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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

26.09.25

Fui Vítima De Uma Fraude Romântica


The Cat Runner

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Tudo começou na internet, onde começa a maioria das "novas-relações".

Não que eu procurasse alguma relação, ou que procurasse o que fosse.

Mas, fui quase vítima de uma fraude romântica.

Uma mensagem. Outra.

Depois é deixar “fluir”, uma palavra que serve para mil e uma coisas, como todas as palavras.

Enquanto tudo flui existe um segredo: os detalhes, até mesmo os mais disfarçados.

Chamemos-lhe intuição, chamemos-lhe sexto ou sétimo ou oitavo sentido, aguçado—aquele que só se desenvolve após anos a observar os padrões insondáveis de um gato a correr pela casa, sem razão aparente.

Ou quando se é jornalista e sabemos escutar, observar, controlar a comunicação, de ambos os lados.

A história é já um cliché destes tempos, um conto de fadas perverso onde o príncipe encantado não é mais do que um bot com ambições. Até os bot tem ambições.

"Romance Scam Leda".

Que nome pomposo para uma trama tão gasta. Qualquer um cai, não fosse a Inteligência Artificial e muita sensibilidade (e bom senso).

Leda é a mulher número um, no mundo, em determinadas transações financeiras.

Sorte a minha que entre biliões de seres humanos encontrei a sobrinha de Leda.

É a forma como a peça é encenada que nos faz parar para pensar no palco maior: o amor na vida real. É um paralelismo super-real.

O processo é cirúrgico, quase um despertar da paixão.

Primeiro, a criação do cerfil: a fachada perfeita, as fotos roubadas que prometem o que a vida raramente entrega.

Quantas vezes não fazemos o mesmo, com e sem intenção, ao entrarmos num novo relacionamento? Mostramos o nosso melhor ângulo, filtramos a desordem da nossa alma, e por vezes, mentimos por omissão sobre as nossas "fotos de arquivo" mais comprometedoras. Até mentimos sobre pessoas e relações. Scam.

Depois, a construção da relação: a intimidade forjada à pressa. Muito à pressa, em minutos.

O amor, ali, é um acelerador de partículas emocionais.

O "eu amo-te" ou “poderei amar-te” chega com a velocidade de um whatsapp digitado pelo tradutor automático, sem a lenta e deliciosa digestão de uma paixão real. Daquelas que provocam borboletas na barriga.

Deixemos “fluir”.

A conversa já estava na espiritualidade e nessa coisa vazia que é o cosmos colocar pessoas na vida uma da outra.

Estava a gostar, confesso. É o meu lado perverso.

Na vida real, corremos o risco de cair na mesma armadilha: a confusão entre a necessidade de ser amado e o amor propriamente dito.

Queremos o final feliz tão depressa que ignoramos as bandeiras de aviso, as incoerências na narrativa do outro. As contradições. Os detalhes descuidados.

E, claro, chega o ponto de viragem, o pedido financeiro, ou a sugestão, sempre embrulhada em amor, o amor dá para tanta desculpa, que até dói, as desculpas.

Na vida real, os pedidos são mais subtis, nada se relacionam com dinheiro, mas a mecânica da manipulação mantém-se.

"Preenches-me”

 Não é dinheiro, mas é energia, tempo ou auto-estima que nos é drenado.

A emergência fabricada, para uma viagem nunca concretizada.

O Alerta Vermelho é o mesmo: quando o amor começa a parecer uma transação em que só um lado está a pagar.

Quando o teu próprio olhar gosta de ver que és olhado(a), mas finges desconforto, mesmo que um desconhecido te mostre a língua, enquanto se cruzam.

Não é dinheiro como no scam da Leda, mas por vezes é muito dinheiro e a alma vende-se barata.

A minha fuga foi elegante e, espero eu, com a indiferença calculada de um gato a saltar de uma prateleira.

Quando me apercebi do cheiro a queimado, daquela inconsistência na história de fundo, quando juntei todas as peças tive que fugir.

Na vida real, muitas vezes hesitamos.

Ficamos a ponderar se a inconsistência da história é defeito de caráter ou apenas o charme da desorganização.

Se a inabilidade de rncontrar-se pessoalmente (a evasão emocional ou física) é apenas timidez ou uma indisponibilidade crónica para o compromisso. Ou uma mentira, como qualquer esquema.

A Romance Scam Leda ensinou-me, sem querer, uma lição valiosa sobre o timing de parar.

Parar todo o contacto.

Mudar o algoritmo da vida. E, acima de tudo, proteger as finanças emocionais, de carácter e voltar à paz que só a liberdade de decisão permite.

O nosso banco de confiança e afecto não é um poço sem fundo para ser saqueado por emergências fictícias ou delírios alucinados.

A verdadeira desilusão não é que existam vigaristas, vigaristas materiais e vigaristas emocionais, mas que a sua tática dependa de uma esperança tão pura. A esperança de alguém, algures, nos ame rapidamente e sem condições.

Ou com as suas próprias condições.

No fim, tudo se descobre. Se há um fui é porque tudo foi descoberto.

O ronronar da suspeita foi mais alto do que a canção de embalar.

Chamava-se Cindy e era bonita.

Os gatos são assim.

A corrida do gato continua. Mais cautelosa, talvez.