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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

29.03.20

Macacos Que Dançam Na Oitava Dimensão


The Cat Runner

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(Foto: Facebook Ana Lourenço)

 

Estou exausto.

Estou cansado de explicar o que tem quase nenhum entendimento racional, mas ainda assim, cansado. Estranho cansaço. Estranhos dias corridos.

Exausto, tanto, que nem o som do silêncio me embala.

Exausto.

Cansado de explicar aos meus filhos porque é que o moscatel também sabe bem, lá em baixo, no jardim do condomínio, onde só estão eles e o fresco da noite, porque é por aqui que estão há mais de 15 inexplicáveis e longos dias.

Cansado de explicar à minha mãe e ao meu pai porque é que não os vejo, não os beijo, mas havemos de nos abraçar, nem que estejam em casa mais 15 dias vezes a nossa vida inteira. Nunca sete quilómetros foram tão longe.

Cansado de explicar à minha mulher que a amarei para sempre, neste momento, em qualquer outro. Que a abraço sempre que me apetecer, sempre que lhe apetecer. Que juntos somos imbatíveis, como fomos toda a vida.

Cansado de explicar ao meu irmão porque é que o admiro tanto, por se levantar às 4 da manhã, para que todos tenhamos comida em casa. Porque o filho que ele quer ter irá nascer num mundo melhor.

Cansado de explicar a mim próprio porque é que vivemos agora num mundo diferente daquele onde vivíamos há apenas três semanas. E viveremos nesse mundo melhor e igualmente diferente.

Quando, aqui, no meu canto, junto à lareira, me comovo sozinho, enquanto escrevo, ou enquanto penso, ou enquanto ouço música nos phones, em 8D.

Tenho, neste momento, a certeza que o mundo roda no sentido oposto ao que rodava.

Até já há música em 8D e descobri isso quando um vírus medonho nos invade por dentro e por fora, não era nada disto que eu pensava que ia acontecer neste ano tão redondo, 2020, o mais redondo de todos.

Talvez seja por isso que a terra agora roda em sentido contrário e a música aparece-me em todos os lados, dentro da minha cabeça.

Ouço-a do lado de fora dos phones, a rodar pela cabeça, de um lado para o outro, passa-me pela fronte, roda, circula, pela direita, atravessa-me a nuca e há uma coluna de som potente no meu ouvido direito.

Desvio o meu olhar para dentro do meu cérebro.

Exausto.

Sinto-me cansado das explicações do coração, quando tudo oq ue estamos a passar nos faz tão sólidos e juntos, apenas a uma longínqua distancia de segurança, higiénica, cortante, só me sinto cansado nessas alturas, quando me emociono, sozinho, aqui, a escrever.

Porque queria que fosse tudo ao contrário.

Porque nunca mais será como eu queria.

Que os meus filhos fossem ter com os amigos para irem para os copos, foda-se, é sábado à noite.

Que os meus pais viessem cá a casa almoçar, com a minha sogra, porque é domingo e sempre foi assim aos domingos. E, vai ser, prometo, juro.

Que a minha mulher fosse trabalhar sem preocupação, porque com coragem ela vai. Que fosse e viesse feliz e não chegasse de rastos. Amanhã é um novo dia, eu sei, eu sei.

Que o meu irmão nos fizesse chegar a comida às prateleiras, mas que não sentisse necessidade de me dizer que a comida não vai faltar, porque eles trabalham quase sem parar. Para me descansar. O meu irmão conhece-me melhor do que eu a ele. Também isso será diferente, mano, prometo.

Cansado de explicar, aos que amo, que não lhes explico nada, paenas lhes mostro o meu cansaço, sem que ele so vejam, apenas que os amo, pelo que me limito a disfarçar-me de forte e corajoso, porque são eles o meu anti-vírus mais poderoso, que alguma vez alguém possa imaginar. Porque os que amo são a minha fonte de poder e jamais os poderei desiludir.

Não queria estar cansado de nada.

A não ser que fosse de correr, todos os dias, como quando ainda podia correr, sem medo, sem medo da liberdade, sem medo de fungar o nariz, limpar o suor do rosto e dos olhos, a não ser que fosse por isso, porque não quero estar cansado de nada.

Quero ser, estar, ter, dar.

Não queria estar cansado de abraçar os meus, sem tempo certo, sem lhes tocar, sem lhes tocar.

Ficou prometido, hoje vamos fazer Bolas de Berlim, na Bimby.

De alfarroba, sugere a minha Maria Bolacha.

Vivemos tempos em que escrevo um texto enquanto escuto música em 8D, num tempo em que nos vamos aventurar a fazer Bolas de Berlim, de alfarroba.

Já dei por mim, ontem à noite, antes de dormir, com os olhos fechados, a tentar apanhar os macacos que dançam, com os meus braços a mexer, na vertical, de um lado para o outro, e as mãos a fechar e a abrir, na tentativa de os apanhar.

Depois, lembrei-me que não tinha desinfectado as mãos e adormeci.

Puta que pariu isto tudo.

Amanhã vou ver se a minha capa de super-homem já está passada a ferro.

Eu já não sou daqui deste tempo. Nenhum de nós já o é.

Definitivamente.

Ou não estivesse a ouvir macacos a cantar e a dançar!

Diz que é o cosmos a equilibrar-se.

É mas é do moscatel que os meus filhos trouxeram para cima.

Amanhã carregamos no creme, nas Bolas de Berlim, macacos me mordam!

Tudo mudou.

Até a hora mudou.

 

(Obrigatório ouvir com headphones)

 

 

 

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