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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

22.02.20

O RAPAZ DA CAMISOLA BRANCA


The Cat Runner

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Conheci-o há duas semanas.

Estávamos no pátio, onde eles vão fumar um cigarro, libertando, loucamente, golfadas de fumo ondulante, tanto quanto os seus pensamentos incomuns.

Lá no canto do outro lado do pátio dei comigo a observá-lo, sem nunca desviar o olhar, a atenção, o afecto, daquele que me levou até àquele pátio, onde eles vão sugar um fumo que os devolve à realidade, apenas enquanto exalam, prolongadamente, num prazer concedido, milagrosa e divinalmente concedido.

Percebi-lhe, nos olhos rasos de água e vermelhos de dor de alma, ao que ia.

Não lhe conheço a história, o nome, a vida, apenas aquela camisola branca, aqueles olhos sofridos e aquele rosto que sublinha a postura corajosa. Sei-o, porque senti-lhe no olhar, que ele vai aos sábados àquele pátio, onde eles vão fumar, por amor. Como eu. Por amor, sem troca, sangue-no-sangue-e-na-alma.

Eu deixei de fumar há mais de um mês, mas sou eu quem lhe compra o tabaco de enrolar, uma onça, para que ele possa viajar dentro dele, nem que seja no instante. Dividimos a hora e meia entre o quarto e o pátio, em conversas sem sentido misturadas com conversas normais.

Sem sentido, disse eu?

Sabemos nós lá o que faz sentido!

No sábado passado não gostei de o ver, esperava uma atitude diferente.

Este sábado conversámos sobre os dias de clausura e privação, do que ficou lá atrás, do que está por vir e que é tanto.

Hoje voltei com mais esperança que nunca.

Durante a nossa conversa, lá no outro canto do pátio, o rapaz da camisola branca que eu tinha conhecido na visita da semana anterior.

Novamente, dei comigo a observá-lo, sem nunca desviar o olhar, a atenção, o afecto, daquele que me levou até àquele pátio, onde eles vão sugar o fumo que os devolve à realidade, apenas naquele expirar, enquanto exalam, prolongadamente, num prazer concedido, milagrosa e divinalmente.

Conheci-o há duas semanas, naquele caminho que percorremos em silêncio, metidos dentro de nós, a cada passo, até ao elevador.

Subimos, descemos, voltar a subir e cair.

Os elevadores, dentro da cabeça de cada um de nós.

Conheci-o, mas jamais lhe perguntarei pelo nome, menos ainda pela sua história.

Tem sido uma lição, sobre o que somos enquanto pessoas.

Vejo-o como o rapaz da camisola branca, que aos sábados se cruza comigo num pátio onde a maior parte das abordagens são para pedir um cigarro ou um isqueiro.

Enquanto pensava na história daquele miúdo, que me faz lembrar os meus filhos, pela ternura, carinho, coragem e maturidade do coração que mostra, notei que alguém se juntava aos vários grupos de pessoas, procurando apenas estar.

Solitário, sozinho, só. Tão só que até o olhar distante e a voz trémula e frágil me transportam para dentro de um filme, Tarantino, o meu preferido.

Não nos pediu cigarros nem lume, apenas queria estar.

“A mim ninguém visita”!

Perante a minha impotência, cumprimentei-o, e continuei a conversa, tal como o miúdo da camisola branca.

Ele visita uma senhora que veste impecavelmente, cabelo louro e arrumado, óculos de massa que deixam ver uns olhos azuis iguais aos dele.

São silenciosos nos seus diálogos.

Ali, naquele pátio, fico a “saber que o outro, não é como tu, tu estás armado, o outro está nú”, como cantam os Xutos.

Este sábado sentou-se na fila de cadeiras azuis à minha frente enquanto esperávamos pelo número da senha, no ecrã da sala de espera.

Cabeça baixa, telemóvel na mão, nunca o tinha observado tão de perto.

Tirei a foto.

Senti-lhe o sofrimento, a esperança, a força e a fraqueza mas, sobretudo, o amor.

É por amor que me cruzo com este desconhecido, que conheci há duas semanas.

Será sempre o rapaz da camisola branca.

É que eu acredito no ser que é humano e na sua capacidade de subir a montanha mais alta, cair sem fim, mas cair de pé.

Ficar de pé, de novo.

Mas é obrigatório meter as beatas no cinzeiro, porque o pátio não é para estar sujo.

Cheguei a casa e a minha janela mostrou-me que vou no caminho que tenho que ir.

Há sempre um horizonte.

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Cair, levantar, uma espécie de fé na disciplina da ciência. A conjugação de dois opostos.

Ou como o amor pode ajudar, até mesmo nos impossíveis da vida.

Hoje, quando me vinha embora, o rapaz da camisola branca estava na sala de estar e de pintura, sentado à mesa. A seu lado a mãe, avó, tia, não lhe conheço a história.

Ele repousava o queixo entre as duas mãos em concha.

Ela falava ao telemóvel, serena e angelicalmente.

E, eu pensei: os meus sábados são uma viagem intensamente brutal. Tanto que tenho aprendido, sobre mim, sobre ele, sobre nós e aquilo que somos e que queremos ser e que não sabemos ser e que não conseguimos ser, sobre murros no estômago.

No dia em que não voltarmos ao pátio, vamos celebrar, mas até lá sabemos que o caminho ainda mal começou, é longo e temos que estar preparados para aquele que será um dos momentos mais marcantes desta viagem de loucos;

Quando o canto do lado de lá do pátio estiver vazio.

Porque é de amor que se trata.

Fala alguém que teve um depressão grave e que saiu de dentro do poço, para nunca mais sequer dele se aproximar. Amor.

Sábado volto à visita.

Volto à sala de aula da vida.

Gostava tanto encontrar o canto lá do fundo do pátio vazio.

 

 

 

 

01.02.20

STORYTELLING CÓSMICO NUM FIM DE TARDE EM LISBOA


The Cat Runner

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O que vai ler a seguir é uma história.

Faço questão de lhe deixar este reparo logo a abrir porque ao longo da história pode dar-se conta de estar dentro de uma “curta”, onde as personagens se fundem em perpétuo movimento.

Até porque esta história tem histórias dentro dela.

A narrativa perfeita.

Cósmico, como alguém disse.

E é assim que começa esta história;

Foi cósmico.

Para os presentes e para o ausente. Não para todos os presentes, apenas uma mão cheia deles, porque aos amigos nada se nega, muito menos quando se trata de coisas de energia, do toque, dos sorrisos francos, da inspiração genuína, alguma vez se pode negar uma viagem nas nuvens com os pés na terra?

O Pedro, quando me convidou para apresentar o livro Sharing My Change pediu-me para incluir na apresentação uma história que tinha acontecido comigo.

O livro a quem o Pedro, a Maria João e a Teresa deram vida, tem dentro dele muitas vidas, de pessoas, como eu, como nós,  ele junta casos reais de quem teve audácia, coragem e visão para mudar.

A viagem.

A jornada.

É uma viagem, com ponto de partida, com ponto de chegada, malas feitas e arrumadas no porão, o livro.

Cintos apertados, vamos levantar vôo, porque era para isso que ali estávamos, eu, o Pedro, a Teresa e a Maria João, mais todas aquelas pessoas interessadas em viagens de pessoas como elas. E outras, ainda.

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A história que o Pedro me pediu para contar é a “história do Ruben”.

Escrevi sobre ela há dias.

https://thecatrun.blogs.sapo.pt/the-natural-born-lider-107928

Ela personifica a viagem da mudança de cada qual, que é permanente.

Ela implica, apesar de termos tudo arrumado e devidamente ncontrolado, algumas mudanças de percurso, inusitadas mudanças, para seguir caminho, que nas nuvens todos andamos, todos mudamos.

Naquele fim de tarde contei a “história do Ruben”, o menino que me convidou para me prestar um tributo, pela admiração que dizia ter por mim e pela minha carreira. Tinha onze anos, o Ruben, nessa altura.

Já era o director do jornal da IPSS onde passava as suas tardes depois de sair da escola. Ofereceu-me uma edição autografada, que guardo até hoje e fiquei sem saber quem admirava quem, afinal, até hoje.

Anos depois, um amigo comum fez-me chegar uma mensagem:

“olha esta foto, o menino que queria ser como tu a entrevistar o Medina”.

Tinham passado sete anos.

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O Ruben está acabar o liceu (Jornalismo) e está envolvido em outros projectos diria pré-profissionais.

Contei a “história do Ruben” a pedido do Pedro, que é director de Recursos Humanos do grupo TAP, porque ele entende que ela ilustra uma das, se não a principal característica de um líder, de uma  liderança, que permite viagens, num processo de mudança, fundamentada na inspiração. Neste caso natural, real, envolvendo duas partes, duas pessoas, o Ruben e eu.

No final da apresentação do projecto, como sempre, fica-se ali um pouco à conversa.

Sou então abordado por um rapaz, na casa dos 20 e poucos.

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Gonçalo, alentejano, 28 anos, acompanhado da namorada, a Filipa, assitiram a tudo e, no fim, tinham algo brutalmente impactante para o final daquela viagem.

Queria, o Gonçalo, educada e gentilmente, contar-me a sua história.

Todos os seres racionais contam histórias e têm histórias para contar.

Detive-me, impaciente, porque havia algumas pessoas que queriam despedir-se mas, detive-me e ainda bem.

Fique apenas a escutar.

O Gonçalo fez uma televisão quando tinha oito anos e não mais parou.

Replicava o que via na TVI, gravava tudo, horas a fio e depois fazia a sua própria emissão, com régie, convidados, peças, entrevistas, directos, chegou a ter conteúdos que davam para vinte e quatro  horas de grelha.

Esta era metade da sua história, a que me queria contar.

“Costumo vir aqui à FNAC trabalhar, com a minha namorada”.

Eu escutava-o deliciado já a fazer contas de cabeça para fazermos uma reportagem, para uma televisão a sério, aquela que o Gonçalo admira desde os 8 anos.

“Chegámos, vimos que estava a acontecer qualquer coisa e ficámos a prestar atenção. Quando começou a contar a história a minha namorada deu-me um toque no braço e disse-me, está a falar do Ruben, de Alhandra, nem queriamos acreditar”!

Completamente estupefacto perguntei:

"Conhecem o Ruben?".

Confesso que pairou no ar qualquer coisa de magnético, assim desse género, o corpo pareceu levitar sem sair dali, fitava o Gonçalo nos olhos para lhe ler a alma. Houve energia naquele pedaço de tempo.

“Não pode ser”, respondi-lhe, meio atordoado, ao que me disse;

“Nós conhecemos o Ruben, ele trabalha nos nosso projectos. Ele está aqui no Colombo e era suposto estar aqui connosco, mas está ainda atrasado, já lhe ligámos a dizer onde estávamos”.

Acto contínuo o telemóvel da namorada, a Filipa,  toca.

“Atenda”, atirou-me o aparelho para a mão.

“Estou a conhecer a voz”, disse Ruben, do outro lado da linha, “peço desculpa, estou a reconhecer mas...”

Quando percebeu onde estavam os amigos, com quem estavam, ficou em silêncio.

Percebi porquê, quando mais tarde me enviou a mensagem que replico, com a sua autorização.

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Apresentei o Gonçalo ao Pedro, à Maria João, à Teresa, ao editor da RH e ao responsável da FNAC e contei-lhes o que tinha acabado de acontecer ali.

A energia daquele sítio aumentou e fundiu-se. Estávamos em comunhão.

Depois de contar a história do Ruben, na apresentação da viagem Sharing My Change, aquele casal abordou-me porque, casualmente, também estavam ali e eram amigos do Ruben, de quem eu não sabia nada até há uns dias, quando o tal amigo comum me enviou a tal foto.

O Ruben estava perto de nós, mas nunca chegou a aparecer.

Aquela roda de pessoas escutou a improbabilidade real da história, quase incrédulos e felizes.

Enquanto uns faziam silêncio, com um sorriso aberto, outros exclamavam que “isto é cósmico, toda esta cascata de ligações, casualidades, acontecimentos".

Tudo porque o Ruben gostava de mim e do meu trabalho, quando tinha onze anos.

Tudo porque o Pedro me pediu para contar a "história do Ruben", naquele momento importante, perante uma plateia de pessoas ligadas às organizações, liderança, Recursos Humanos e ensino, coisa de responsabilidade.

Amigos, também, alguns.

Quanto ao Gonçalo, ele também tem uma história real, afinal não é todos os dias que um miúdo do Alentejo começa a mexer em câmaras e a fazer gravações, aos 4 anos,  e cria uma televisão imitando uma televisão real, com tudo documentado e gravado, aos 8.

Aos vinte e oito ainda não parou. Vai de escola em escola e faz workshops para os miúdos.

Leva a sua carrinha, a sua régie, as 4 câmaras e pimba.

O Gonçalo, a Filipa e o Ruben.

Ele, o Gonçalo, até já foi eu.

"Já fiz de si !", disparou à queima-roupa. 

Mas, isso fica para o próximo post.

Não casámos e fomos felizes para sempre.

Fim.