ENTRE UM ROBALO E UM CIGARRO
Gosto de jantar a dois tempos.
Gosto de fazer tudo a vários tempos, dá mais prazer, que sofrimento é caminhar sobe lava a sair de um vulcão qualquer.
Há quem não goste, mas eu gosto de fumar um cigarro a meio de um jantar, se ele estiver a ser agradável. O jantar, o cigarro.
Não vejo nisso uma falta de respeito, nem um não saber-estar, nem uma ignomínia, muito menos um pecado, pecado talvez, por causa do prazer, ter prazer é pecar.
Coisa que não gosto é de ouvir arrotos e dizem que os orientais levam isso como desaforo, no fim de uma refeição, se ninguém fizer aquele barulho meio grotesco, acompanhado por um leve acenar de cabeça, frente, trás, um ténue engolir nada, com a mão entre o queixo e a maçã de Adão e de Eva e um sorriso tão fake que nem os orientais se apercebem.
O prazer que provoca justifica todo o risco que se corra.
Tenho sempre um conflito, permanente – se é sempre é permanente mas quis reforçar – não gosto de algumas coisas.
Não gosto, vou lá fazer o quê?
Não gosto de ter gordura à volta da cintura e de tempos-a-tempos, páro de fumar, de comer coisas inapropriadas (se fossemos falar sobre isso...) e decido ser saudável.
Tudo no seu tempo. As lontras hibernam (as lontras não sei, os ursos hibernam ), ponhamos as coisas assim, desta forma.
Considero-me uma lontra e hiberno.
Nos diferentes tempos.
Há quem não goste de tanta coisa e goste de tão pouca coisa, não sendo um pecado é um descaso.
Gosto de cozinhar.
Não sei, mas gosto, há pessoas assim, que gostam mas não sabem, que sabem, mas não gostam, mas a cozinha ajuda.
Grelhei dois robalos, fiz uma salada, que dividi pelos quatro cantos do prato, comi à vez, os robalos. Primeiro um e dois cantos do prato.
Depois o outro e a salada que fiz com kiwi, tangerina, cebola-roxa, cenoura, alface, molho inglês, ervas aromáticas.
Entre um e outro robalo fui à varanda olhar o rio e fumar um cigarro.
Hoje, antes de jantar, decidi que vou começar a fazer cross-fit e vou entrar na linha, que o verão está aí e a pessoa tem que se apresentar bem, o que sería?
Estou só a dar as últimas, estou a falar do cigarro...
E, se não fossem estes meus gostos tão chocantes, como amar fumar um cigarro durante uma refeição agradável, não tinha escrito esta crónica, entre um robalo e outro.
Estavam deliciosos, os robalos. A salada estava como a minha vida. Misturada, áspera, gulosa e saborosa.
O jantar estava agradável. Está tudo justificado.
Mesmo que fosse eu a minha própria companhia, ao jantar.
Mas isso foi ontem.