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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

23.12.19

UM CONTO DE NATAL (QUE TÍTULO TÃO POUCO CRIATIVO)


The Cat Runner

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(Foto: The Cat Run)

 

Apetecia-me começar este conto com uma música que não me sai da cabeça.

É mais ou menos assim, mas tem que ler e imaginar a música:

“I wanna wish you a merry Christmas, i wanna wish you merry Christmas, i wanna wish you merry Christmas and one happy new year”...

Mas não, não vou começar assim.

Isto é um conto de Natal e o Natal não tem que ser apenas luzes, bolas coloridas, fotos nas redes sociais e avalanchas de mensagens. Nem música a condizer.

São dias duros, melodiosos, cheios de ar doce e corações quentes, mas, estranhamente duros, apertam a alma e dão nós na garganta. Às vezes um sorriso que afaga.

Nostalgia.

Nostalgia que teima em não me largar. Às vezes sem motivo, sem nostalgia, apenas nostalgia.

O Natal não foi inventado pela Coca-Cola, o Pai Natal é que foi. Só descobri isso já depois de adulto.

E, tantas vezes que me disfarcei de Pai Natal, para ver aquelas caras dos meus filhos, aquele acreditar cruel da inocência. E os filhos dos vizinhos. Fui tantas vezes o Pai Natal.

Talvez seja mera coincidência o facto de a minha bebida preferida ser Coca-Cola, vai, no entanto, que até já tenho brancos na barba, mas já nem sei onde escondi o fato e o barrete.

As renas reformaram-se e eu para aqui ando.

Os meninos já não acreditam no Pai Natal. Por isso, não começo este conto com aquela música.

Nostalgia. Apenas isso.

O conto de Natal,

Um homem que eu gostava de ter conhecido. Se calhar nunca fomos estranhos, um homem bonito, como são todos os homens bons.

Este é o conto de Natal que eu não queria contar.

É sobre esse homem que nunca descobri se conheci ou se fomos um só, num outro registo das nossas vidas.

Mas ele acompanha-me e atormenta-me, este homem.

Não é o espírito do Natal, nem ele, nem este conto de Natal.

Um homem trabalhou a vida inteira. Serviu-lhe de quase nada.

Reformou-se mas não conseguiu parar de trabalhar. Não era galo de capoeira.

Até que um dia, do alto da sua experiência vivida, não conseguiu evitar a queda de uma viga de ferro que lhe arrancou um pedaço de um dedo. Era sábado de manhã dizem os registos do acidente.

Não, o Natal não é quando um homem quiser. Isso é conversa de encher, quando se-nos falham os argumentos.

O homem que trabalhou a vida inteira ainda tentou encontrar o pedaço do dedo perdido, para o levar para o hospital, afinal, "se já corri o mundo todo e nunca deixei nada meu em nenhum lugar não era agora que ia deixar um pedaço do meu dedo no chão da oficina".

O melhor que conseguiu foi tratar-se através do seguro. Nada mau.

Teve alta, mas nunca mais teve o dedo e isso acompanhou-o até aos seus últimos dias.

Se calhar ainda procura o pedaço de dedo, enquanto a viga de ferro dorme, imóvel, no chão de uma qualquer oficina, onde o Natal se faz a maçarico e marreta, todos os dias.

O Natal de alguns seres humanos é todos os dias, o quotidiano, o dinheiro que metem em casa, o seu trabalho. Todos os dias, Natal.

Já não podia fazer o seu trabalho, mas o médico do seguro deu-lhe alta e disse-lhe: “o senhor adapta-se, o ser humano adapta-se, sempre. Olhe eu passo o relatório ainda hoje porque amanhã vou para Cuba com uns amigos, uns dias para espairecer”.

Sem dedo, o homem, resignado, tentando adaptar-se, por conselho médico,  apresentou-se ao serviço, na oficina escura e suja. Toda a vida foi assim, escuro, sujo, duro. Serviu-lhe de quse nada, nem o dedo lhe escapou.

Mandaram-no para casa, de férias.

A alta do seguro parou o subsídio. Sem trabalhar não há Natal. 

Um pé no lado de cá da linha, o outro do lado de lá, olhos fechados, molhados, perdido.

Acabadas as férias apresentou-se, de novo, no trabalho. A oficina estava quase parada. Estranhamente parada.

O patrão, homem que pagava sempre fora de horas, disse-lhe que não tinha trabalho para ele, tinha-lhe dado cabo da vida, porque tinha ido trabalhar a um sábado para ficar sem um pedaço do dedo. Para o tramar.

Isso.

Naquele ano, lá longe, o Natal chegou num repente, o Natal chega de repente, apesar de tudo, desde que não acreditemos no Pai Natal, ele é o menos relevante neste conto de Natal. E, tudo termina no instante seguinte.

O homem que trabalhou a vida inteira vivia agora num limbo. E, o Natal a entrar-lhe pela porta dentro. Não entendia se era trabalhador, reformado, ou apenas um boneca na mão de um rude patrão. 

O rude patrão só lhe pagaria o ordenado “quando tivesse dinheiro, porque lhe destruíram a vida toda”. O subsídio de Natal a mesma coisa. Foi mandado para casa, onde se fechou dentro de si e de tudo.

Assim se perde uma alma.

Nem no Natal...

Sobretudo, no Natal.

O rude patrão mandou toda a gente de férias, fechou a oficina e foi viajar com a mulher.

O homem que trabalhou toda a vida começou, a partir desse dia, a não acreditar no Natal.

No fim da sua vida até o Natal lhe roubaram.

E um pedaço de dedo, que ele deixou ficar, quando nunca tinha deixado um pedaço de si, fosse onde fosse e andou por todo o mundo.

Ao contrário de mim o homem que trabalhou toda a vida nunca creditou no Pai Natal.

Espero ansiosamente por um encontro, ou reencontro, para o abraçar e o ferecer-lhe um presente, talvez o seu pedaço de dedo, para que possa partir em paz, definitivamente.

A  nostalgia que me invade.

Feliz Natal.

 

 

 

05.12.19

GRETA A DEUSA IMPERFEITA


The Cat Runner

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(Foto: TVI24)

A greta irrita-nos.

Eu sei.

Não estamos acostumados a ver uma miúda com cara de mulher, rosto carregado, olhar que roça um ódio infantil, com comportamento de crescida.

Isso irrita-nos, em Greta.

Não estou a pensar digital, nem no que acontece nas redes sociais.

Estou a pensar na Greta e quanto ela me irrita.

Para mim constitui um enigma.

Penso que ela não estará a ter uma infância ou adolescência como os miúdos da idade dela.

Questiono-me sobre se vai à escola, o que fará nos tempos livres, se os tiver?

Greta terá tido uma tomada de consciência, quando, como, porquê?

As peças não encaixam e isso também nos irrita, em Greta.

Anda de veleiro, não é a primeira miúda a fazê-lo, é iluminada por contradições, também os miúdos e os outros, os adultos, mesmo adultos, de idade, o são, aparece, vinda das entranhas do oceano, na ponta do pontão, depois de acenar à população, mais jornalistas que activistas, enquanto o barco se acercava do porto, qual deusa, braços abertos, sorriso canhoto, estática, olhar fito.

Uma mulher?

Uma miúda?

E, isso irrita.

Pois irrita, mas sejamos intelectualmente honestos.

Tanta irritação que Greta nos provoca compensa o lead!

Mova-a o que a mover, quem a mover, à factualidade da prova ninguém consegue escapar, Planeta, Ambiente, Vida, Pessoas, são palavras que deveriam aparecer na primeira pesquisa de qualquer motor de busca, nos dias que correm.

Se calhar aparecem, não me dei ao cuidado de verificar, eu escrevo por prazer, que isso fique bem claro, não sou escravo de grandes pesquisas, só o essêncial mesmo.

A irritação que Greta nos provoca impele uma onda, que nas últimas semanas nos molhou os pés e as consciências, cada qual à sua maneira e segundo o seu posicionamento, pensado e falado, sobre o que está a acontecer ao Planeta, aquele que estamos a destruir a uma velocidade quase digital, não fosse ela analógica.

Na Greta está a virtude.

Ela colocou o mundo, mesmo até num plano superior, as elites, a pensar sobre o “Dia do Juízo Final”. Mesmo que hipocritamente, mesmo que ela nos irrite com aquela figurinha tipo "Pipi das Meias Altas", mas em versão bruxa-má.

Greta irrita-me.

E, por isso, só lhe posso dizer uma coisa:

Nunca imaginei dizer isto;

Greta (she)´s Great.

És Garbo, Greta!

Um ícone deste mundo novo, como no cimema.

Um deusa.

Imperfeita.

,

02.12.19

AINDA NÃO FIZ A ÁRVORE DE NATAL


The Cat Runner

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Há momentos em que somos privilegiados.

Quando damos conta disso é fantástico.

Eu acho que um homem deve ter os seus momentos, só seus, consigo, em silêncio disfarçado de palavras e letras.

Dou comigo a olhar a lareira. Aquece-me. Apetece-me.

A gata, deitada na cabeceira do sofá grande, mesmo por cima do meu lado esquerdo, como quem vem da cozinha e atravessa o hall.

Com um pequeno salto, macio, quase imperceptível, aninha-se entre as minhas pernas, cobertas pela manta castanha e terna.

Gregory Porter canta, em fundo.

A lareira aquece cada vez mais a sala, a gata dorme, tranquila, deitada ao fundo das minhas pernas. A televisão continua a transmitir um jogo de futebol. A casa está quieta, calada.

Está sem som, só para fazer alguma luz na sala, a televisão.

Um momento, o que ele encerra, o que ele revela.

Um apetecer não fazer nada, um apetecer fazer, não fazer, nada.

Momentos cheios de nada que purificam os olhos, enquanto o piano faz das suas e as palavras saem soltas, livres como a foz do rio.

Tens que te ouvir, ouvi-me dizer-me, vindo de um nada, enquanto olho a televisão, de relance, e vejo que alguém está a ganhar a alguém. Continua sem som.

No fim alguém perde, sempre.

Perde qualquer coisa, nem que seja pedaços de si, fragmentos dos outros.

Voltei a trabalhar há já quase dois meses e meio, lembro-me agora, uma retrospectiva curta.

Parece que nunca me ausentei. Talvez nunca o tenha feito.

Até mesmo nos momentos que o quis fazer.

É tudo tão novo, outra vez, como em tantas vezes.

Tão brutalmente desafiante e apaixonante, que dou por mim a querer ouvir músicas de Natal.

Já toda a gente montou a árvore de Natal - montar não soa nada bem aqui - menos eu.

Era para ter sido no fim de semana mas não percebi bem porquê não foi, essa é que é essa.

Para dizer que se eu não fosse isto queria ser isto.

Acredite ou não, mas agora sou repórter, agora sim, sou repórter.

Precisei passar metade da minha existência a cavar que nem um louco para, finalmente, andar a contar histórias com imagens, palavras, sons e gente dentro delas. Histórias, palavra viajante.

Há uma permanente sensação parecida com a incorporação de um estado de levitação.

(Esta foi inventada)

Acordo, vou trabalhar, trabalho a contar histórias, de todo o tipo, boas, más, belas, horríveis, divertidas, duras. Almoço. Volto a contar histórias. 

Ainda tenho tempo para momentos.

Fazer exercício, escrever ou estar apenas deitado no sofá, com a gata ao fundo das pernas, a televisão, sem som, a fazer de candeeiro e contar histórias.

Acabou o jogo.

Um ganhou. Um perdeu.

A música continua a tocar, em fundo.

A televisão está na "flash-Interview".

Continua sem som.

Tenho que me levantar, para meter mais lenha na lareira.

Pensei em ir jantar, mas já jantei, resta-me ir dar fogo à lenha, ou lenha ao fogo.

Pior vai ser acordar a gata.

Ainda lhe dá um daqueles repentes e crava-me as unhas nas pernas.

A Alice tem o sono leve.

Prometo fazer a árvore de Natal neste fim de semana.