A REFORMA DO ESTADO
Pensões de cinco estrelas e pensões com águas correntes.
Ou reformas para uns e reformas para outros.
Dei-me ao trabalho de procurar alguns nomes de pessoas que se reformaram, alguma delas continuam a trabalhar, legitimamente.
Pessoas que têm reformas ou subvenções vitalícias - nome pomposo para designar discriminação - de milhares de euros, a maioria, outros com reformas acima da média do comum dos portugueses.
Não é o valor que está em causa, embora isso levasse a outro post.
Não questiono as reformas de Durão Barroso, Celeste Cardona, Jerónimo de Sousa, Cavaco Silva, Eduardo Catroga, Alberto João Jardim, Ângelo Correia, Almeida Santos, Carlos Carvalhas, Almerindo Marques ou um qualquer "jovem" deputado da nação, ou de um qualquer outro agente político.
Não questiono porque se ganham mais zeros que o comum cidadão devem ter feito por isso. Literalmente.
Todos estes nomes e todos aqueles que não mencionei, mas que facilmente se encontram na internet, iniciaram a segunda parte das suas vidas.
Como qualquer pessoa quando se reforma.
Entraram na reforma.
O meu pai também.
Hoje faz 66 anos.
Reforma-se hoje, inicia hoje uma nova vida, porque o governo em funções (?) aumentou a idade da reforma dos portugueses, sem que isso tivesse trazido qualquer resultado significativo.
Nem o crime de cortar pensões e reformas ajudou.
Sim é um crime tirar aquilo que não é nosso.
Para o meu pai até calhou bem, trabalhou ano e meio na Holanda e aumentou o valor da reforma, ainda têm um bónus. Da Holanda há-de chegar um cheque com o valor dos descontos que ele lá fez durante esse ano e meio.
A Europa comum, ou não.
Todos estes senhores e senhoras que menciono, na maioria políticos, estavam a sorrir, garantidamente, quando chegou o dia da reforma.
Todos eles sabiam quanto é que iam ganhar até ao último dos seus dias, se iam ou não ter carro e motorista - na reforma -, todos eles sabiam com o que iam contar no futuro.
Gente bem tratada pelo Estado.
O mesmo Estado que trata todos os outros com desprezo, arrogância, frieza e nojo.
Sim, o Estado tem nojo das pessoas comuns. Das pessoas comuns, sublinho.
O meu pai reforma-se hoje, dia em que faz 66 anos de idade.
Ele trabalha desde os nove anos. Antigamente era assim.
Ele desconta para este Estado, que o despreza, há mais de 45 anos.
Ele começa hoje uma nova vida, como os nomes que referi e os que não referi para não criar uma lista (VIP).
Fosse ele político e também hoje o seu sorriso era ainda muito maior.
O meu pai está a sorrir.
Está com os dele.
Está preparado para esta etapa.
Não vai parar. Segunda feira recomeça a trabalhar.
O tipo é bom no que faz, faz com gosto, e já vai nos 66 anos.
Mas, o meu pai reforma-se hoje - com muito menos zeros no cheque, sem carro e sem motorista, porque nunca exerceu um cargo de "relevo", apenas trabalhou toda a vida - sem saber quanto é que é a sua reforma.
Uma vida inteira de trabalho e descontos, que mesmo assim não chegou para lhe fazerem umas simples contas.
Senhor AHQ, o senhor vai passar a receber xis por mês, dentro de um mês, a partir do dia 30 de maio.
Não sabe se vai receber 50, 500, 800, mil ou cinco euros por mês.
Não faz a mínima ideia porque ninguém o sabe informar.
Cá para mim, não sabem é fazer contas de dividir.
E, se quiser saber como será, financeiramente, o seu futuro, é melhor continuar parado, à espera.
Pelo menos, no dia em que vier o primeiro cheque - em teoria era de hoje a um mês, mas isso não é certo porque o Estado tem nojo dos seus e trata-os de forma diferente, pode ser dentro de um mês ou então não - ele ficará a saber quanto é a sua reforma.
O Estado tem nojo das pessoas.
Eu não tenho nojo do Estado, por isso.
Tenho nojo do Estado porque, no mínimo, o Estado devia ter ido à escola aprender a fazer contas.
Bem sei que a matemática é chato. Tão chato quanto não veres os teus direitos minimamente protegidos.
Sorte a minha que corri 11 quilómetros de manhã, caso contrário o corpo de letra deste texto tinha sido a bold.
Cargo de relevo, sem aspas, desempenhou o meu pai toda a vida, por muitos zeros a menos que tenha no cheque, se é que vai ter lá algum zero.
Se for um zero à esquerda, como o Estado, mais vale a pena rasgar o cheque.
É como eles fazem , rasgam tudo.
Parabéns, pai.