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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

21.10.18

O QUILÓMETRO 17 - LADRÕES DE SORRISOS - ( DIA 74 DA MARATONA)


The Cat Runner

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Por esta altura eu já ia a temer o pior, em silêncio.

Por esta altura eu já ia a pensar que dali a quatro quilómetros estava a chegar à meia maratona, o meu ponto crítico.

Disse-me o meu treinador, antes de partir para Berlim,

“tu tens fuel para uma hora e meia de corrida seguida, o resto depende de ti, mas se quiseres o teu fuel aguenta a maratona toda, é como te digo, depende de ti, da tua cabeça, sobretudo”.

Ao quilómetro dezassete as pernas ainda iam leves, a minha respiração, que durante todo a maratona só ela, a minha respração, nunca me traíu, só ela não me traíu, tudo o resto apanhou-me na curva;

correndo, vivendo e aprendendo.

Ainda ia bem, por isso comecei a pensar que aquilo que estava para vir, depois de chegar à meia maratona, podia ser ultrapassado com mais ou menos dificuldade.

Quero dizer, sei-o agora, estava a tentar-me convencer do impossível.

Um dos meus erros na preparação da maratona de Berlim foi não ter corrido o treino de trinta quilómetros, fundamental, quando se preparar uma maratona.

Não o corri, porque no dia 26 de Agosto, domingo, dia em que fazia os treinos longos, quando saí para treinar achava que era um treino de 25 quilómetros que devia fazer e não o de 30 quilómetros.

Enganei-me.

Estava muito transtornado, como há muito não me sentia.

Na véspera, no sábado, tinha sido confirmada a morte do meu amigo Grilo, nas televisões.

Foi-me confirmada, pessoalmente, ainda antes das televisões a confirmarem.

Era uma notícia que já esperava.

As restantes notícias, as que se lhe seguiram, essas não, mas aquela eu já esperava.

Mas, fiquei de tal forma transtornado, que me equivoquei com a data do treino mais longo de todos, fundamental, para derrubar “o muro” e o "muro" aparece sempre durante uma maratona.

Nesse domingo saí de casa, fui a correr desde o Centro Comercial Vasco da Gama até quase para lá de Algés e voltei. Corri durante duas horas e meia. Metade do tempo que corri em Berlim.

Só depois, chegado a casa, quando fui registar o treino é que reparei que não devia ter corrido esses 25 quilómetros, mas devia ter corrido 30.

Pode achar que mais cinco, menos cinco, não é relevante.

É.

É, de tal forma relevante que faz toda a diferença entre passar “o muro” ou chocar de frente com ele e viver o inferno na terra, até ao último metro, tal como me aconteceu.

Ainda tentei convencer o meu treinador a fazer esse treino no domingo seguinte, mas não era aconselhável porque ia entrar na fase descendente da preparação, retirar carga, não dava, podia comprometer toda a preparação e a própria maratona.

Fui para Berlim, assim mesmo.

Ao quilómetro dezassete, este que aqui descrevo, mesmo indo bem, já ia a fazer contas de cabeça e a assustar-me antecipadamente.

Este foi outro dos meus erros estratégicos. Eu fui o meu maior pânico. Não foi a distância da maratona.

Arrependo-me, claro que sim, como me arrependo de mais uma meia-dúzia de decisões que tomei antes, durante e  depois, mas de pouco me adianta o arrependimento, se dele não tirar lições, porque isto de correr tem duas saídas, ou ganhas ou aprendes.

Eu aprendi!

Aprendi, tanto que Berlim me ensinou.

Sobretudo, sobre a nossa condição, a condição humana.

A propósito do meu querido amigo Grilo, Berlim ensinou-me a desprezar os vermes, os seres rastejantes, frustrados, tipos como aquele que, há umas semanas, decidiu utilizar as redes sociais para tentar queimar-me vivo, na fogueira da Inquisição dos loucos, por causa de um texto que aqui escrevi em homenagem ao meu amigo.

Como se de um crime se tratasse.

 

( https://thecatrun.blogs.sapo.pt/a-morte-nao-te-levou-85775 )

 

 

Um tipo, queimado, que tentou acusar-me do "crime" de elogiar a mulher que terá morto o meu amigo, numa altura em que ninguém imaginava que ela o pudesse ter feito. Muito menos eu.

Um inquisidor nojento, que usou termos nojentos, para escrever sobre um assunto nojento, sobre um texto que eu dediquei a um amigo meu, uma homenagem que lhe prestei, sentida, sincera.

O meu amigo estava desaparecido.

Só depois se confirmou o seu assassinato, não foi a sua morte, foi o seu assassinato.

Mas, mesmo assim, a futilidade e a ausência de sentimentos levou alguém a ter a falta de lucidez para me apontar o dedo, só porque sim.

Esse tipo, não precisa de saber que, ainda hoje ecoa na minha cabeça aquele último cumprimento, quando nos cruzámos no jardim, eu e o meu amigo: "um abraço, amigo Zé", ao qual respondi, como sempre, "um abraço, amigo Grilo".

Não precisa de saber, nem tem que saber, por que a sua falta de inteligência, de moral, de coluna vertebral não lhe o permite, sequer.

Mas, aquela troca de palavras, ainda hoje ecoa na minha cabeça e há-de ecoar, para sempre.

Um tipo que me acusou de procurar palco e protagonismo à conta do assassinato de um  amigo meu.

Um tipo que tentou colocar em causa a minha integridade profissional e pessoal, como se a palavra dele valesse o que quer que fosse, sobretudo, quando comparada com a minha carreira, com o reconhecimento que o meu trabalho me trouxe.

Mas, tentou.

Provavelmente, porque imaginaria que eu iria apagar o texto, que aqui republiquei, agora.

Provavelmente, porque me odeia, sem sequer me conhecer, ele lá terá as suas razões.

Provavelmente, porque se julga tão inteligente que não consegue ter a lucidez suficiente para perceber que não o é.

Apenas tem uma ligação à internet, só isso.

Ele, mas não só, também alguns meus amigos (reais) que colocaram "likes" naquele texto abjecto e inaceitável, mas que continuaram a ler e a apreciar os meus textos, todos os dias.

Provavelmente, os mesmos que estão agora a ler este texto.

Não são inteligentes, são iguais a ele, limitam-se a  saber utilizar o wi-fi.

Hoje é domingo, e eu quero que este final de domingo seja duro, como naquele dia, como na minha maratona.

A fogueira moderna, onde ardem as aves-raras.

Ardem sem darem conta, e isso é que é verdadeiramente revelador, muito mais crú que o meu desprezo.

Sabem lá eles o que é escrever com a tinta que nos sai da medula.

Sabem lá eles, essas aves-raras que procuram palco, o que é o pulsar de um coração honesto, doce e sério.

Eles não sabem, mas eu sei que um perú nunca passará de um bicho muito feio.

Eles não sabem, mas eu sei que o ser humano consegue ser um bicho muito feio.

Alguns desses bichos revelam-se no momento, outros tardiamente mas,diz a história que os perús desta vida acabaram, inevitavelmente, dentro de um forno, desossados, depois de ser embriagados e levados para a sua a morte. Queimados.

É a sua condição.

Eu acredito no homem-bom.

Os outros, limito-me a desprezar.

Não que me sinta bem por isso, é uma questão de higiéne, apenas.

Aprendi, em Berlim, imensas coisas sobre a vida e sobre a corrida, sobre o significado da palavra desprezo, o sentimento mais cruel que alguém pode sentir, pelos perús desta vida.

Agradeço a Berlim, por tanto.

Por ter mexido, profundamente, comigo, enquanto ser vivo, por ter sido a lição de vida que me faltava, que eu procurava, precisamente, porque me faltava.

Berlim tornou-me mais imune, mais forte, porque me deu aquilo que eu precisava, para me conhecer melhor, através de uma viagem interior que eu quis fazer.

Foi por querer que a fiz.

Porque eu sei sorrir.

Porque eu gosto de sorrir, mesmo que sorrir signifique sofrer.

Há momentos para tudo, até para isso.

Ainda hoje, pouco mais de um mês depois, sinto o meu corpo inchado, por fora e por dentro, tamanhas foram as alterações que Berlim em mim provocou.

Bem sei que é uma alucinação da minha cabeça, mas nem só os perús desta vida têm o direito à sua exclusiva alucinação.

Eu também tenho, nem que depois consiga fugir do fogo que consome a alma, os músculos, as mãos, a cara, ao contrário deles.

Sobreviver.

Aprender.

Decidir.

Ser.

Viver.

A equação é nova. É minha. Não a empresto.

Quando te propões a um desígnio e passas cinco horas em cima de ti mesmo, sem parar, para atingir esse desígnio, aprendes muito, passo-a-passo, dor-a-dor, palavra-a-palavra, sorriso-a-sorriso, porque embora possa não parecer eu sorri muito, em Berlim.

A grande lição guardo-a agora e dela não abro mão,

nunca alguém me roubará o sorriso.

Era preciso correrem mil maratonas seguidas, sem parar.

A mim bastou-me correr uma só para perceber isso.

O sorriso é meu.

A fogueira que arda à vontade!

Entrámos no quilómetro dezoito.

 

 

 

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