O HÁBITO FAZ O MONSTRO
O ser humano é de uma genialidade brutal e até chocante.
Habitua-se.
Habitua-se a tudo.
A sua genialidade encerra aquilo que ele entende ser a sua realidade perfeita, o espaço e o tempo que ele idealiza.
É brutal porque desvenda uma inesperada capacidade de rasgar cortinas e deixar-lhe entrar a luz, por ali adentro, dele.
Chocante, esta pauta desassombrada, por isso mesmo, pelo desassombro.
E, ele vai-se habituando, ao ritmo dessa pauta que se revela uma pauta em branco, também por isso, chocante, na qual o improviso é permanentemente escrito e apagado. A esse ritmo.
Depois de aquela luz entrar por ali adentro, dele, dissipa-se em sentidos contrários, o que não conhece.
Sair de dentro, olhar em redor, para dentro, também, ficar a olhar.
Primeiro tentar perceber toda a floresta.
A árvore vem com o tempo.
São, como as faces do amor, milhões, de árvores, de florestas, e rostos que habituam, porque o ser humano habitua-se.
Não fosse o facto de me ter mudado para a minha casa há uns meses, depois de longo tempo com obras ruidosas, que faziam tremer o prédio, tanto ou mais como o comboio de mercadorias das quatro da manhã e não tinha compaixão com as obras que começaram aqui mesmo na casa ao lado.
Isso permitiu-me perceber o que estava em redor, tendo eu saído do centro, para olhar, descentrar.
Diz que acabam sexta feira, cá para mim podem aprimorar a obra.
Parece que vivo em plena guerra, com o barulho dos obuses, dos tanques, dos aviões, até, das metralhadoras, caraças...
Diz que é só até sexta feira.
Já sinto saudades.
Já me tinha habituado.