Não Pode Ser Só Isto
A solidão tem os seus próprios caminhos, quando a solidão é uma escolha.
Passa, então, pelo ónus de ser uma escolha e torna-se bela, veste-se de solitude, a diferença para a solidão, sem escolha, é como entre o céu e o chão. Eu e tu.
Existem momentos de solidão, na solitude. Porque os rios correm para o mar.
Silêncios gritantes, às vezes cortantes, silêncios, sós.
Barulho que nos ferra por dentro, sem se fazer ouvir.
Apenas nos ferra por dentro.
Agonia, quase.
Só que é na solitude de um instante com os olhos fechados, numa corrida, uma música escutada, um cheiro a anjos, porque os anjos não têm só asas, eles também cheiram a “Amor”.
Ou numa foto recortada, nessa solitude, que é só minha, aparecem esses instantes, vêm e vão, instantes imaginados felicidade, em push-ups, como os que pingam no telemóvel.
A solidão recortada por uma luz, que surge e, que mesmo não ficando, torna o momento arrasador. É sempre assim.
Não podemos conhecer o belo se não conhecermos o não belo.
A solitude, quando é abraçada, como se abraça um amor, revela uma beleza rara.
É no silêncio que encontramos o espaço que nos lembra quem somos, do bairro ou do grande palco, é enquanto escutamos os sussurros da nossa alma, porque ela sussurra-nos, que entendemos quase todas as contradições que existem dentro de nós.
A solitude é o momento em que as máscaras caem. Só eu e eu, frente-a-frente, sem medo.
Nós mesmos, longe de expectativas alheias, quando nos olhamos ao espelho e não sabemos quem somos.
Nesses instantes, encontramos alguma clareza, nesse espelho embaciado, porque não nos vemos, não sabemos.
O coração encontra a paz e a criatividade faz-nos sentir borboletas na barriga e rimos às gargalhads, em estado puro.
O que não se vê sente-se.
Há uma serenidade profunda em estar só e ao mesmo tempo em estar completamente presente, exclusivamente, com o eu, com quem sou, contigo.
E, chega ela, passo lento e silêncioso, a solidão, que não é uma escolha. É uma imposição.
Ela carrega uma angústia sufocante.
Aquele silêncio sem partilha, com alguém ao lado, sentado no sofá cinzento.
É o vazio que se instala quando a presença é desejada, mas não está.
A solidão pode ser um abismo escuro, onde as horas se arrastam e o silêncio se torna opressor. Impede. Irrita. Desorienta. É foda.
O que antes era uma paz interior, pode se transformar num tormento, onde a mente se perde em corredores com pensamentos, cheios de nós e de nós que não se desatam.
Nos dias mais sombrios, aqueles de chumbo, que matam por dentro, há sempre uma promessa de luz. Ou um acreditar. Isso eu sei.
O dia seguinte traz com ele a esperança de novos começos, de sonhos ainda não realizados, de possibilidades que, ansiosamente, esperam para serem descobertas.
A luz da manhã lembra que, apesar das dores e dos desafios, há sempre um recomeço qualquer, talvez lutar contra a solidão, em solitude, talvez tentar encontrar a beleza nos pequenos momentos que a vida oferece, porque já conhecemos o outro lado, o que não é belo.
Não sei.
Sei que cada amanhecer é uma oportunidade de deixar para trás o que pesa, tirar pedras da mochila muito carregada e abraçar o que ilumina, alimentando os sonhos que mantêm a vida em movimento.
Com a mochila mais leve em cima dos ombros.
Como diz Matilde de Campos:
”É curtinho, o tempo que a gente tá aqui, para tanta coisa.
...E, isso não me assusta, porque um lado, eu acho que há outra coisa qualquer.
Por outro lado, se também não houver, então não dói!
É nada!
E, o nada, por vezes é bom...
...Isto aqui às vezes é cansativo.
Mas, por vezes é maravilhoso.
Não pode ser só isto.
Tem que haver mais!”...