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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

16.09.19

O DIA EM QUE CORRI COM PABLO ESCOBAR


The Cat Runner

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Quando estava cercado pela polícia juntamente com o seu pai e a restante família, a que restava, Sebastián Marroquín confessou que tinha “experimentado a pobreza extrema”.

Pablo Escobar estava perto de ser apanhado pelos “sanguinários” Pepes e pela Fiscália mas uma vez mais ia escapar.

No entanto, o maior traficante de cocaína da história, líder do cartel de Medellín, estava barricado há mais de uma semana dentro de um local aparentemente deserto de pessoas. Assim devia ser visto desde o exterior.

No outro lado a polícia e o exército. Aguardavam movimentos.

Em cima da mesa, onde pai e filho assentavam os cotovelos enquanto conversavam mais de dois milhões de dólares, o suficiente para comprar todo o supermercado.

Dois milhões de dólares que, naquele momento, serviam para nada.

“A pobreza extrema” que escreveu Juan Pablo Escobar Henao na biografia “Pablo Escobar: Mi Padre”, essa espécie de pobreza interior descobri-a eu, um ano depois.

Faz hoje um ano. Foi em Berlim, na Maratona.

A minha primeira e única maratona, a minha maior provação física e mental de sempre.

Quando a polícia matou (na verdade foram os “Pepes” que o mataram) Pablo Escobar, mal tinha entrado Dezembro de 1993, Juan Pablo teve então que mudar de identidade e passou a chamar-se Sebastián Marroquín.

Acabei hoje, precisamente, de ler a biografia de Pablo Escobar Gaviria, escrita pelo filho.

Precisamente, porque bate com dia em que provoquei em mim uma forçada transformação. Foi esse o meu propósito.

O impacto, a mudança, a adaptação, o conhecimento, a evolução, o prazer, até.

Faz hoje um ano que Eliud Kipchoge correu a maratona em 02.01.39.

Foi numa manhã de domingo que o recorde do mundo caiu e eu estava lá nessa corrida, a correr, deixando laços, abraços, malhas que ligam amizades e que tornaram mágico aquele dia.

Faz hoje um ano, recordo.

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Trouxe de Berlim a consciência clara que me permite entender um pouco melhor a capacidade do ser humano. Vivi isso, senti-o na pele, nas pernas, nos pulmões, nos olhos, na cabeça, nos braços, no coração e na alma.

Isso é transformador, numa altura de tantas transformações.

Faltam poucos dias para regressar ao mundo normal, real, ao mundo verdadeiro.

Só que agora já não tenho que levar os miúdos à escola, a minha filha vai de autocarro e o meu filho de combóio.

Vão começar outras rotinas.

Volta tudo a ser novo.

Neste último ano mudou muito e tanto e tanta coisa, tanta coisa nova, como que a vida a dizer que estamos sempre, mas sempre a aprender.

Neste último ano os meus filhos, basicamente, tornaram-se adultos.

E eu também.

Raramente esqueço os domingos, gosto deles.

Daquele domingo, em Berlim, esse então é impossível esquecer, jamais, lembro-me de ver uma senhora que segurava um pedaço de papelão nas mãos onde se lia “WR 2.01.39”, ainda ia eu, íamos nós, talvez a meio da maratona, se calhar nem tanto. Ainda não tinha entrado em transe, por assim dizer.

O homem já acabou e eu ainda vou aqui, pensei.

Ah, mas ele também não parou três vezes para ir à casa de banho, sorri com os meus pensamentos, como que a dizer, ainda falta uma manhã inteira para chegares onde ele chegou. Mas, cheguei. Fui mais longe, até.

Dois milhões de dólares em cima da mesa e nem uma bebida energética podia comprar. Nessa altura eu ainda não tinha lido a biografia de Escobar, escrita pelo filho. Foi só agora que realizei que durante a maratona tive dos milhões de dólares que serviam para nada;

Tinha treinado intensamente para a maratona, estava preparado, os dois milhões, mas na verdade aquilo era uma provação dos diabos, a pobreza extrema.

Claro que a minha pobreza extrema é só uma metáfora, real, mas uma metáfora.

Como eu te entendo, Juan Pablo, perdão, Sebastián Marroquín.

Um ano e uns pozinhos durou o período, o processo, o fundamento, a transformação. É hoje que encerro este capítulo, em definitivo.

Berlim, saudade!

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Sinto uma espécie de formigueiro dentro da barriga, como se fosse o meu primeiro dia, o regresso. Por causa das novas realidades que estou a enfrentar, a nova vida dos filhos, a minha nova vida, as inquietações, a ansiedade. O recomeço.

O processo não tem fim, mas tem um fim.

É, então, chegado o momento.

Conjugar tudo o que me é novo, unir as peças, ajeitar as meias e as caneleiras e partir para a bola.

Foi isto que eu trouxe de Berlim, no registo do meu auto - conhecimento (não é uma redundância). Foi isso que fui lá fazer há um ano, conhecer-me melhor, por dentro e por fora.

Foi um processo com um ponto de partida, um caminho e um ponto de chegada.

Todos os gestos, sorrisos, afectos, lágrimas e gargalhadas, gritos e punhos cerrados, passos, pulseiras, abraços, saltos, sentimentos e sensações, esse outro lado desta história, já escrevi em muitos outros textos.

Este é um texto egoísta, humilde, que olha para dentro.

Um momento de exorcismo, acho que é isso.

Eu a falar comigo.

Um balão no canto superior direito:

“Como é que vou dar conta disto tudo, da ansiedade, no trabalho, com os filhos, recomeçar, com tudo o que de desafiante e até assustador isso encerra?”.

Chegou sempre à mesma resposta:

“Como se esta fosse a tua primeira vez?!”

Claro que é. É sempre a primeira vez.

Berlim ensinou-me isso.

Tornou-me mais forte, mais seguro, mais audaz e atento, mais resiliente e mais crente na esperança nos domingos de sol, como aquele, há um ano, em Berlim.

Todos os dias olho para a minha medalha, todos, sem excepção.

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Sinto um orgulho brutal naquilo que me propus fazer e que fiz.

Essa medalha é o meu “guia”, todos os dias. Lembra-me que eu sou um homem diferente;

Antes e depois de Berlim.

É a correr que encaro a vida.

Em passo lento, apreciando a paisagem, os cheiros e as cores, a música, o céu azul, os amigos, a viagem.

Do alto da minha medalha deixo um conselho, de saída;

A experiência.

É isso que vale tudo. É isso que somos. É isso que estamos aqui a fazer, a viver.

A experiência é a viagem e a viagem é o caminho que fazemos.

Continuo a correr.

Quem sabe, um dia, volto a ler a biografia de Pablo Escobar.

Também já vi todas as temporadas de Peaky Blinders, duas vezes.

Eu sou assim.

E, sou porque encontrei a resposta algures nas ruas de Berlim.

Gosto de repetir as coisas que me dão prazer.

Repito muitas coisas.

Só não sei se voltarei a correr uma maratona.

Faz hoje um ano, parece que foi ontem.

Ou então, os miúdos é que cresceram muito depressa.

Uma das duas...

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