LONG DISTANCE CALL
Agora dei um pulo com o estalo que veio da lareira.
A lenha é boa.
Foi o que me ocorreu para meter conversa.
O que me atormenta é outra coisa.
Às vezes dou comigo a pensar no que é que significa para mim correr.
Nem uma única vez eu consegui encontrar uma malvada resposta.
Ocorrem-me sempre muitas, diferentes, mas desaparecem mal as encontro, como por exemplo no início deste texto;
minutos antes tinha tido uma ideia do caraças para abrir o texto.
Quando comecei a escrever já não me lembrava que ideia era e inventei.
Correr tornou-se numa rotina vital na minha vida. Como respirar, comer, trabalhar, amar, ou outra coisa vital na vida de pessoas. É apenas isso que sou, uma pessoa.
Comecei a correr há uns sete anos, está a fazer por esta altura.
Comecei porque parecia uma baleia e no Ribatejo é o Sável quem mais ordena. O ser humano é um produto do seu ambiente, adapta-se.
Durante estes anos não me lembro de ter parado de correr durante muito tempo – mais de três dias é muito tempo – por causa de dores ou lesões. Fui-me habituando e, mesmo quando corria com algumas dores já sabia como gerir a crise, porque a corrida ensina.
Ensina a conhecer os limites, o corpo, o espírito e a cabeça, a alma, claro.
Só que desta vez não consegui. Fui, fui, fui andando, até que parei.
Fui andando como vai andando quem gosta de correr. As pessoas que gostam de correr têm uma particularidade que é irem sempre até que são obrigadas a parar, como na vida, vamos andando na esperança que a mudança chegue e nos leve com ela.
É quando estamos parados que entendemos o quão frágeis somos perante o resto. Andando.
Nas últimas quatro semanas consegui correr seis vezes.
Seis vezes em uma carrada de dias.
Provavelmente, a cena mais estúpida que fiz, desde que corro.
Devia ter parado às primeiras dores, ainda que ligeiras, no calcanhar.
Li imenso sobre fascites, inflamações, fracturas de esforço, mas não, tinha que continuar, apesar de ter todos os sintomas das coisas que escrevi e não vou repetir baterem todos certos.
Era o que sentia no cabrão do calcanhar.
Até que parei.
Não corro há duas semanas.
E, tanto que precisava, nesta fase da minha vida.
Não corro, nem sequer consigo treinar muay thai já há uma eternidade, e tanto que precisava.
Fico-me pelo ginásio, como que confinado a quatro paredes.
A minha pedra-de-toque está rachada, o prumo dos meus dias, o fiel da balança que pesa o impacto e a defesa. Uma má fase, quem sabe.
É imaginar subir a montanha, contemplar lá do alto, dar um pequeno impulso e vir em queda livre.
Fico à espera de um pequeno toque de magia, para que tudo mude, porque eu sei que tudo muda num segundo, ou menos.
É como quem se habituou a um ansiolítico que o acalma e equilibra e de repente entra em privação.
A sorte é que eu já sei o que é descompensar.
Sou como que uma espécie de operacional da vida, até porque
no Ribatejo não há baleias, mas os cornos pegam-se pelos touros, assim mesmo, ao contrário, para não ofender ninguém.
O meu problema é que me falta alguma coisa.
Quando queres e não podes.
Não podes.
Nunca gostei de me sentir amarrado.
Nem que corte o calcanhar fora.
Tirem-me lá as amarras, pá.
É chato estar amarrado e não conseguir respirar.