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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

08.07.16

CARTA AOS PRIMOS DA FRANÇA


The Cat Runner

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Os primos que vivem em França, desde quase sempre são meus primos por afinidade.

São muitos, uma família grande, espalhada por França.

Gerações das primeiras vagas.

Mas, são família.

Unem-se uma vez por ano, pelo menos.

Quando nos visitam, em Agosto, todos os anos, conversamos imenso, ao cheiro do churrasco e ao fresco das palmeiras, em redor da piscina, sobre a situação cá e lá.

À volta da mesa há um enorme orgulho, por também serem franceses - adoro quando começam a falar francês e português ao mesmo tempo -, por tudo o que França lhes tem dado, os filhos que lá nasceram, os netos, os sobrinhos, os primos, os irmãos, os que até já serviram debaixo da bandeira tricolor.

Eles são franceses e sentem orgulho da sua história e dos seus, serão sempre portugueses, no seu coração.

A saudade que mostram estando cá, junto às raízes, imagino quando partem...

O brilho no olhar, quando falam da praia, da vizinha da avó e das laranjeiras, do peixe que pescaram no Tejo, depois de uma viagem na caravana ultra-moderna, carregada de miúdos, canas de pesca, carretos, iscos e emoções.

Aquilo tem tudo, até uma mota transporta e a cama. Deus me livre! Até tem chuveiro e wc.

Eles estão lá, são de cá, de nós todos, e não se dividem, orgulhosos também de si próprios.

Isso só se consegue sentir quando se está ao redor de uma mesa, a observá-los, sem que disso deem conta.

São os meus primos avecs.

Abecs, porque um deles até é de Fafe.

Não os trato assim desta forma, que até é carinhosa, mas trato-os carinhosamente.

Eles são a personificação do emigrante, e provam evolução (dessa) da espécie.

Não, não pense que pode começar já a atirar-me pedras; eu fui emigrante, na África do Sul, trabalhei nas minas de platina, nas refinarias, por isso calma nas análises repentinas.

É com carinho.

Eu sabia que tinha entendido, mas tenho que fazer o meu papel neste texto.

A Isabel orgulha-se das suas braceletes em ouro e da sua patroa, uma madrinha.

O Zé Manel pesca peixes gigantes aos fins de semana.

Pega na caravana, vai para um lago rodeado de um bosque e passa o fim de semana a pescar.

É freelancer, eletricista por conta própria.

Os filhos, um serviu no exército francês e é casado com uma francesa, o outro também, o terceiro, que é o mais novo, nasceu com um grave problema motor.

Hoje é autónomo e ganha a sua própria vida. Em todos os aspectos.

A tia Celeste é a patriarca. Viúva. Adora a sua terra, mas é lá que estão eles todos.

A Elsa fala sempre com imenso carinho sobre os idosos que cuida, num lar.

Acho que tem um part-time e uma casa fantástica.

O Michele é francês e casou com a Elsa há muitos anos.

Ele é chefe-engenheiro numa empresa francesa e é um tipo extremamente agradável, que percebe português, mas só consegue falar em francês.

O Louic é, juro, um Cristiano Ronaldo em potência, joga assim à maluca e é assim humilde.

Apenas é um pouco menos conversador e dado a luzes.

Estes primos não vivem perto de Paris.

A Elsa é irmã da Isabel e filha da tia Celeste. Para que conste.

A Elsa, o Michele e o Louic vivem no País Basco francês, longe de Paris, onde também vive o primo Germano.

O primo Germano é um cavalheiro.

Motorista particular, de uma família da elite de Paris, há muitos anos. Fez alguma fortuna, contactos e conquistou uma posição de respeito, embora continue motorista da mesma família.

A filha é portuguesa nascida em Paris. Casada com um francês. Um filho, nascido em França.

Portanto, uma família grande. Alguns não são mencionados porque são tantos que não recordo os nomes, apenas as caras.

Ora este melting pot de laços familiares serviu, não para baralhar, embora pareça, mas para chegar a um determinado ponto:

Portugal e França jogam a final do Euro 2016, domingo que vem.

Tal e qual.

Como é que aqueles portugueses vão viver aquele que será para sempre o jogo da vida deles?

O que sentem neste momento?

Provavelmente querem que ganhe Portugal, no último minuto, num golo inesperado, quando já toda a gente esperava o prolongamento, porque assim custa menos.

Acaba de repente e nem dá para pensar.

Talvez seja algo parecido com isto que eles estão a sentir.

É por esta razão que o que lá vai lá vai.

Aqueles dois cronistas franceses são nada perto disto tudo.

Os franceses, os franceses são aqueles que receberam a tia Celeste, há muitos anos, e que ajudaram ao crescimento de não uma, mas várias gerações. Esses, que são todos menos dois, merecem o meu respeito.

Neste momento?

Até esses dois já merecem o meu respeito.

É que desde que as seleções com adeptos fugidos de hospitais psiquiátricos foram embora começou a jogar-se à bola no europeu.

A violência deu lugar ao futebol, porque é de futebol que se trata, como é sempre, embora seja difícil as massas perceberem isso.

Por isso os outros dois quiseram e tentaram desestabilizar.

Foi ao poste!

Quando a França e Portugal entrarem em campo, eles vão estar com a mão no lado esquerdo do peito, junto ao coração, e ganhe quem ganhar, estou certo, os golos serão gritados em francês e português.

As lágrimas serão as de todos nós.

Tenho a certeza que os primos de França vão gostar desta carta.

Saudades,

Até domingo.

Deste que se subscreve,

José, o Gato.

 

( Revisão do Texto: Sara Vingadas)