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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

14.10.15

FIA-TE NA VIRGEM E NÃO CORRAS, ZÉ GAB


The Cat Runner

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Acho que estou a brincar com o fogo.

Domingo vou à minha sétima meia maratona.

A primeira para a qual não me preparei minimamente.

Aqui o fogo com que estou a brincar traduz-se em 21 quilómetros e mais cento e poucos metros.

Falar sobre uma meia maratona é fácil até para quem não corre.

Quando começamos a falar sobre os quilómetros que se correm numa meia, então, até aqueles que não correm ficam cansados só com a conversa.

Não é fácil. Nada fácil, por muitas fotos bonitas que as redes sociais nos mostrem.

São mais de 20 quilómetros a correr. Eu fico-me pelas duas horas, às vezes duas horas e pouco.

Comecei com quase três horas, há três anos. Se sou um vencedor?

Depende, eu acho que sou. A minha competição é comigo, todos os dias e também nos dias das meias maratonas.

Desde que comecei a treinar Muay Thai – e me viciei – que me divido entre a luta e a corrida.

A corrida não ficou para trás, apenas se sente partilhada, e tem que aguentar, paciência.

A semana tem sete dias, eu treino seis.

Todos os dias corro distâncias curtas. Ao fim de semana (Sábado) faço uma longa, entre os 17 e os 21 quilómetros. Em seis dias faço quatro treinos de Muay Thai e dois de corrida.

Estou preocupado. Nunca fui a uma meia maratona assim.

“ Em dois meses corri apenas três vezes longas distâncias”, disse há dias ao meu mestre.

Um mestre ensina, mesmo quando acha que não. A resposta que tive foi esclarecedora, embora não me tenha convencido.

“ Se não estás preparado, porque vais?”.

É por aqui que passa. Se não estás preparado para algo, porque vais? As probabilidades de falhar são maiores, de longe.

- “Porque gosto de participar, se não fizer duas horas faço duas e vinte…”

- “Se é para participar apenas então vai, mas diverte-te”.

A questão não passa pela falta de tempo, que na verdade não tenho, mas arranjo sempre. A questão passa pelo Muay Thai que ocupou um lugar na minha vida, onde já existia a corrida, e aprender a conviver com ambos é difícil.

Os meus amigos que se preparam – há muito tempo – para as maratonas que aí vêm, apenas se dedicam à corrida. Tal como uma meia maratona não é uma prova de dez “míseros” quilómetros, também uma meia maratona não é uma maratona, fica-se a meio.

A maratona é assunto sério e não é para aqui chamado. Tenho imenso respeito por quem corre maratonas.

Os meus amigos que vão à meiae também à maratona, dizem-me para não me preocupar, que o Muay Thai está a dar-me o core que falta.

Em teoria, como não parei de correr, como já corri seis meias maratonas, como o treino de Muay Thai é qualquer coisa de completamente esgontante, onde trabalhas todo o corpo e a mente, um treino que equivale a uma corrida de dez quilómetros, a um ritmo elevado, em teoria, dizia, eu estou preparado para a meia maratona de domingo.

Há um trunfo que levo comigo.

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Sinto-me bem física e mentalmente. Seguro, confiante, com auto-estima para dar e vender.

Mas, o trunfo não é esse. É o mesmo de sempre: a superação, porque é tão só disso que se trata o meu desafio, superar-me todos os dias.

Fazer aquilo que nunca imaginei fazer, mais e mais e mais.

Há quatro meses fazia 10 flexões, hoje faço 50, há quatro meses fazia 50 abdominais num treino, hoje faço 500.

Num treino de Muay Thai corro entre cinco a sete quilómetros para pré-aquecer, faço aquecimento conjunto, durante meia hora, sem paragens, e de seguida treinamos mais uma hora, sem parar, golpes, combinados, condição física. Dura, pela rama, umas duas horas.

Para lá chegar tive que usar essa tal palavra mágica um sem número de vezes.

Como quando fazia 10 flexões e o meu mestre me mandava fazer mais cinco e eu fazia.

Julgava não aguentar nem mais uma. Bullshit!

Su-pe-ra-ção incondicional e literal.

Como quando saía do ringue para beber água e o grande Marcelino me mandava fazer mais dois rounds, de castigo, ou mais 200 abdominais, e eu fazia, re faço, e assim fui-me superando, todos os dias, até chegar à condição física que tenho e que acho que já é a indicada para a minha avançada idade.

Não corro para novo.

E é por isto que vou correr a primeira meia maratona, sem qualquer preparação específica.

Por prazer. Puro prazer.

Quando as pernas pesarem toneladas, quando o ar dificilmente me entrar nos pulmões, quando o suor me queimar os olhos, quando pensar parar, abrandar, desistir, vou lembrar-me de ti, Zé Fortes.

É nesse momento que deixarei de ser apenas eu. Serei eu e eu, os dois, eu e eu, mais fortes que nunca.

E isso é superação.

E chegarei ao fim.

E colocarei a foto a receber a medalha.

E escreverei o texto da corrida.

E serei um homem ainda mais feliz. (Eu sou um gajo feliz).

Sou um sortudo.

Aos quase 46 anos de idade trouxe para a minha vida um amigo, que é muito mais que um amigo.

Alguém que me ensina, mesmo sem saber. Coisas da vida, até.

Alguém que, quando os braços não aguentam mais flexões, me diz, agachado, aos meus ouvidos:

-“Esses nomes que tens nos braços são dos teus filhos, faz por eles. 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47,48, 49, 50”.

E, no fim, olha para mim, olhos nos olhos, e basta sorrir.

Para ser sincero já estou ansioso.

Fico sempre assim nos dias que antecedem uma prova de esforço e concentração tão exigente como é uma meia maratona. Toda a gente fica.

Desde o momento em que acordo, a viagem, o autocarro para a outra margem, os instantes antes, ponte, o rio, a cidade a meus pés, a partida, a corrida, as pessoas nas bermas, a incentivar, como se fosse um ídolo, sinto-me um ídolo nesses momentos, no meio de uma enorme multidão, e como os incentivos nos...incentivam, as pessoas não imaginam, e porra, a chegada, a chegada, chegar ao fim, não, ninguém imagina o que se sente. Eu sei. É por isso que vou, mesmo sem me ter preparado. 

Gosto de ganhar a mim mesmo. Contra mim mesmo.

Sei que chegarei ao fim.

O Muay Thai vai levar-me ao colo até passar a linha de chegada, a correr.

Mesmo sem capa sinto-me o Super-Homem.

Só não vôo.