A Lei da Incompatibilidade Sentada no Banco dos Réus
Tudo aconteceu num sítio que não existe.
O caso agitou com tal impacto lá naquele sítio que ganhou notoriedade, rapidamente.
O Amor Impossível e o Amor Improvável foram apanhados nas intricadas redes da justiça divina e, finalmente;
encontro em tribunal.
O que antes era uma questão de olhares e esperanças silenciosas, agora transformava-se num julgamento aberto, à vista dos dois.
De um lado do tribunal, estava o Amor Impossível, semblante triste, reflectindo as barreiras intransponíveis que o definem.
Do outro lado, o Amor Improvável, olhar que oscilava entre a esperança e a resignação, revelando as dificuldades em transformar o improvável em realidade.
Os dois olhares cruzavam-se, ocasionalmente, para se desviarem rapidamente, como se o peso das suas realidades fosse grande demais para sustentar.
Talvez um resquício de um sentimento, que um dia foi tudo, fizesse com que seus olhares se encontrassem novamente, brevemente, antes de se desviarem outra vez, olhando a paisagem mais bonita daquele sítio.
O juiz, ser sábio e de semblante sério -nunca se viu um juiz a sorrir -, tinha em mãos um processo que lera incontáveis vezes.
A cada leitura ficava mais decidido.
Havia, no entanto, uma passagem, naquelas páginas o perturbava:
“...quando tanto se diz e tanto se sente e se conclui que não há compatibilidade, apenas incompatibilidades, de todas as ordens, pela ausência da coragem, pela ausência de amor se medo...”.
A sessão tinha que prosseguir e os dois arguidos, agora réus, sentavam-se ali, personificações da incompatibilidade.
O juiz ( com aquele parágrafo a ecoar-lhe na mente) deu a palavra à defesa.
Primeiro, falou o advogado do Amor Impossível.
“Excelência, a minha defesa é baseada no próprio conceito de meu cliente.
O Amor Impossível não é simplesmente uma questão de desejo ou anseio; é uma força avassaladora que desafia as normas e a lógica.
Ele não pode ser julgado pelos padrões comuns, pois situa-se num reino de sonhos e esperanças, onde a realidade muitas vezes não alcança. Porque não quer!
O meu cliente é, por natureza, maluco.
Defende valores diferentes. Diziam ser louco, por isso.
Valores muitas vezes incompreensíveis para a maioria.
Ele busca pela pureza do sentimento, algo que transcende o tangível e o possível.
Vai além do básico. Coisa que ele não gosta.
Como podemos condená-lo por ser fiel à sua essência?
Exª, peço a absolvição do meu cliente".
O tribunal murmurou numa concordância silenciosa, reconhecendo a profundidade das palavras do advogado do Amor Impossível.
Em seguida, a palavra foi passada ao advogado do Amor Improvável.
“Excelência, a minha cliente é um exemplo de competência e dedicação no campo profissional.
Ela é admirada e respeitada por todos os que a conhecem, nesse aspecto.
No entanto, como mulher, carrega as cicatrizes, mágoas que a fizeram perder-se nas suas próprias ideias.
Nunca sentiu nem soube a que sabia a liberdade e, sem dolo, quis o mundo inteiro.
Mas, ela já foi condenada a vaguear entre o desejo de encontrar um amor verdadeiro e a incapacidade de o fazer, devido ao medo e à insegurança.
Não terá no seu caminho algo idêntico ao que rejeitou e isso será penitência suficiente.
A sua grande incompatibilidade não é uma escolha, mas uma consequência de experiências dolorosas que lhe aumentam a ausência de coragem, enquanto mulher.
Podemos realmente culpá-la por não ser capaz de superar o que lhe foi imposto pela vida?
Exª, peço a absolvição da minha cliente!”
O juiz ponderou por um longo momento, mergulhado na complexidade apresentada pelas defesas.
Finalmente, com um suspiro profundo, pronunciou a sentença:
“Em face dos argumentos apresentados, reconheço a complexidade e a profundidade das incompatibilidades que definem os réus. Com o Amor não se brinca, iseja mpossível ou improvável. Está previsto no CPP da Lei Divina.
Ainda assim, é com pesar que declaro que o Amor Impossível e o Amor Improvável estão condenados a não serem, plenamente, felizes, pelo menos não tanto quanto poderiam ter sido juntos.
As suas naturezas distintas separam-nos de uma felicidade completa, mas talvez, nas suas jornadas individuais, encontrem algum consolo e paz.
Permitam-me citar Winston Churchil, réus, agora condenados: " se atravessares o inferno não páres". Deveriam ter lido Churchil, ambos.
Pelo que condeno o Amor Impossível a virar costas ao Amor Improvável e o mesmo se aplica em sentido contrário.
É a pena maior que se pode aplicar a um crime como este;
abrir a mão do Amor!
Que se cumpra a sentenção: - voltarem costas e jamais se olharem-.
Este crime não tem perdão:
nenhum Homem pode abrir mão do Amor, seja ele Impossível ou Improvável.
É um luxo que configura um crime, porque só acontece uma vez na vida, quando acontece.
Que sigam caminhos que jamais vos façam cruzar, de novo e, que aquilo que carregam, jamais vos deixe.
Que se aplique a sentença”!
Com a sentença proferida, o tribunal ficou em silêncio.
Os réus, ainda que condenados, sentiram um estranho alívio (uma estranha paz...o pior virá depois nas masmorras eternas).
Havia uma aceitação nas palavras do juiz, uma compreensão que os permitia seguir em frente, mesmo que seus caminhos não fossem juntos. Mesmo que não quisessem.
Mas, mesmo que quisessem; estavam condenados!
O caso do Amor Impossível e do Amor Improvável chegou ao fim.
As emoções e a justiça divina juntaram-se, para provocar o caos e o renascimento.
Ao juiz passou-lhe esse facto que nunca foi argumentado em audiência de julgamento.
Passou a ele, aos adovados e aos condenados. Pobres diabos, todos eles.
Assim, seguiram as suas vidas, carregando a sua incompatibilidade, mas também a esperança de que, em algum lugar, possam encontrar-se. A si mesmos.
“Podem abandonar a sala de audiências”, ordenou o juiz.