A MINHA (NÃO) PREPARAÇÃO PARA A MEIA MARATONA
(Passeio Ribeirinho VFX - Ontem)
Continua a minha (não) preparação para a meia maratona de domingo.
Hoje foi dia de dormir.
O chamado treino passivo. Dormi até ao meio dia.
Depois fui ganhar core, tinha que dar uma entrevista, na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (passa terça, na RTP2).
O treino ia a meio e o meu dia também – estou em outra latitude e fuso horário -.
Voltei a casa, dormi a sesta e vim apresentar notícias, mas só quando o dia mudar.
Gosto do dia a mudar, gosto de mudar o dia, de entrar num dia e sair no outro, separados por uma hora e meia, o mesmo tempo que dura um treino de Muay Thai, menso meia hora e picos que demoro a correr a meia maratona.
Estou em contagem decrescente.
Esta sexta feira vou levantar o dorsal.
Domingo é dia da raça, de a mostrar, a minha raça, a que tenho aprendido a ter e fazer uso, mostrá-la só a mim.
Parece que não, mas eu faço isto por mim, para mim. Tudo o resto faz parte do “show”, assumidamente.
Vou levantar o dorsal, depois de mais um treino de Muay Thai, pela manhã.
É o tal cheiro fresco do Napalm.
Até domingo não corro mais.
Corri ontem.
Fui fazer um teste. Oito quilómetros para amostra.
Como eu gosto.
Noite dentro, noite fresca. Respirar, aguentar. Respirar, aguentar, até ao ponto que se deixa de pensar em respirar e aguentar e sentes a vertigem do vôo.
Sózinho, como sempre.
Como não me preparei para esta meia maratona tento agora inventar objectivos, motivação e confiança.
Os treinos de Muay Thai são para lá de esgotantes, o que me deixa aparentemente tranquilo quanto à corrida. Espero não cair dentro da falácia, e se cair que ganhe forças para dela sair.
Tenho a certeza que assim será. Estamos na luta. Vivemos a batalha. Temos que a ganhar, dia-após-dia.
Há várias formas para se aguentar uma hora e meia de treino de Muay Tahi, sem parar, uma hora e meia em que sentes a tua energia a esgotar-se, a cada minuto que passa, e certo é que cheguei sempre vivo ao fim de todos os treinos.
Há várias formas, cada um tem as suas e eu já tenho as minhas.
Uma das formas que encontrei, primeiro para me aguentar, depois para manter, são os suplementos.
Tomo L-Carnitina antes, gomas de energia a meio, e acompanho sempre com água, e/ou bebida isotónica. Normalmente um litro e meio.
A isto junto a respiração. A técnica de respiração.
Nos treinos de Muai Thay ensinaram-me a respirar apenas pelo nariz, expirar quando desferes o golpe ou te acertam com o golpe. Expirar na dor, inspirar o resto do tempo.
Por isso os meus amigos ficaram admirados quando viram um vídeo onde alguém me dá "pázadas" na barriga enquanto faço abdominais.
Até há uns tempos era imposível, hoje faz parte.
Foi o teste que quis fazer.
Corrida, utilizando a técnica de respiração, a mesma dos treinos.
O teste só ficou completo quando consegui matar os meus próprios fantasmas. E se os matei-os.
Primeiro um, depois o outro.
Era a segunda parte do teste.
Se a respiração me ajudasse, como sería as dores musculares, iam parar, abrandar, ia caminhar?
Essas vontades assombraram-me de quilómetro a quilómetro, só que eu dividi-me em dois.
Parti-me ao meio, durante 8 quilómetros.
A parte que respirava bem, a parte que tinha que suportar as dores, porque domingo não são 8 quilómetros, são esses e mais 13, e ainda cento e poucos metros, duas partes num corpo só.
Tive que as meter, a cada uma delas, dentro de uma pasta mental própria e trabalhá-las em conjunto, paralelamente.
É aqui que quero chegar.
Dizem os tempos e os sábios que é a cabeça que manda em nós.
É a força mental que nos transporta para patamares que nem nós imaginamos.
A minha (não) preparação para a meia maratona de domingo é, em primeiro e exclusivo lugar, mental.
O resto vai por conta da casa.
Já lá vão quatro meses a absorver a energia da pancada, o abdominal que se faz sem se conseguir mais, as flexões que fazem com que os braços párem de tremer, ao contrário do que sería de esperar, a suor que encharca tudo à volta, o barulho dos golpes deles, o impacto do pao e do plastron nos braços e nas mãos, o cheiro do do ginásio, a ideia de seres melhor hoje, mais do que foste ontem.
Não é de competição que se trata, é de domínio que se trata.
Dominar o adversário, até mesmo quando o teu adversário és tu, sobretudo quando ele és tu.
A base da corrida tenho-a, resultado de quatro anos de treino.
O resto tenho hoje mais do que tinha há quatro meses.
Tenho abdominais a definirem-se, músculos a aparecerem, mas também tenho dedos inchados, canelas negras, pés magoados, e uma vontade incontrolável de entrar amanhã de manhã no ginásio e recomeçar tudo de novo.
É da força mental que se trata, o trunfo que te faz ter o domínio de ti, em ti.
É isso que tenho treinado, quando corro ou faço Muay Thai, e é essa a experiência que quero viver no domingo, porque não há uma corrida igual à outra.
(Escola de Muay Thai Zé Fortes - Ginásio de Arroios 14/10/2015)
Quero perceber se aquilo que eu faço me vai levar onde quero. E, tenho a certeza antecipada que vai, apenas quero perceber como me vai lá levar.
O João Campos lançou-me um desafio:
Ele vai partir de Cascais, vai correr a maratona, vai dar-me duas horas de avanço, na meia maratona.
O mesmo é dizer, lançou-me o desafio de melhorar o meu tempo em dez minutos. Duas horas. Ponto.
Aceitei.
E, por incrível que pareça, sinto-me pronto. Mentalmente pronto. No ponto, como diz o meu mestre. No ponto. Ponto (outra vez).
As minhas pernas vão doer, o oxigénio vai custar a entrar-me nos pulmões, aqui e acolá, o suor vai voltar a queimar-me os olhos – desde que os mamilos não fiquem em sangue está-se bem -, vou ter sede como se estivesse no deserto, perdido, mas vou, quilómetro a quilómetro, pensar em todos aqueles que me têm dado o privilégio de viver uma das maiores experiências da minha vida, iniciada há quatro meses.
Vou pensar nos meus treinos, nos treinos dos soldados do nosso exército do bem. Vou pensar no meu mestre e nos seus ensinamentos.
Pela primeira vez, por opção minha, vou correr e defender uma camisola, a do meu mestre.
Já a tenho preparada. Orgulhosamente preparada.
É com ela que vou correr a minha sétima meia maratona, e como eu sei que ele não gosta que os seus o deixem mal.
Ontem, depois dos meus oito experimentais quilómetros, passei no ginásio, na nossa casinham, que fica no fim da corrida, no meu jardim encantado, ao lado do meu rio e da linha do combóio.
Tinha um recado para o mestre.
Pensava que o dia tinha terminado, mas não.
Dentro da nossa sala de estar havia convidados.
Um grupo de amigos, que descobri depois, trabalha a condição física com o mestre, fora de horas.
Eles foram surpreendidos com a minha visita e eu com a presença deles.
O mestre, ele mesmo, estava a dar-lhes treino.
Bastou a troca de olhares, estava implícito.
"Anda lá mostrar como - já - fazes", pensou. E fui.
Fiz prancha, abdominais, agachamentos, flexões, treinei joelhos no saco, estive ali uns vinte minutos, depois dos meus oito quilómetros, treinei com eles, aproveitei para mostrar a minha pequena evolução.
Eles estavam exaustos. Eu estava cansado, controlado, para não atingir o ponto de exaustão, e isso aprende-se.
Senti que ele me queria mostrar como “exemplo” de que é possível chegar onde queremos chegar.
Saí de lá com coração cheio, com a auto-estima a bater no vermelho.
Fiz tudo o que eles fizeram, eles ainda lá ficaram.
(Passeio Ribeirinho de VFXira)
Eu fui correr mais um quilómetro, que não dava para mais, primeiro porque tinha que ir buscar o meu filho ao Cevadeiro, depois, confesso, porque me deixa desconfortável o movimento nocturno de carros para engates masculinos debaixo da ponte.
Incomoda-me na exacta medida em que abrandam os carros junto a mim e me olham de formas que dispenso. Faz-me alguma confusão.
Por isso fiz 500 metros para lá e 500 para cá.
Hoje, ainda meti a mochila no carro, para qualquer eventualidade.
Ainda lá está.
Acado de dar notícias quando for uma e meia da manhã.
Nunca se sabe, afinal é só calçar os Gel Nimbus 16, meter os calções, a tshirt e arrancar. Fica tudo em caminho.
Seja como for, amanhã cedo há treino de Muai Thay, até já tenho o despertador ligado e tudo.
O último antes de domingo.
No sábado vou comprar quatro sacos de gelo e vou meter-me na banheira, com a água até ao pescoço.
No domingo vou correr uma das provas mais fantásticas de todas, é a terceira vez, sei do que falo.
E, na segunda feira começa tudo de novo.
Porque é assim que eu quero que seja.
Porque foi isso que escolhi para mim.
Porque é assim que sou feliz. Mesmo feliz, pessoas, não é retórica.
Nunca fui tão feliz como agora.
Mas já fui algumas vezes infeliz.
Um e o outro lado da moeda, porque cada homem tem o seu próprio preço e a sua própria crença:
“Quando quiseres parar lembra-te porque começaste”.
É quanto basta para lá chegar e ser feliz.