QUANDO OS SINOS DANÇAM CHORA A CATEDRAL
Sento-me no chão da varanda, envolvido por um calor que se cola,
mas que sabe bem.
Brisa quente. Boa.
Escuto alguns sons do bairro.
Os pássaros, tirando os pombos que são muitos, em excesso.
As vizinhas, os carros, a música, aquilo tudo misturado com aquele calor saboroso, vindo do lado do rio.
O sítio onde vivo é engraçado. Eu faço um desenho.
Uma estrada de norte para sul.
Outra estrada, paralela, de sul para norte.
Confluem, ambas, numa ponta e na outra.
Ao longo dessas duas estradas, no meio das duas, é isso, é assim o sítio onde vivo.
O sítio já se alongou para fora da berma, com o passar dos anos, mas o centro do sítio onde vivo é assim mesmo, no meio de duas estradas.
Ampliou-se, mas cá em baixo as ruas, os bairros, as travessas, ainda têm sons, cheiros e brisas só suas.
É isso que se me depara, sentado no chão da minha varanda, com o rio, ali ao lado, a olhar-me, com ar de troça, carinhosa, mas troça.
A vizinha do segundo andar debate com a vizinha do primeiro andar, do que me deu a entender, a situação de um dos gatos que por aqui habitam.
Aqui, na travessa, as pessoas ainda metem água e comida em caixas, na rua, para os gatos, que se escondem do calor debaixo dos carros, ou se aquecem, por causa do frio, em cima dos carros. Não sei.
Confesso , não consegui identificar, muito menos decifrar, a música de fundo que saia de uma das varandas.
Está abafado.
Um calor do deserto e há uma brisa brutal, nesta rua há sempre uma brisa brutal, por vezes vento. Fresco. Quente. Vai e volta. Voa, em piruetas, zuuuuummmmmm...
Se imaginou estas duas estradas paralelas, com uma cidade no meio delas, imagine que eu vivo numa rua perpendicular, como há outras ruas assim, que ligam um lado ao outro da cidade.
Vivo no meio. Mesmo no meio.
De um lado a estrada e o rio, do outro a estrada e casas.
São quatro esquinas, duas de cada lado.
No meio, um corredor de ar, em espiral, que vai ao rio e volta à cidade, como a vida que vai, umas vezes e volta, outras vezes.
Vai dar tudo ao mesmo sítio.
Vai dar ao coração.
É aí que vivo.