UMA LONGA HISTÓRIA DE AMOR
São cinquenta anos, não são cinquenta meses, nem cinquenta semanas, nem cinquenta dias.
Há cinquenta anos aquela miúda, com cara de miúda, rosto desenhado por um esquadro perfeito, sorriso só seu, vestida de branco, o branco que só as noivas sabem usar, entrava na igreja, para percorrer um caminho quase eterno.
Arrisco, eterno.
Há cinquenta anos aquele miúdo, com cara de miúdo, rosto desenhado por um esquadro perfeito, sorriso só seu, vestido de preto, o preto que só os noivos sabem usar, flor na lapela, esperava por ela, junto ao altar, para percorrer um caminho quase eterno.
Arrisco, eterno.
Os dois.
Apaixonados.
Duas vidas que se fundiram, eternas, naquele dia de sol.
Arrisco, eternas.
Hoje aquela miúda e aquele miúdo fazem cinquenta anos de casados.
A minha mãe. O meu pai.
Pela mão do meu avô, que não era meu avô, era padrinho, o homem que me criou, pela mão daquele homem alto, cabelo branco, imaculado, ela entrou na igreja e foi a mão dele que entregou a mão dela, para sempre.
Os convidados, poucos, olharam para trás, quando a música ecoou.
Vem aí a noiva!
À porta da entrada da igreja o mais belo quadro que o homem alguma vez pintou.
A minha mãe, mão dada com o meu avô.
Toca a marcha nupcial.
Os passos são lentos, cadenciados.
À medida que a noiva passa, pelo centro da igreja, passadeira vermelha, as cabeças vão rodando.
O tributo à beleza, ao amor.
A minha mãe, que ja me levava dentro dela, grávida de um mês, dezasseis anos de idade.
O meu pai quase dezanove.
Dois miúdos e eu.
Foi o meu primeiro casamento.
Tudo o que sei foi-me contado, fotos, conversas, confissões.
São cinquenta anos.
Uma vida toda, uma vida que tudo fez para os separar, uma vida que perdeu o jogo.
Eles hoje fazem cinquenta anos de casados e, se não conseguiste até agora, deita a toalha ao tapete, porque eles são eternos, “jamais o homem conseguirá separar aquilo que o amor uniu”!
É o amor que une.
Depois veio a tropa, o trabalho lá fora, os meus dois irmãos que morreram, pequeninos ainda, veio o meu irmão Ricardo, que deu brilho à nossa vida, vieram os meus filhos, os netos dos noivos, a felicidade de os meus pais voltarem a ser pais, de novo, veio a reforma, veio tudo por aí fora, sem nunca perderem aquilo que o amor empresta às almas boas, a união, mesmo nos momentos de desunião, o carinho, mesmo nos momentos de revolta, os sorrisos, mesmo nos momentos de lágrimas.
Nunca esperei ver os meus pais celebrarem cinquenta anos de casados.
É, por isso, hoje, um dos dias mais felizes da minha vida.
A minha mãe não vai à Grécia, como era o seu sonho, nem voltará a vestir o vestido branco - mãe, nesta idade nem fica bem -, o meu pai não vai voltar para o Ultramar, nem vai voltar “lá para fora”, para ganhar a vida, porque em tudo o aquilo que não nos corre bem, na vida, há sempre qualquer coisa que envolve o nosso coração, o amor.
Nada disso vai acontecer, porque um dia alguém terá escrito que era assim que ia ser.
O que vai acontecer, eu sei, o que vai acontecer é que vão viver juntos, para todo o sempre.
Alguém o escreveu, não fui eu. Jamais tería essa ousadia.
O Rodrigo, a Maria, o mano e eu temos tanto orgulho em vocês, que perdi a vergonha para vos dedicar este texto, e mostrar a toda a gente, escrito com os olhos molhados, rasos de Lezíria, como escreveu o poeta, a nossa Lezíria, a planície que nós viamos da varanda da nossa casa, para lá do rio, um amor de perder de vista, como o vosso.
Tenho a certeza que hoje o "Gu" vai marcar mais um golo. Por vocês. Para vocês. Mais um.
Já viram que o meu filho já vos dedicou mais golos do que a mim?
Já viram que a minha filha olha para vocês com uma ternura em nada igual da que olha para mim?
Como eu gostava de ser assim, quando crescer, como vocês, dignos da admiração profunda daqueles que vos amam.
Eu não vi o casamento dos meus pais, mas estive lá, porque a minha mãe me levou com ela, dentro de si e, isso, isso é qualquer coisa de brutal, mágico, ligou-nos para sempre um ao outro.
Eu não vi, mas a minha mãe e o meu pai também não viram que, nesse dia, eu estava a sorrir.
Como agora.
Jamais “o homem conseguirá separar aquilo que o amor uniu”!
Até à eternidade.