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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

16.10.18

O QUILÓMETRO 15 - UM MÊS QUE PARECE UMA ETERNIDADE - ( DIA 72 DA MARATONA)


The Cat Runner

 

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Faz hoje um mês, por esta altura, estava com o maior empeno da minha vida.

É uma daquelas coisas que não se esquecem.

Passa, como tudo na vida, mas é uma recordação só nossa, tão íntima que, um mês depois, parece que de repente voltei a sentir o mesmo inesquecível empeno.

Valente empeno.

Acabei a corrida e, durante os quatro ou cinco dias seguintes movi-me exactamente como o senhor do vídeo que se segue, nem mais, nem menos, tal e qual assim, como ele.

 

 

 

Apesar de tudo, ainda conseguia ter sentido de humor.

"Um andar novo", disse eu para mim próprio, que não havia mais nenhum português por perto, isto é, tinha entrado na fase de falar sózinho, mas mal eu sabia o que me esperava.

Passou um mês apenas, parece que passou toda a eternidade, e um mês muda tudo e tanto, parece longe, parece ontem, lá tudo atrás da memória.

Passou apenas um mês e quatro quilos.

Foi quanto engordei à conta da maratona, que a culpa da merda que fazemos, normalmente, nunca é nossa é sempre dos outros.

Haja coragem.

As desculpas, cada qual inventa a sua, cada qual mostra aquilo que quer mostrar, revelações em cima da balança, digo eu, diga lá, não é a vida, ela própria uma balança?

Porque corri uma maratona há um mês advoguei-me o direito de comer que nem um buda.

Um grande buda!

Bem sei que está a pensar que os budas comem pouco, mas que importa, no caso?

Quer estragar-me o texto?

Muito bem, adiante…

Comi, comi, comi e em um mês inchei uns bons quatro quilos, ao abrigo de ter corrido uma maratona, para além de ter inchado por causa da maratona, em si - nela, não em si, caro(a) leitor(a).

O ser humano é, realmente, muito estúpido, tem outros predicados bem melhores, mas ninguém é perfeito, e a estupidez é quase, como diria Einstein, como o Universo.

Infinita(o).

Portanto, se eu corri tanto, podia comer mais do que corri.

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Pensava eu, o estúpido, que eu pelo menos olho-me ao espelho, todos os dias!

Agora, estou a pagar por isso, que nesta idade perder quatro quilos, com o metabolismo lento, como o meu, é uma tarefa tão complicada quanto correr a maratona, maldita maratona (ler com um sorriso, sff).

Por isso ando há três semanas a malhar todos os dias no ginásio. O Orlando fez-me um porgrama de treino diferente, todos os dias.

Treino seis dias por semana, descanso um dia, mas ando divertido, apesar de o fazer por obrigação.

Obrigado eu faço, mas chego a um ponto que mando tudo dar uma volta, neste caso obriguei-me, entre aspas, para conseguir recuperar a silhueta bela e, mais a sério, para descansar das mazelas do empeno e da corrida.

Corro três vezes por semana, duas corridas integradas nos treinos de ginásio, cerca de meia hora cada e ao domingo, aí corro os meus dez quilómetros.

Voltei a adquirir o prazer de correr.

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Cá entre nós, que ninguém nos ouve, aqueles nove meses “obrigatórios”, sem aspas, irritaram-me.

Os dias seguintes à maratona também.

Na verdade, o antes e o depois irritaram-me, mas o durante, o dia da maratona, a maratona, ela própria, apesar de tudo - destas histórias todas - foi delirante. Foi por isso e para isso que vivi intensamente, para aquela corrida única.

Por isso, tolerei o antes e o depois, para poder viver tudo o que vivi naquele domingo.

Mas que empeno!

Lembra-se do senhor a descer as escadas do metro, no vídeo lá em cima?

Eu andei assim, com um andar novo, literalmente novo, durante vários dias.

Até para me levantar ou sentar, para entrar ou sair do carro, até para me virar na cama, precisava de uma grua que não existia, imagine o esforço?

Imaginou? Boa!

Depois de ter cortado a meta, das fotos da praxe, da cerveja para celebrar, dos abraços e beijos à família e amigos, aquilo que eu mais queria era…nem sei bem o que era, confesso.

Naquela altura, já depois de ter ficado frio, cerca de uma hora depois de ter cortado a meta, o meu corpo, sobretudo as minhas pernas gemiam por todo o lado, ao ponto de eu não saber se queria deitar-me, sentar-me, dormir, ou sequer estar vivo.

Era o início do empeno monumental.

Só que eu não sabia da hsitória a metade.

Pensava que aquilo passava assim sem mais nem menos, passava, com o plano de recuperação, pensava eu.

Quando deixei toda a gente, família e amigos, que naquela altura ainda estavam no relvado, em frente ao Reichstag, a conviverem uns com os outros e me encaminhei para o apartamento, a uns quatricentos metros dali, porque na verdade o que eu queria era estar sozinho, com o meu sofrimento (rir, de novo),  tive uma surpresa, uma enorme surpresa;

Eu pensava que tinha sido dos últimos a cortar a meta, em Berlim, afina demorei cinco horas e onze minutos, que os segundos dou de barato.

Nada mais errado.

Uma hora depois ainda havia heróis, uma enorme mancha de heróis, uma marcha triunfal, uma hora depois da minha chegada, que se encaminhava para as Portas de Bradenburgo, a menos de um quilómetro da tão desejada meta.

Heróis, sem mais.

 

A um mês de distância os meus gritos de incentivo podem parecer patéticos, mas eles, os que ali iam, eles não acharam, de certeza.

Eu também não achei nada disso, quando me gritaram durante toda a corrida.

Reparou quando eu disse num inglês quase perfeito que "isto é lindo", reparou naquele casal com a bandeira do México que pareceu ter ganho asas?

Pois, pateta sim, mas feliz, eu!

Novos, velhos, a passo, a correr, a rir, a chorar, com dores, sem dores, heróis, ponto. Sem mais.

Quem começa e acaba uma maratona é um herói.

Para mim é um herói.

Corra em três, em quatro, em cinco ou em seis horas, herói. Sem mais.

Bom, se correr em duas horas e muito pouco, como o Kipchoge, nesse caso já não é herói coisa nenhuma.

É um fenómeno.

Não conta.

Conta sim, porque há heróis que são fenómenos, não somos todos apenas humanos.

Ali fiquei, a filmar quem chegava, não sei bem porquê, talvez para poder escrever este texto e ilustrar com um vídeo, talvez porque quis registar a marcha heróica, para me deliciar depois a ver, talvez porque, não sei, talvez só porque sim, porque eu estava ali, porque eu lutei para ali estar, porque eu estava feliz, muito cansado, muito empenado, mas muito feliz.

Lembro-me de ter feito um directo, no Facebook, sobre os heróis que chegaram depois de mim, lembro-me de ter tido mais um rasgo de estupidez e de ter sublinhado que o meu penteado não estava em conformidade, porque eu ainda não tinha chegado a casa e estava com um aspecto medonho.

Sorte de quem viu o directo, e foi muita gente, que o Facebook ainda não tem cheiro, mas lá chegará.

Parei, ali, junto às baias, para ver quem chegava, para me rever nesses heróis, para saborear, sozinho, aqueles instantes.

Peço desculpa pela qualidade do vídeo, mas isto não dá para tudo, para correr, para escrever, para gravar, lamento, mas não sou multifacetado (rir, de novo, sff).

Parei ali para ganhar forças, que não consegui ganhar, para descer as escadas, como o senhor do vídeo, e atravessar o metro, que dava acesso ao outro lado da rua que me levaria a casa.

Não havia outra forma, a alternativa era atravessar a corrida, incomodar quem ia em sofrimento ou em êxtase, depende, saltar as baias e seguir o caminho mas, e forças para isso?

Optei por passar pelo metro.

Antes, antes ainda me sentei num dos bancos que havia na avenida, junto a um casal que estava acompanhado pela filha.

Deviam ser britânicos, falavam inglês, ou norte-americanos, talvez australianos.

A prova que a estupidez é como o Universo, no vídeo eu também gritei em inglês e, no entanto, sou português, infinto, infinita, adiante que isto está quase a acabar.

Sentei-me junto a eles.

Sentei-me, a muito custo, empenado.

Sentei-me, eu do lado direito do banco, ele ao centro, a filha do lado esquerdo e a mulher junto à miúda, em pé.

Sentei-me, olhei para ele, sorrimos.

Estava na cara.

Só não sei é como é que ele chegou a casa.

Nem eu.

É que um empeno nunca vem só.

Entrámos no quilómetro dezasseis.

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