Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

17.10.14

EU, PECADOR, ME CONFESSO


The Cat Runner

21-confessionario.jpg


 


Duas Francesinhas no espaço de cinco dias. Uma no domingo, uma hoje. Em cinco dias comi duas Francesinhas. Sinto-me ( em termos de Francesinhas) omnipotente.


Depois penso: " muito bem, agora são dez quilómetros de corrida por Francesinha. Os primeiros dez estão feitos. Amanhã lá tenho que me fazer ao alcatrão.


Quem me acompanha aqui neste lugar escondido da multidão já sabe que a minha religião é a corrida. Livre.


Cada religião tem os seus próprios pecados. Cada pecado a sua penitência.


A libertação da alma e do corpo.


Há aqui muito de devoção.


Ontem à noite, quando olhei para a agenda e reparei que hoje ia ser difícil correr, confesso que fiquei um tudo nada bravo. Moderadamente bravo.


Vou ter uma corrida dia vinte e seis, mas não estou preocupado. Vão ser dez quilómetros de prazer. Moderadamente bravo porque me apetecia mesmo correr. Ontem corri à noite, oito quilómetros. Hoje apetecia-me rolar um bocado, soltar-me.


Mas, já ontem à noite eu estava a ver a agenda mal - parada.


Reunião de manhã na Etic, o resto do dia na televisão, à noite reunião por causa do Out Of The Office e-Book ( que estará à venda no início de Novembro). Correr só quando chegasse a casa, como ontem.


Só que a um amigo não se diz que não e, o Carlos Gonçalves, meu parceiro de projecto, sugeriu jantarmos uma Francesinha.


Não tive coragem de lhe dizer que me apetecia ir correr, a bem dizer até estava com fome.


Não me preocupa o facto de amanhã, em vez de fazer cinco ou seis quilómetros, fazer dez. Não é isso que me preocupa. O que me preocupa é que já passa da meia noite, estou a acabar esta crónica e não me apetece ir dormir. Apetece-me ir correr.


Penitenciar-me com o prazer, redimir-me dos meus pecados (com as Francesinhas).


Claro que não vou. Claro que ainda não foi hoje que acordei às sete da manhã para ir correr - o despertador bem tentou -, mas apetece-me. Apetece-me aquilo que me dá prazer. A vida dá-me prazer. A corrida também.


Por mim, eram queimadas na fogueira, as Francesinhas, almas do demónio, tentações da carne. Queimadas na fogueira das bruxas, no centro da praça. Malditas.


Mas, com queijo derretido, por favor. E, um pouco de picante.


Uma imperial, sempre, ou uma Túlipa, vá!


As Francesinhas.


Eu, pecador, me confesso.


 


PS:


"Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.


 


Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,


e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.


 


Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo andanças
do mesmo todo.


 


Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.


 


Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.


 


Me confesso de ser homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.


 


Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!"


 


 


Miguel Torga, O Outro Livro de Job (1936).