A GRANDE CAMINHADA ( DIA 17 DA MARATONA )
Há quase dois meses que não dormia.
Um sono seguido.
Há um ano e meio que me deitava perto das quatro da manhã, acordava às sete e meia, para ver os meus filhos, adormecia às onze, para acordar às duas ou três da tarde.
Durante um ano e meio fui conjugando tudo, com alguma elasticidade, o sono, que não dormia, o trabalho, cada vez mais exigente, a vida familiar, que parecia quase não existir e eu próprio.
É no treino, na corrida, que encontro (ou tento) encontrar o meu próprio equilíbrio, para conseguir conjugar uma vida em contra-ciclo.
Nos últimos meses comecei a ficar impossível, criticava tudo, existia dentro de mim uma animosidade e uma ansiedade que não eram normais, tudo disfarçado pelas horas de sono.
Mentira.
Sentia-me bem fisicamente, porque apesar de não conseguir dormir de seguida, na verdade dormia horas suficientes.
Foi depois de uma conversa mais dura, no trabalho, que tomei a decisão de consultar um médico.
Pairou no ar que tinha sido efeito causa-consequência, mas só que não me conhece pode pensar que eu ousaria sequer pensar em tal coisa.
Foi a causa próxima, isso foi.
Expliquei à médica, que substituía o meu médico de familia, que estava a ficar intolerante com as pessoas, irritado com tudo mas, sobretudo, não estava feliz.
O que aconteceu depois fica entre as paredes do consultório.
Saí de lá com uma baixa médica, para doze dias e com recomendações bastante claras.
Voltei doze dias depois, já com o meu médico de família regressado das férias, e declarou mais um mês de baixa médica e com recomendações bastante claras.
Também saí de lá a saber o que estava a acontecer;
“Está dentro de si um caldeirão de ansiedade a querer saltar cá para fora, tudo junto com a falta de qualidade do sono está a provocar-lhe um stress que começa a materializar-se”.
Perante isto foi-me ordenado que treinasse - até há quem possa ver na coincidência uma qualquer intenção, como se estivesse a ver-se ao espelho - mas, o meu médico de família, que há um ano sofreu um enfarte, para além de ser um excelente médico, sabe que praticar desporto intensamente só ajuda.
Mental e fisicamente.
Foi mais uma coincidência, apenas.
Coincidiu com a minha preparação para a maratona, mas já antes ela se tinha iniciado, bem antes, pelo que agora cada treino faz parte das minhas tarefas diárias.
Dormir de seguida - ainda a custo, mas está quase lá -, tomar cinco refeições diárias, treinar, estar com os meus filhos, visitar a minha mãe, escrever, ver amigos, apanhar o sol na cara, e descansar.
É só um anti-depressivo e um ansiolítico, faz-se bem.
Têm sido assim os meus dias, no último quase mês e meio.
Estou a voltar a ser quem sou, lentamente, como lenta tem sido a preparação desta maratona, não me refiro apenas à de Berlim.
A vida.
Estes dias, estes meses, este ano e meio.
Mas, vou seguindo, lentamente, o caminho.
Eu sei que - ensinou-me a corrida - primeiro ganhas resistência, só depois ganhas velocidade.
Sei mais;
sei que a grande caminhada faz-se de pequenos passos.
E, ninguém gosta de ficar pelo caminho.
Nem eu !
(Se calhar são efeitos desta música )