EU, JORNALISTA, ME CONFESSO, OUTRA VEZ
Faz hoje 25 anos que comecei, oficialmente, a minha carreira profissional.
Sou Jornalista. É isso que faço para viver. É isso que me faz viver.
Foi, mais ou menos, um ano depois de ter começado a fazer rádio, em uma rádio local, que para aquela altura já tinha uma cobertura significativa, que fui para a televisão.
A rádio ouvia-se em Lisboa, na vila, em Santarém, quase até ao Porto.
Foi na Azambuja que tudo começou, o dia zero, a Rádio Ribatejo, assim se chamava.
Foi, mais ou menos, um ano depois da Rádio Ribatejo – comecei, como quase todos, no desporto, a fazer reportagem de pista de derbies eternos, em campos pelados de saudade.
Nesse mais ou menos um ano aconteceu a minha primeira transferência.
Como qualquer jogador de futebol deslumbrado vesti a camisola da Rádio Lezíria e ainda fazia uma perninha no segundo jornal mais antigo do país, a Vida Ribatejana, que também, tal como as duas rádios dos meus derbies eternos, já desapareceu, enquanto tal. Campos pelados de saudade.
Fui parar à TSF.
Fui parar à Escola.
Tanto que me ensinaram do ofício. Fui feliz, ali.
Mas, a televisão exercia um fascínio quase deslumbrante sobre mim.
Passou esse mais ou menos um ano e, já munido da minha Carteira Profissional de Estagiário fiz-me à estrada.
Sou Jornalista há 25 anos, faz hoje. Tenho dois padrinhos e uma madrinha, que naquele tempo precisávamos de padrinhos que assinassem o documento que nos permitia ter a Carteira Profissional. Ainda estão todos no activo. Tanto tempo depois.
Sou um homem de opções. Podia escrever neste texto que está tudo mal, que em 25 anos tudo mudou para pior, que as coisas evoluíram em retrocesso, podia ter uma visão negativa sobre as mudanças no mundo e no jornalismo.
Lamento. Para isso basta a realidade.
Prefiro olhar para o que está por vir, olhar para cada dia inteiro.
(Vou dizer uma asneira) Caraças, tenhamos memória.
Nós vivemos dois séculos.
Eu vivi a década de oitenta que foi a “Era da Informação”, lembre-se lá, nós assistimos a mudanças brutais e fabulosas. Nós vimos aparecer os primeiros computadores. Eu cheguei a paginar jornais num dos primeiros Mac´s que saíram.
Nós somos “Os Pioneiros”.
Somos do antes da internet, vimos como ela chegou e transformou a forma de vida . O século vinte teve tantos e tão brutais acontecimentos que a sociedade em que vivemos mudou, para sempre.
Continua a mudar, todos os dias, muito mais rápida.
Alguns desses acontecimentos, uma ínfima parte deles, eu tive o privilégio de os viver.
Quando cheguei à TVI só havia um computador, na Mediateca, com acesso à web. Só uma pessoa, o Manel, sabia mexer com o computador.
Os telemóveis estavam a aparecer. Havia os bip´s.
Na TSF, ainda ouço os sinos da máquina dos telexes. Sim, essa forma pré-moderna de comunicar. Saudades dos sinos da máquina dos telexes.
Eu nasci poucos meses depois do Homem ter parado o mundo, quando caminhou na Lua.
No século vinte, o século onde fui menino, miúdo, jovem, a ante-câmara para a idade-maior, no século vinte e um, tudo aconteceu. Foi fantástico, mágico, como se diz agora, impactante.
Fomos já tanta coisa.
Levei muitas injecções de Penicilina. Teimavam, os médicos, que eu tinha “febres reumáticas”. Já havia Penicilina, quando eu nasci.
A pílula, as Guerras Mundiais, o Muro de Berlim, Hiroshima e Nagasaki, Chernobyl.
Foi num dia de Natal, no longínquo ano de 1990, que a internet nasceu, enquanto tal. Rapidamente se disseminou e hoje não conseguimos viver sem ela.
Foi a maior mudança que vivi, porque mudou tudo, a forma como conversamos, como agimos, como nos relacionamos, o que dizemos, quem somos. Mudou governos, foi mola de revoluções, divórcios, casamentos, salvou e destruiu vidas. Mudou.
Somos uns felizardos e não damos conta disso.
Se o mundo mudou este tanto, ainda bem que o jornalismo acompanhou as mudanças do mundo. O jornalismo está vivo, contra todos os flagelos a que, por vezes se propõe, ou contra flagelos que lhe são impostos, por vezes vindos do próprio público.
O público teima em não querer ter a certeza que o jornalismo é feito em nome do público.
Culpa do jornalismo. O público tem sempre razão, como o cliente do restaurante.
Em 25 anos muita coisa mudou, para pior. Um retrocesso. Outra tanta mudou para melhor.
A capacidade de resposta imposta pelas plataformas digitais quase aniquilou um dos maiores predicados do jornalismo: dar notícias verdadeiras, correctas, em todos os seus pontos de vista.
Essa voragem é perigosa, mas tem remédio.
Também vejo como quase pornográfico o desamparo do jornalismo e os jornalistas. Pouco me interessa culpados, somos todos, interessa-me que ainda estamos todos a tempo.
Um jornalista não pode ganhar 700 Euros. É ultrajante.
Um jornalista não pode estar 12 anos sem ser aumentado.
Um jornalista não pode ser uma ferramenta comercial dos patrões.
Um jornalista tem que ter dignidade e a dignidade depende em dois terços e meio do indivíduo e meio terço do meio onde está incrustado.
Não sei se os números são estes, mas para mim é o que são.
Um jornalista enfrenta muitas ameaças, inerentes a ser jornalista, não precisa de provações de dentro da sua própria bolha.
Vim da “old school”, vivi nela, dentro dela, mas fui mais além, vivi as mudanças, a jornada, a viagem e este admirável mundo novo.
Sigo, caminhando.
Ser jornalista é ser-se jornalista.
Que bom que temos o mundo digital para nos facilitar a tarefa. Nós é que temos que saber compatibilizar essa ferramente, sem fim, com todos os pressupostos do jornalismo.
É este o desafio.
Fazer como fazemos é a lei-do-menor-esforço.
Que bom que temos cada vez mais jovens jornalistas a serem colocados no mercado de trabalho. Em condições inaceitáveis, alguns, mas não todos.
Ainda bem que há miúdos que querem ser jornalistas.
Ainda bem que vamos para a guerra, para o futebol, para a manifestação, para os confrontos, para os caixotes do lixo dos comentários nas redes sociais, ainda bem que Donald Trump nos expulsa das salas e os tiranos nos tentam abater a tiro.
Ainda bem, porque estamos vivos, porque somos vitais, cada vez mais e mais, nas sociedades democráticas.
Ainda bem, porque tendo vivido tudo o que já vivi tanto ainda tenho para viver. Ver. Escre-ver.
Passam hoje 25 anos, desde o primeiro momento.
Fazia tudo igual, outra vez!