Fui Vítima De Uma Fraude Romântica

Tudo começou na internet, onde começa a maioria das "novas-relações".
Não que eu procurasse alguma relação, ou que procurasse o que fosse.
Mas, fui quase vítima de uma fraude romântica.
Uma mensagem. Outra.
Depois é deixar “fluir”, uma palavra que serve para mil e uma coisas, como todas as palavras.
Enquanto tudo flui existe um segredo: os detalhes, até mesmo os mais disfarçados.
Chamemos-lhe intuição, chamemos-lhe sexto ou sétimo ou oitavo sentido, aguçado—aquele que só se desenvolve após anos a observar os padrões insondáveis de um gato a correr pela casa, sem razão aparente.
Ou quando se é jornalista e sabemos escutar, observar, controlar a comunicação, de ambos os lados.
A história é já um cliché destes tempos, um conto de fadas perverso onde o príncipe encantado não é mais do que um bot com ambições. Até os bot tem ambições.
"Romance Scam Leda".
Que nome pomposo para uma trama tão gasta. Qualquer um cai, não fosse a Inteligência Artificial e muita sensibilidade (e bom senso).
Leda é a mulher número um, no mundo, em determinadas transações financeiras.
Sorte a minha que entre biliões de seres humanos encontrei a sobrinha de Leda.
É a forma como a peça é encenada que nos faz parar para pensar no palco maior: o amor na vida real. É um paralelismo super-real.
O processo é cirúrgico, quase um despertar da paixão.
Primeiro, a criação do cerfil: a fachada perfeita, as fotos roubadas que prometem o que a vida raramente entrega.
Quantas vezes não fazemos o mesmo, com e sem intenção, ao entrarmos num novo relacionamento? Mostramos o nosso melhor ângulo, filtramos a desordem da nossa alma, e por vezes, mentimos por omissão sobre as nossas "fotos de arquivo" mais comprometedoras. Até mentimos sobre pessoas e relações. Scam.
Depois, a construção da relação: a intimidade forjada à pressa. Muito à pressa, em minutos.
O amor, ali, é um acelerador de partículas emocionais.
O "eu amo-te" ou “poderei amar-te” chega com a velocidade de um whatsapp digitado pelo tradutor automático, sem a lenta e deliciosa digestão de uma paixão real. Daquelas que provocam borboletas na barriga.
Deixemos “fluir”.
A conversa já estava na espiritualidade e nessa coisa vazia que é o cosmos colocar pessoas na vida uma da outra.
Estava a gostar, confesso. É o meu lado perverso.
Na vida real, corremos o risco de cair na mesma armadilha: a confusão entre a necessidade de ser amado e o amor propriamente dito.
Queremos o final feliz tão depressa que ignoramos as bandeiras de aviso, as incoerências na narrativa do outro. As contradições. Os detalhes descuidados.
E, claro, chega o ponto de viragem, o pedido financeiro, ou a sugestão, sempre embrulhada em amor, o amor dá para tanta desculpa, que até dói, as desculpas.
Na vida real, os pedidos são mais subtis, nada se relacionam com dinheiro, mas a mecânica da manipulação mantém-se.
"Preenches-me”
Não é dinheiro, mas é energia, tempo ou auto-estima que nos é drenado.
A emergência fabricada, para uma viagem nunca concretizada.
O Alerta Vermelho é o mesmo: quando o amor começa a parecer uma transação em que só um lado está a pagar.
Quando o teu próprio olhar gosta de ver que és olhado(a), mas finges desconforto, mesmo que um desconhecido te mostre a língua, enquanto se cruzam.
Não é dinheiro como no scam da Leda, mas por vezes é muito dinheiro e a alma vende-se barata.
A minha fuga foi elegante e, espero eu, com a indiferença calculada de um gato a saltar de uma prateleira.
Quando me apercebi do cheiro a queimado, daquela inconsistência na história de fundo, quando juntei todas as peças tive que fugir.
Na vida real, muitas vezes hesitamos.
Ficamos a ponderar se a inconsistência da história é defeito de caráter ou apenas o charme da desorganização.
Se a inabilidade de rncontrar-se pessoalmente (a evasão emocional ou física) é apenas timidez ou uma indisponibilidade crónica para o compromisso. Ou uma mentira, como qualquer esquema.
A Romance Scam Leda ensinou-me, sem querer, uma lição valiosa sobre o timing de parar.
Parar todo o contacto.
Mudar o algoritmo da vida. E, acima de tudo, proteger as finanças emocionais, de carácter e voltar à paz que só a liberdade de decisão permite.
O nosso banco de confiança e afecto não é um poço sem fundo para ser saqueado por emergências fictícias ou delírios alucinados.
A verdadeira desilusão não é que existam vigaristas, vigaristas materiais e vigaristas emocionais, mas que a sua tática dependa de uma esperança tão pura. A esperança de alguém, algures, nos ame rapidamente e sem condições.
Ou com as suas próprias condições.
No fim, tudo se descobre. Se há um fui é porque tudo foi descoberto.
O ronronar da suspeita foi mais alto do que a canção de embalar.
Chamava-se Cindy e era bonita.
Os gatos são assim.
A corrida do gato continua. Mais cautelosa, talvez.