DESDE A ÚLTIMA VEZ
Estou paralisado desde o ano passado. Atravesso uma crise, por aí. Costuma acontecer-me. De tempos a tempos.
Desta vez foi tempo demasiado. Acontece. Acontece-me. Aconteceu-me.
Não sou um profissional desta escrita, por isso, por isso não trago comigo as ferramentas que os escritores utilizam, com magia.
Escrevo o que me dá na alma e tenho brancas.
Tantas!
Tenho brancas quando estou a pensar comigo, quando estou a trabalhar, quando converso com alguém, quando vou buscar um copo de Coca-Cola e volto com nada na mão.
Quem nunca se sentou no sofá e exclamou: fogo, fui à cozinha e esqueci-me da Coca-Cola!
Quem nunca o fez que atire a primeira pedra ou fique sentadinho no sofá que a Coca-Cola há-de lá chegar.
A propósito das brancas:
Sou um simples Técnico Instalador de Palavras. Uma espécie de redondel onde um cavalo de palavras é desbastado, sem tempo para aprender as regras. As palavras não têm regras. Eu apenas as instalo, confortavelmente, à medida que toca uma música ou me apetece vomitar letras pelos dedos. Técnico Instalador de Palavras!
É preciso uma lata...
O tipo saca do cartão de visita, que já ninguém usa, apresenta-se como técnico, que faz assim e que faz assado e depois vem para aqui falar de brancas!
Ou se é profissional ou não. Em que é que ficamos?
Essa é a equação. O dilema. E a dialética.
No entanto, há truques para tudo.
Até para as brancas que impedem um técnico que se preze de instalar palavras regular e correctamente. Aqui já manifesto algumas dúvidas, mas enfim.
Não, aqui elas bem são desbastadas, ou tenta-se mas, são selvagens e não se adaptam. Correm desconcertadamente. Deixá-las.
Desde Dezembro do ano passado - parece que foi há muito tempo - que tenho estado paralisado, na verdade...
Na verdade, mal passou um mês, num mês em que tenho estado confrontado com uma branca do tamanho de qualquer coisa gigantesca.
O diabo e o anjo. Um em cada ombro. Está a ver? Isso!
Escreve. É o Passos, a Grécia, o Futebol, A Assembleia, a Austeridade. Isto está tudo mal. Escreve, caraças. Às vezes saem-te prosas engraçadas. Escreve.
Claro, é esse mesmo, quem me fura os tímpanos, entrecortado com uns risos histéricos e prolongados. Às vezes detesto. Outras dá-me pica.
Não escrevas. Depois podes ter problemas. Abstrai-te disso tudo. Vai correr. Isso são coisas tóxicas, do diabo. Ele quer arrastar-te para a Babilónia, rapaz. Não escrevas. Escuta uma música e vai correr.
Claro, é esse mesmo, quem me sussurra estas coisas, entrecortado com uns risos melosos. Às vezes acalma-me, às vezes apetece-me mandá-lo para um sítio onde não veja o sol nascer.
É nisto que ando desde Dezembro.
Com uma enorme vontade de escrever, todos os dias, sem nunca o fazer. Evito ter o portátil por perto. Refugio-me nas séries da moda, ando a tentar moderar a presença nas redes sociais, ouço música, jogo Simcity, corro. Faço outras coisas. Também trabalho.
Confesso, obviamente, que ao longo de todo este tempo tive motivos de sobra para escrever.
Confesso, o que eu não tenho tido é vontade. Imaginação.
Olhem só a maçada se escrevesse todos os dias - para quem lê - ia ser tão repetitivo como tudo o que lemos todos os dias. Não fazia sentido. Não faz. Escrever é tinta que sai da medula, como diz Gabriel "o Pensador".
Só escrevo quando me apetece ou, às vezes, quando me pagam.
Hoje apetece-me escrever.
Volto a não ter um tema para escrever. Não me salta. Não há click. Apenas vontade de estar aqui a escrever, enquanto escuto BB King no Youtube.
O mais curioso de tudo é que enquanto já gastei 541 palavras e já ocupei duas páginas, sem dizer nada, na verdade, nada que interesse a quem quer que seja, tenho viajado por todos aqueles dias em que não escrevi.
Parece um exercício estranhamente estúpido, mas que está a resultar como terapia libertadora (com uma enorme gargalhada à mistura).
Já pensei sobre a minha vida, as minhas corridas, a minha família, a minha vontade de mudar coisas, a minha vontade de mudar o que quer que seja, já pensei sobre a vitória do Syriza, sobre o resto da Europa que detesto. Já pensei que nunca mais é Outubro para poder ver uma mudança que quero ver. Já pensei no final de ano, que me colocou à prova. Já pensei no início de ano, que me colocou à prova. Já pensei que no Ribatejo as árvores vergam mas não partem.
Já andei a viajar, enquanto escrevo estas linhas. Já fiz isso tudo nestes longos minutos. Pois parece coisa pouca, mas já lá vai uma hora desde que cheguei da fábrica das notícias. É sempre isto; adrenalina viciante que te tira o sono e te faz ficar aqui à espera de nada.
Não escrevi nada que interesse rigorosamente a ninguém. Nem a mim.
Fi-lo sem um fim específico.
Um texto "Gato-Fedorento"!
Nunca gostei do último nome. Um texto sem sentido. Nunca gostei do último nome.
Nem deste texto.
Nem sei porque o escrevi.
Mais alíviado.
Ainda assim, não deixa de ser algo absolutamente estúpido.|
Tenho uma branca. Todos os dias. Uns dias maiores que os outros.
Continuo paralisado. Com tudo à minha volta.
Um texto com sentido. Porque tudo está à minha volta.