Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

22.11.14

O FADO DO SELVAGEM


The Cat Runner

mediapsyop1-700x330.jpg


 


 


Quinta-feira. Quase duas da manhã. Auto-estrada do Norte. Sentido Sacavém-Alverca.


Vem isto a propósito da brilhante entrevista feita pela Teresa Dias Mendes e dada por Carlos do Carmo e Maria Judite.


Dei comigo a escutar, a caminho de casa.


Isto só me tinha acontecido uma vez na vida; foi quando, eu conto:


Quando regressei do estrangeiro, onde vivi dois anos, reencontrei alguém de quem nunca me afastei.


Foi numa noite, enquanto o Fiat Uno preto, novinho em folha, subia a rua dos Duques de Bragança, que me aconteceu pela primeira vez.


Encostei o Fiat Uno. E, ali ficámos, em silêncio, escutando o "Postigo da Noite", na noite em que me apaixonei pelas palavras.


Esta noite, a caminho de casa, voltou a acontecer.


Desta vez não parei. Não se deve parar na auto-estrada, em nenhuma, muito menos na auto-estrada que conduz a nossa vida.


Coloquei o avião em modo cruise control, encostei-me, na verdade acomodei-me no banco e escutei.


Naquela noite, na rua dos Duques de Bragança, ali, encostadinho ao Chiado, conheci um homem chamado Fernando. Sem nunca o ter visto. Vi-o escutando-o. Hoje, meu mestre, hoje meu amigo, de coração, que sei, ele sabe. E segui-lhe os ensinamentos que sempre me deu, que sempre me dá quando o escuto sem que ele saiba.


Por vezes sabe, porque lhe o digo.


Esta noite, na minha viagem para casa, já vos falei do quanto gosto de apresentar notícias à meia-noite?


Já!


É também por causa desta viagem solitária que gosto do turno da noite. Quem bom. Só eu e aquilo que eu entender, ou nada. E eu!


Conforme.


Pouco me importa as várias opiniões sobre Carlos do Carmo.


Já privei algumas vezes com ele, em trabalho, sempre, em sua casa, uma vez, em locais insuspeitos nas outras vezes.


Sou um profundo admirador de Carlos do Carmo. Confessei-lhe.


Quando anunciaram o prémio fiz um directo com ele, na "exposição/museu".


O raio do directo saiu mal à primeira por causa da cobertura da rede móvel.


Mal começo o directo e faço a primeira pergunta, ainda sem Carlos do Carmo começar a responder, ouço no auricular que "caiu a ligação".


Isso. Foi isso que senti. Carlos do Carmo ainda não tinha sequer começado a responder e a ligação tinha caído.


Costumo dizer, quando faço directos na tv que "é a história da minha vida..."


Sempre que tudo está perfeito há algo que se encarrega de piscar o olho da ironia.


Segui em frente, como se nada fosse.


Carlos do Carmo respondeu. Escutei-o.


Estava a cometer um sacrilégio. Carlos do Carmo não responde, ele conta histórias bonitas.


Não podia continuar a farsa.


Deixei-o terminar, iniciei a segunda pergunta e antes que a terminasse disse-lhe: "peço-lhe imensa desculpa, a cobertura de rede está fraca e o directo caiu. Importa-se de o fazer em outro local, ali, por exemplo, junto às guitarras portuguesas?".


Carlos do Carmo sorriu. "Gosto da forma como me coloca as perguntas".


"A pergunta..." disse eu, baixinho.


Junto a gente grande somos pequenos. É bom perceber isso. Melhor ainda, respeitar isso. E crescer.


O segundo directo correu muito bem. Ele contou muitas histórias e eu deliciei-me a escutá-las. Junto a este homem sentimos o nosso tamanho.


É o afecto que regula a nossa caminhada, olhem, vejam, escutem, porra. O afecto. Tudo o resto anda a roda dele.


Carlos do Carmo. Gosto dele porque ele é um homem de afecto. Eu também sou. E gosto.


Lembro-me, a propósito, da carta do Chefe índio Seattle ao Grande Chefe de Washington, Franklin Pierce, em 1854, em resposta à proposta do Governo norte-americano de comprar grande


parte das terras da sua tribo.


O discurso era uma declaração de amor, de profundo amor ao significado amar.


Esta passagem atravessa-se nessa carta e no meu caminho.


"O ruído não insulta apenas os ouvidos. Insulta a alma, o carácter, o coração, insulta o afecto. Mas, talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo".


Selvagem e, mais do que provavelmente, bi-polar. Eu.


Vou daqui até aí enquanto uma luz se acende.


Depois apago-me, lenta e suavemente.


Dois pólos. Dois extremos. Dois momentos. Dois dias. Duas corridas.


Corri de raiva e depressa num dia e escrevi parte deste texto.


Corri para me retemperar no dia seguinte e escrevia a segunda parte deste texto.


Hoje, o dia seguinte.


Outro olhar, porque corri e é o fim do texto.


Foi isso que fiz.


Ao longo deste texto não percebeu, mas houve dias pelo meio, três.


Tentei ligar o texto com os dias e com a disponibilidade, sobretudo vontade, em escrever.


Deixou de fazer qualquer sentido, mas um texto escrito não se mata.


Passaram três dias de um texto encalhado entre as linhas da escrita.


O próximo será sobre o Dia da TV. Ontem. À meia-noite. Quando detiverem um antigo primeiro ministro português, pela primeira vez na história do Portugal democrático.