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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

09.06.15

A BÍBLIA CAÍDA NO CHÃO


The Cat Runner

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Foto by the Cat

 

Ontem durante a minha corrida encontrei uma Bíblia no chão. Estava aberta. Parecia que estava aberta de propósito.

É a Bíblia que está na foto. Caída no chão. Em cima da calçada. Aberta.

Parei para registar o surpreendente momento. Penso que nunca mais irei encontrar uma Bíblia aberta caída no chão.

Baixei o estore do quarto. O quarto está à meia-luz, fresco. Está muito calor aí fora. Não consegui sequer descer à piscina. Sou mais do frio do que do calor. Ardo com facilidade. Congelo com dificuldade.

Passou uma semana desde que escrevi o meu último texto.

Recordo-me do dia. Dia 30 de Maio. Recordo-me porque foi o dia de anos do meu pai e o dia em que se reformou.

Passou uma semana atarefada, como conclusão de um mês atarefado. Uma semana e ele ainda não sabe quanto é a reforma. 

Uma semana passada sem linhas mas cheia de passadas corridas, todos os dias.

Não tenho escrito diariamente mas tenho corrido diariamente.

Agora, o Gato voltou.

Quanto mais vou mais quero ir, seja onde for.

É quase sempre por aqui que vou.

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foto by the Cat

 

Cada vez há mais pessoas aqui, neste caminho, nesta foto, onde faço a a minha liturgia. É a minha igreja. Aqui professo a minha religião. Aqui me encontro.

E gosto de ver as pessoas, as caras.

Gosto de olhar quem vem de frente e ver o esforço desenhado no rosto, sinal que há muito para correr.

Troco cumprimentos em andamento com os miúdos que vêm em sentido contrário, digo boa tarde a alguém que não via há anos, desvio-me, qual serpente, por entre quase famílias inteiras que ocupam a pista inteira.

Alerto os que correm na pista da direita:
- "Essa é para as bikes. Nem se dá por elas. É perigoso. Desculpem lá, mas...abraço".

Eu e esta minha mania de falar com toda a gente!

O tráfego aumenta de dia para dia na pista chamada Passeio Ribeirinho que liga a vila a Alhandra. Alhandra é vila, a Vila é cidade, mas é sempre a nossa vila. São 4 quilómetros para cada lado que se podem esticar para norte e para sul.

Sinto-me feliz por ver muitas pessoas a correr, apenas a caminhar e mais e mais, cada vez mais.

Não creio que a câmara municipal vá construir uma variante ao longo do rio.

O tráfego humano começa a sobrelotar a pista em alguns momentos do dia.

Os equipamentos para trabalhar braços e peito também começam a ficar cheios de gente.

Agora, aquilo que me faz imensa confusão não é uma mas várias coisas.

E, às vezes, faz-me confusão enquanto corro.

Não gosto de levar com o fumo de um cigarro pelas narinas e pelos pulmões dentro, como se de um shot se tratasse.

Não creio ser compatível fumar e caminhar ao mesmo tempo. E eu fumo, às vezes.

Não gosto de correr na minha pista e deparar-me com 2 casais, 3 filhos, 2 carrinhos de bebé a bloquear o caminho.

Não os interrompo. Olho para trás, para ver se vem alguma bike, e contorno.

Não gosto de ver um Pitbull, com trela longa, a fitar-me a uns duzentos metros.

Volto a olhar para trás, não vem nenhuma bike, desvio-me.

Não gosto de ver pessoas a passear os cães no passeio onde corro, como se o passeio fosse a red carpet canina.

É que a merda fica agarrada ao chão.

Olho para trás, não vem nenhuma bike, desvio-me, mas não gosto.

Quando chego lá ao outro lado, 4 quilómetros depois, vou pensativo.

As pessoas têm direito de fazerem o que e onde quiserem.

Eu corro para limpar a cabeça por dentro e a alma por fora.

Que sentido faz ir reparando nestes detalhes enquanto corro?

É quando encontro uma Bíblia aberta caída no chão.

Parece que foi de propósito.

Alongo ao longo do rio, até à foz dos músculos e do meu sorriso.

Recomeço. Falta o regresso, o voltar.

O sorriso vai comigo.

A Bíblia ficou aberta caída no chão.

Tirei-lhe o retrato mas não lhe toquei, nem a li.

Quero que ela fique ali, assim, aberta e caída no chão.

Talvez a encontre quando lá passar. Talvez esteja fechada. Talvez esteja rasgada.

Abro a passada.

Sinto-me viajar.

É que eu não sei ler algumas coisas da vida.

É por isso que no regresso não reparo no fumo do cigarro, nos cães que me fitam, nas pessoas que me bloqueiam, nas bikes silenciosas. 

No regresso nada disso se me afigura por muito que esteja pela frente. 

Há sempre um regresso em cada corrida, como na vida. 

Na vida cada fim tem sempre um começo.

Lembro-me dessa Bíblia aberta caída no chão, na volta do Gato.

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