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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

24.09.15

INCONFIDÊNCIAS DE UM HOMEM TEMPORARIAMENTE SÓ


The Cat Runner

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É este o momento em que gelas, o momento em que cai a ficha e te dás conta da solidão.

Tu, contigo, metido dentro de ti. O prolongamento do silêncio de há pouco, enquanto corria.

Durante duas semanas estou sem mulher. Um divórcio temporário, amigável, com data marcada para terminar.

É assim a vida de jornalista, quando se juntam dois, bom, dá nisto. De tempos a tempos sem mulher.

A solidão faz-me bem, temporariamente. Não gosto de ser sózinho, nem de estar sózinho. Só durante algum tempo, o suficiente para retomar-me, de novo.

Tem sido assim toda a vida.

Mas, é neste momento que gelo.

Quando chego a casa, noite dentro, depois do trabalho, das aulas, da corrida.

Faz muito silêncio.

Os adultos - dizem que faz parte - são pessoas maduras, seguras mas, digo eu, há adultos, como eu, que estranham o silêncio, ainda que dele usufruam que nem doidos.

Já não tenho filhos em idade de andarem em correrias pelas casa, quase sempre em direcção a mim, ao entrar em casa. Ainda me abraçam, mas são menos efusivos.

Já não tenho filhos em idade de me obrigar a parar de escrever este texto para os levar à casa de banho, ou ter que me deitar a seu lado, para lhes contar uma história, e sair do quarto quando já suspiram, num virar de costas interrompido por um "papá".

Já não tenho filhos em idade de me impedir de fazer coisas das quais gosto, como correr pela noite dentro, como a de hoje, fresca, apaixonante, como os meus filhos.

Já não tenho filhos em idade de irem, pela primeira vez, para a escola, nem de lhes forrar os livros, nem de os deixar no infantário, nem de...

Os meus filhos cresceram. São agora dois adolescentes. Estão uns dias em casa dos avós, enquanto a mãe está na campanha eleitoral, e eu na minha solidão, nesta solidão que sei ser temporária. Mas não gosto. Especialmente hoje. Esta noite, em que caiu a ficha e gelei.

Senti alguma nostalgia, saudade mesmo, mas também deixei escapar alguns sorrisos, ao longo dos últimos dias.

Só esta noite, na verdade, me dei conta.

Vi dezenas de fotografias de filhos dos outros, à saída de casa ou à chegada à escola, para o primeiro dia do resto da vida deles.

Li as dezenas de comentários, reveladores de quão cortante, ao mesmo tempo emotivo, este momento é. Por isso sorri. Eu já passei por isso.

E bateu-me saudade. Pumba. E silêncio, o deles.

A minha bolacha Maria e o meu Billy the Kid só não vão sózinhos, de autocarro, para o liceu, que fica colado à casa dos avós, porque eu e a mãe fazemos questão de os levar. Todos os dias.

Os livros já não são forrados por nós.

Já vão a concertos sózinhos - sim, vamos levar e buscar -, já me confessaram que experimentaram fumar. Deixaram. Foi nas férias.

Já conheci namorados e namoradas, se é que os adolescentes têm namorados e namoradas.

Já treinei Muay Thai com ela e já joguei na mesma equipa de futebol que ele.

Já sabem o que querem ser quando forem grandes, e estão a lutar por isso.

Isto faz-me ficar, qual baleia, cheia, e eu de orgulho, mas também me remete para as páginas do meio do livro da minha vida, para o capítulo "quando eles eram mais pequenos".

Senti saudades de os deixar no infantário, depois de tomar o pequeno almoço com eles. Senti saudades de os ir buscar, e o sacana do carro em segunda fila.

- "Vamos, despachem-se, tenho o carro mal estacionado, vamos filhotes".

E, eles carregados de mochilas, casacos e a bola de futebol, atrás de mim, sem saberem que lhes seguia os sorrisos grandes. Que saudades.

Malvado Facebook que me levou de viagem para lá.

Ainda no outro dia disse à minha bolacha Maria, as saudades que tenho de lhe dar o biberon, o banho, de a vestir, do cheiro da sua pele.

Ainda no outro dia fui surpreendido com a vinda do meu Billy the Kid para a minha cama, um destes Sábados, pela manhã. Como antes. Com a luz do sol a entrar pelos buracos do estore e a dissimular-se pelo quarto. O jardim lá em baixo. 

E ela também veio. E fizemos uma tenda. E demos abraços. E matámos saudades. Eles sem se darem conta. Eu a contar todos aqueles segundos, como se fosse agora.

Ainda no outro dia perguntei à minha mãe se ainda sente aquilo que eu sinto.

A insegurança. Os filhos. Disse-me ela, do alto da sua sabedoria:

- "Filho, não é porque és um homem, porque casaste, porque tiveste filhos, que deixaste de ser o meu menino", (e o meu irmão, claro).

Os meus filhos são quem mais amo neste e em qualquer outro mundo.

Eles também me amam.

Esta manhã recebi uma mensagem da Maria.

Foi um Bom Dia, com muitos corações, e o Rodrigo chamou-me Papi.

Eu disse que esta solidão me incomoda.

E, sim, esta noite fui correr. Em silêncio. Sózinho, como agora.

Amanhã vou abraçá-los.

"Não podemos perder mais tempo, não podemos perder mais vida".

 

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