HÁ ONDAS MAIORES QUE AS DO CANHÃO DA NAZARÉ
Desta vez não quero falar de mim.
Desta vez quero falar sobre si, sobre vocês.
Desde logo, dizer que, quando eu morrer se tiver metade das pessoas que me deram os parabéns, pelos meus 50 anos (agora, em números), não há cemitério que me-vos-nos albergue.
Graças a deus, se ele existir.
Mas, quando eu morrer se ninguém estiver no meu funeral, quanto melhor. Eu cá sou de despachar as tarefas e de não andar a engonhar.
Providenciem é música, isso não pode faltar.
Basta de falar sobre mim, que não tenho intenção de me finar tão cedo.
Bom,
bom era conseguir que saísse, em palavras escritas, o que lhe/te quero dizer.
Quem me tem acompanhado nesta vida sabe que, embora possa parecer o contrário, não sou pessoa de me colocar em bicos de pés, até porque dava um desarticulado bailarino. Nunca tive tendência para sincronizar movimentos de forma permanente.
Em cima, usei o prenome pessoal porque isto que escrevo é objectiva e conscientemente para si, para ti, para vocês.
Algumas destas tantas pessoas trato-as por tu. Outras por você.
E, este texto é, simultaneamente, para muitas pessoas e para cada uma, que o lê.
Tenho por norma dirigir-me a uma só pessoa, quando escrevo.
No entanto, por agora, escrevo para essa pessoa, que são muitas pessoas.
Username e password.
Estou ligado.
Visito as redes sociais onde tenho conta, Facebook, Instagram, LinkedIn e Whatsapp.
Espreito as sms no telemóvel.
E, as chamadas.
Respondi todas, às sms e às chamadas. Às mensagens no Whatsapp.
Mas, não consegui acompanhar a avalanche ( a palavra existe e está correcta ) de mensagens, no Messenger, nem os comentários, em todas as redes sociais, onde tenho conta.
Tentarei, não prometo.
Já não estou em idade de promessas.
É por esse facto que comecei a escrever este texto.
Não sei dançar ballet.
E, pelas fotos que vi na internet, os bicos dos pés ficam feridos de tanto se embicarem.
É ao contrário.
É dizer-lhe/te que sentir tamanho afecto, sentir que tantas pessoas gastaram um pouco do seu tempo, aquele que entenderam, para pensar em mim, é qualquer coisa que nem neste texto consigo explicar.
( A minha gata Alice anda a brincar, na cozinha, com uma moeda e o barulho está a distrair-me e estamos a falar de coisas sérias. Um momento)
Voltando ao que aqui me trouxe;
Chegar aos 50 anos de idade e ter uma onda da Nazaré, que vem do fundo do Canhão e se agiganta, demolidora, carregada de ternura, de afecto, de amizade, de atenção e de sei lá mais o quê, faz-me ter vontade de viver mais 50 anos, só para voltar a sentir o que senti ontem.
Hoje, tenho 50 anos e mais um dia.
Já posso falar de cátedra.
O dia de ontem foi simples, como eu gosto das coisas simples, que não sou de engonhar, mas foi tão intensamente vivido que, perante a sua/tua generosidade, até me apetece contar como foi.
Fiz questão de fazer a última corrida, com 49 anos, na véspera.
E, fiz questão de fazer a primeira corrida, com 50 anos, pela manhã.
Depois peguei na donzela, montámos o cavalo se seguimos a galopar pela Lezíria fora.
Se eu fosse Romeo, a Carla era Juliet, mas sem a parte da tragédia, que agora já há apps que impedem essas coisas de acontecer.
Juliet é agora apresentadora de um programa de televisão.
Uma princesa.
E, Romeo é um homem orgulhoso.
Foi com ela e com os outros amores da sua vida que Romeo almoçou no dia do seu aniversário.
Num restaurante, na vila, onde outrora Romeo cresceu, enquanto brincava dentro da cozinha e se prostrava, no peal da porta das traseiras, que dava para a rua do combóio, antes de começarem a servir os almoços, a meio da manhã, a observar os serventes, jovens empregados, enquanto lavavam garrafas de vinho, com longos piaçabas.
Vi-me ali, sentado, de calções a desviar o olhar, de tempos a tempos, para a frente, para lá da linha do combóio, atravessando o rio e parando o olhar na margem dourada do sol.
Foi um almoço impactante, também por isso, porque foi ali, no agora “150 Gramas”, que eu vivi dos dias mais bonitos destes longos dias.
Não faço ideia quantos dias são 50 anos!
As únicas coisas que estão iguais é o pequeno balcão, que guarda uma pequena garrafeira e o armário, onde repousam os talheres, guardanapos, pratos e copos, que é exactamente o mesmo que pertencia ao senhor Luís, do “Regional”.
Fica na porta ao lado, da casa onde vivi com a minha avó, após a morte do meu avô, durante os meus primeiros 11 anos.
A janela da minha avó dava para a escada da casa, mas a janela da vizinha Rosa e a da família Nunes deixavam-me observar o rio e a Lezíria, num plano mais elevado que o peal da porta das traseiras.
Tinha idêntica beleza.
Só já não servem ensopado de enguias. E, o senhor Luís “do Regional”, já não se passeia pela sala, com o pano branco em cima do ombro direito.
Já não se lavam garrafas de vidro com longos piaçabas.
Só o pequeno balcão e o armário junto à cozinha restam.
E o momento!
(Foto: xira.pt )
Mini Bola de Berlim com caramelo salgado
Tarte de limão merengada
Bloody Mary de Robalo
Batatas do campo
Dali, fui tomar café, já com a minha Juliet a caminho do seu castelo mágico e os miúdos nos seus afazeres, quando não têm nada para fazer. Fui sozinho, pelas minhas ruas, a rua do Dó-Ré-Mi, a rua da antiga loja da minha avó, que ficava em frente à nossa casa e ao “Regional”, tudo a uma distância de um passeio e uma esquina, a rua dos bombeiros, a rua do Chave D´Ouro, o Largo da Câmara.
As pedras e o chão que conheço, como a mim próprio, porque há lá pedaços de mim.
O coração cheio de sorrisos.
Senti-me na esplanada do “Tradicional Receita” (este nome tem o seu quê) e pedi um café.
O Rui Bico sai de lá de dentro, passa pela mesa, dá-me os parabéns e diz.me que não quer viver até aos 90.
Digo-lhe que quero.
A Carminda e o senhor Carvalho deram-me os parabéns, pelo caminho e brincaram com a queda que a minha mãe deu dias antes e que lhe provocou vários hematomas.
“Foi o Helder que...” atira o senhor Carvalho.
“Não foi nada, não sejas parvo”, retorquiu a dona Carminda.
Enquanto isso, sentado na esplanada, onde antigamente era a sede dos Antigos Combatentes, ia espreitando as redes sociais e começava a assustar-me.
Tanta gente!
Assobiei alto, desde a esplanada.
Os meus putos ouviram o asobio e sentaram-se comigo e pagaram-me o café.
Seguimos juntos, eu, o Isaac e o André.
Estava na hora do Isaac abrir a barbearia.
O cliente das três não apareceu, avancei eu. Experiência que só um gajo de 50 anos tem. Usurpei-lhe a vaga.
Barba e cabelo. À antiga.
Barber André
Só faço barba e cabelo no Chapa 12.
Eu servi de cobaia, quando o puto Isaac andava no curso de barbeiro, em casa dele, no Bom Retiro.
Ainda por cima, ele vende a cera que eu gosto de usar no cabelo e o óleo para a barba que me faz parecer um fake-jovem.
Apareceu o meu filho, o Tiago e a irmã, mais uns putos e brindámos aos meus 50.
Sabe-me bem ouvir os meus putos a tratarem-me por cota Zé. Faz-me bem.
Meus Putos
A caminho de casa, de boleia com o Zé Fernando, que o carro continua na oficina, voltei a espreitar as minhas redes sociais.
Foi quando me começou a passar pela cabeça a ideia peregrina de escrever este já longo texto.
Você, vocês, não merecem um simples “obrigado” via copy & paste, com um coração no final (também copy & paste), nas minhas redes sociais.
É lá, onde encontro amigos de sempre, amigos de ontem, que conheço, outros que nunca vi em carne e osso e outros que lá conheci e com quem já estive, em carne e osso mas, e essa é a âncora, todos, amigos que me acompanham há tanto tempo.
Este tempo todo.
Alguns há quase 50 anos.
“C´um escafandro...”!
Merece, merecem, que cada uma destas linhas seja escrita a pensar no seu/vosso afecto, estima e consideração.
Faço-o aqui.
Presto a minha mais profunda homenagem e admiração, um-a-um, uma-a-uma.
Dentro das minhas parcas possibilidades, que a pessoa trabalha, vou tentar, lá nas minhas redes sociais, meter um like em tudo, um sinal, para que saiba que eu vi, eu li, eu agradeço.
Acabei a noite a jantar, no Ginguinha.
Sou cliente e, acho que, amigo do senhor Victor há quase 18 anos.
Isto já parece uma enciclopédia de efemérides.
Jantei com o meu mano, com os culpados disto tudo, o meu pai e a minha mãe, com a minha segunda mãe, a mãe de Juliet e com os meus filhos.
Cantámos os parabéns.
É sempre assim, não é?
Só falhou uma coisa, não sei se reparou;
Passei todo o texto a falar de mim.
Aos 50 dou comigo a pensar: será que, afinal, sei dançar em bicos dos pés?
Continuo a achar que não.
Grande obrigado.
Sei que não chega.
Mas é o melhor que consigo, desta vez!