O QUILÓMETRO 35 - SOBRE CORAGEM - (DIA 92 DA MARATONA)
(Foto: Francisco Cunha Cerca)
Esta semana apanhei um vídeo, nas redes sociais, que me levou até Berlim, Setembro do ano passado.
O vídeo tem apenas três minutos.
Durante três minutos voltei a sentir tudo o que senti naquela manhã de domingo, as lágrimas, os sorrisos, as dores, os tremores, o desespero, a esperança, a crença, a união, a amizade, o amor.
Antes de continuar, para perceber melhor aquilo que escrevo, aquilo que senti, aquilo que sentirei, para sempre, porque aquela manhã de domingo será eterna, para se colocar no meu lugar, prometo que não lhe passo as dores, mostro-lhe o vídeo, depois continuo.
Não sei se reparou, mas estamos no quilómetro trinta e cinco desta longa corrida, demorada, como foi a minha primeira maratona.
Mas, tal como aconteceu em Berlim, aquilo que me prometi, aquilo que prometi a alguém, o compromisso, será até ao fim e já faltou mais.
Faltam apenas sete quilómetros. Apenas?
É este o ponto forte desta crónica, quando mil metros parecem cem mil, quando um passo parece um pesadelo, pesado, muito pesado, quando as ideias ficam lá para trás, quando aquilo que mais queremos é chegar, abraçar, sorrir, porque no fim, nas horas seguintes, não dá para muito mais.
Nas horas seguintes dá para conhecer o purgatório, um sítio algures entre o bem e o mal, entre a dor e o prazer.
O vídeo que acabou de ver levou-me, de novo, a Berlim.
Menos gordo, menos pesado, se calhar, melhor preparado, em relação ao homem que desespera, eu revi-me neste vídeo.
Eu passei por aquilo.
Eu passei por aquilo, sabendo que aquilo me ia acontecer, mas por muito preparado, sobretudo, mentalmente, que estejamos, nunca imaginamos aquele momento, aqueles momentos, onde tudo se confunde, onde tudo parece ser um abismo sem fim, onde nada acontece por acaso, porque nada acontece por acaso.
Tal como aquele homem gordo, pesado, se calhar, mal preparado, eu também tive o incentivo de muita gente, durante a corrida.
As pessoas que assistiam à corrida, os voluntários oficiais, a família, alguns amigos, eu tive o apoio que aquele homem teve daquele voluntário.
Mas eu tive mais.
Tive os meus dois parceiros durante todas aquelas horas, a meu lado, a levarem-me desde que começou até que acabou.
Sem eles não creio que tivesse acabado.
Por isso, se voltar a ver estes três minutos, deste vídeo, vai perceber, em definitivo, o real valor de muitas das palavras que costumo usar quando escrevo sobre as corridas.
Mas, uma dessas palavras acompanha aquele homem gordo, pesado, se calhar, mal preparado, ela acompanhou-me durante aquelas cinco horas;
coragem.
A coragem ao alcance de quem acredita em si, de quem acredita nos outros, de quem quer alcançar.
Eu alcancei.
Aquele homem gordo, pesado, se calhar, mal preparado, também alcançou.
Gostava de o conhecer.
Gostava de debater a superação, gostava de ouvir o som da sua vez e, no fim, dava-lhe um abraço, como aqueles que dei, no fim, em Berlim.
Abraços sérios.
Para milhões de pessoas correr uma maratona é nada, fácil, chegam a ter prazer todo o tempo.
Para milhões de pessoas correr uma maratona é tudo.
Para mim foi ir do céu ao inferno e voltar.
Sim, eu fui e voltei!
Entrámos no quilómetro 36!