COISAS DE GAJOS
Foi um dia de cão, que até nem me correu mal.
Um spin, como agora se diz, ou lá o que é que isso queira dizer.
Um tipo chega aos cinquenta e já não chega como chegava, atrasado. Há mínimos.
Se ontem me deitei tarde, porque saí tarde do trabalho, porque jantei tarde e, porque, ao contrário da corrente mais intelectual, estou a adorar a nova temporada de “The Crown”.
Me, Peaky Blinder, me confesso, não gostei da última temporada sobre a famílias Shelby, adiante.
Entendo o Arthur Shelby, mas há médicos que tratam depressões, desculpem lá!
Dizia eu;
se ontem me deitei tarde, em outras alturas, hoje levantava-me tarde, mas não, às sete já estava a pé.
Resulta, há menos stress, logo ao acordar.
Ups!
Os planos saíram trocados, alterações de última hora, tenho que levar os miúdos, ela à escola, ele estação dos comboios e ainda tenho que meter gasóleo e não há uma única excepção para entrar em Lisboa que não a minha adorava CREL, por causa da chuva, do vento, dos acidentes, das filas, o normal.
Um pouco de stress, afinal, era eu quem corria o risco de chegar tarde, quando até o breakfast – não sei se deu conta mas gosto de me armar aos estrangeirismos – eu tinha tomado nas calmas.
Em televisão há sempre um plano B, C ou D, neste caso chama-se CREL.
Paguei quase quatro euros mas cheguei a tempo, um café, e sair para começar uma reportagem de longa duração sobre um tema bem interessante.
A forma como os futebolistas fazem a gestão financeira das suas carreiras, das deles.
É aqui que, apesar de o dia até estar a correr bem, a pessoa começa a sentir que está é a ser um dia de cão.
Chegámos à Alta de Lisboa e nesse exacto momento em que estamos a sair do carro começa a chover, mas a chover, não eram pingos, eram baldes de água.
Aquela sensação de desconforto, com um enorme tripé ao ombro, sem saber bem para onde ir, com o equipamento às costas à procura do 27-B.
Completamente encharcado fiz a primeira entrevista, desta reportagem, adiámos as filmagens para um tempo melhor, literalmente e regressei à base.
Incrível.
Ao longo do curto caminho começo a perceber que estava a ficar doente.
Com o passar dos minutos a sensação intensifica-se e os sinais também.
Como levei a mochila decido ir correr, quando sair e tratar a constipação, ou gripe, como habitualmente, com a chuva e com o vento.
Tenho corrido todos os dias, hoje era dia de correr 12 quilómetros. Tinha a mochila no carro. Tranquilo.
Mas, já sentia a cabeça meio vazia (questiono-me se isso era sintoma da gripe ou se é mesmo assim), dores no pescoço, no resto do corpo, arrepios.
Sem força.
Correr, não. Hoje, não. Não consigo.
A questão nem tem a ver com o meu plano de perda de peso/gordura que até está a resultar. Tem a ver que, mais de um ano depois de ter corrido a maratona, voltei a ter prazer a correr e em correr.
É como uma facada no coração (ou em outro sítio), ter vontade e não conseguir.
No caminho para casa ainda reconsiderei, ponderei, acho que vou arriscar, pensei.
Eis quando, a mochila...
Ficou dentro do carro, porque voltei num carro da empresa, por motivos profissionais. O meu ficou no estacionamento, no trabalho.
Não tem problema, vou a casa, equipo-me e sigo.
Tem problema, tem.
Esse foi o problema.
Cheguei a casa, já depois de ter metido um pó debaixo da língua que até me aliviou os sintomas, mas já não consegui sair, por motivos de força maior.
Estou sem forças.
Com a agravante de ter que trabalhar este domingo.
Esse ainda é um mal menor.
Mal maior foi ter deixado a mochila dentro do carro, no trabalho, com o nécessaire lá dentro. Tinha lá tudo. Escova de dentes, de cabelo, perfume, creme para o corpo, para o rosto, lâmina de barbear, óleo para a barba, coisas de gajos na crise da “Meia Idade”.
Para tudo isto tenho redundâncias em casa. Duplicados. Substitutos.
O que me assusta é outra coisa.
Também lá ficou a minha cera para o cabelo, old fashion pomade, que compro no meu barbeiro.
Sem isso sinto-me despido.
E, sem a minha cera, até posso melhorar da gripe, por acaso neste momento até estou melhor, até posso não ir trabalhar, no domingo, se piorar, mas sem ela, uma coisa eu sei: à rua eu não saio.
Vou mas é tomar um Ben-u-Ron, que foi um dia de cão.
E até nem correu mal.