JÁ ESTÁ A DAR A GUERRA DOS TRONOS
Ainda estamos em liberdade.
Faltam oito minutos para o dia depois da revolução.
Os capitães já recolheram aos quartéis, por esta altura.
Nas redes sociais não morreu mais nenhum famoso.
A nova saga da Guerra dos Tronos assumiu o posto de comando, por volta das dez da noite.
Mas, ainda estamos em liberdade, pelo menos nos próximos cinco minutos.
E, se há coisa com a qual sou intransigente é com a liberdade, pese embora nos últimos anos ter sido obrigado a fazer algumas concessões, uma ou outra.
Mas, como diz a senhora dos programas, isso agora não interessa nada.
Ou talvez interesse, porque acabámos - estamos a minuto e meio - de celebrar a liberdade.
Os que por ela lutaram
Todos os que dela fazem uso.
Os que a defendem, enquanto tal.
Os que nem por isso.
Cliché, dizer que a liberdade até permite que a mal tratem, mal digam, um pouco como a democracia, que são coisas diferentes.
Não partilho desse ponto de vista.
Obrigo-me a aceitar quem não quer esta liberdade, apesar de ser a única que viveu, mas não aceito leviandades de tamanho calibre.
A liberdade permite-me isso; apontar aos que não a querem e, para algum espanto, não são em número tão reduzido como isso.
Não partilho este ponto de vista, porque apesar de ter vivido praticamente cinco anos em ditadura, tinha quase cinco anos (sempre fui muito precoce), é desse tempo que tenho memórias mais frescas.
Se fosse do Entroncamento era um fenómeno.
Lembro-me claramente de algumas passagens dessa altura.
Não tendo, por razões óbvias, vivido esse tempo como os mais velhos, como o meu pai, como os resistentes que conheci, com quem cresci, lembro-me de algumas passagens.
Com o passar dos anos fui-me interessando cada vez mais pela revolução, aquilo que era Portugal, aquilo que foi e aquilo que tem sido.
Tornei-me profundo admirador de todos aqueles que me deram a liberdade de estar a escrever este texto à meia noite e cinco, um dia depois dessa liberdade ter chegado, há 42 anos.
É claro, é visível, os erros que se cometeram durante 42 anos. Eu só tenho 46. Sou quase tão livre quanto a liberdade.
É claro que há rostos, nomes, caras, responsáveis por terem conduzido a liberdade por estradas sinuosas.
Agora que os capitães já recolheram aos quartéis e a Guerra dos Tronos assumiu o posto de comando, nas redes sociais, até porque ainda faltam uns dias para a 32ª jornada do campeonato, aqueles que não gostam desta liberdade, a única que nos deram, que temos, vão estar entretidos, agarrados à televisão.
Há 42 anos talvez não fosse assim tão fácil, nem ver televisão, muito menos dizer, de forma a que se ouvisse, que não se gostava daquela "não-liberdade".
Nesse sentido, pelo menos, as coisas melhoraram.
Acho até que a situação de Portugal, apesar de poder ter sido qualquer coisa de deslumbrante e inspirador, não está tão mal assim.
Portugal é como aquelas casas pequenas que estão permanentemente desarrumadas, cheias de tralha, lixo que nunca é limpo.
Mas, as coisas podiam ser bem piores.
Aquilo que está mal, e é tanto, está assim mais por culpa de outros que nossa.
A nossa culpa reside no facto de lhes termos permitido tamanho desplante.
Tivemos 42 anos para que tal não acontecesse.
Agora, agora somos como o ratinho branco, dentro da gaiola, na roda que não pára. Ele corre, corre, sem sair do mesmo sítio.
Daqui não saímos.
A Europa, com tendências cada vez mais recessivas, fecha-se cada vez mais em si própria.
A Europa entra em contradição consigo própria.
Ela sempre foi um território de disputas internas, mas sempre emanou interesses universais.
Foram esses que se perderam. Foram esses que permitimos, ao longo de 42 anos, que se sumissem.
Agora é mais complicado. É como aquelas equipas que jogam fechadas, cá atrás, o autocarro do Mourinho, mas na vida real.
A Europa quer sobreviver na sua prateleira dourada, para isso pisa indiscriminadamente os países mais pequenos, pisando assim a essência da sua própria liberdade.
Até porque Portugal é um país pequeno geograficamente.
Acontece que, como com os homens, os países também não se medem aos palmos.
Geograficamente, Portugal é como o sítio onde vivo, está no centro da Europa, tem ligações para todo o lado.
Estrategicamente Portugal é importante, é um país grande, para quase toda a gente, para os terroristas, que se nos escolhessem ficariam com porta de ligação fechada, para as máfias de todo o lado, que não veriam com bons olhos que lhes estragassem o negócio, para os que daqui podem saltar para todo o lado, para o resto da Europa, sobretudo a do Norte, Portugal tem a sua grande importância, até ver, um tubo de ensaio, um lacaio às suas ordens.
Até ver porque as revoluções existem. estão em curso. Permanentemente.
Portugal é geograficamente pequeno, mas não se mede com qualquer palmo de um qualquer outro país, pois poucos são os países que já foram tão grandes, sendo tão pequenos.
Portugal foi dono de metade do mundo, depois chegou o dono disto tudo.
Portugal foi dono, depois disso, de grande parte do mundo, depois veio o fim da guerra e a descolonização.
Portugal já foi um dos maiores do mundo da bola, depois veio o Cristiano Ronaldo.
Portugal inventou o multibanco, a via verde, depois vieram os chineses.
Portugal inventou o Nónio (vejam no Google), que mudou o mundo e o abriu ao próprio mundo, depois vieram os computadores.
Portugal já teve grandes estadistas, depois vieram os aparelhos.
Portugal já foi bonito, depois veio o PDM e a corrupção.
Portugal já foi próspero, depois vieram os americanos.
Eu sempre gostei de donuts, desde que me lembro, não foi por causa deles.
Eu já fui a Bruxelas, e percebi que o Monopoly é um jogo que foi inventado por sombras em clubes secretos.
Há 42 anos os capitães, por esta hora, recolhiam aos quartéis.
Chateia-me esta coisa de não haver recolher obrigatório, para aqueles que gostariam de ter uma licença para usar isqueiro, ou de ir à praia, sem sunga, que os calções de banho, assim determinava a lei, deviam ser justos, até ao joelho.
A camisola era opcional.
Talvez gostassem disso.
Seguro que não gostariam de apanhar sol no Tarrafal, nem de comer sardinha assada no Forte de Peniche, muito menos de conhecerem a flora da Guiné, ou as picadas de Angola. A savana e a saraivada.
Muito menos de não poderem dizer a quem quer que fosse que não gostavam da "não-liberdade".
A não ser que fizessem parte da polícia política (também vem no Google). Nesse caso tinham alguns privilégios.
Eu só tenho um; a liberdade que me ofereceram, com a própria vida.
E, tenho que lutar por ela, todos os dias.
Pela minha liberdade e pela liberdade daqueles que me a querem roubar.
Mas, como diz a senhora da televisão, isso agora não interessa nada.
Está a dar a Guerra dos Tronos.