolhidas, na varanda com vista para o rio, escuto, de novo, o sino da igreja.
Já é tarde, diz-me lá daquele lado de lá.
O sino da igreja sabe a quantas anda.
Eu é que não.
Fecho janelas, baixo estores e deixo de o escutar.
Faço de propósito.
Gosto de parar o tempo!