CHEIRA BEM, CHEIRA A BERLIM... ( DIA 45 DA MARATONA )
Foi uma viagem incrível.
No domingo tinha marcado o meu penúltimo treino longo, antes da “Big One”.
O que é um treino longo?
É isso, um treino longo ( agora escrevia lol ).
É o treino que conclui a semana dureza.
Os últimos acontecimentos - que são públicos - mexeram imenso comigo, com a minha cabeça, sobretudo.
No domingo saí para correr duas horas e meia, com o meu amigo no meu pensamento.
Levei-o a cada passada.
Só que cometi um lapso.
Estava tão atordoado com os acontecimentos que baralhei o calendário todo.
Corri duas horas e meia, quando o treino era de três horas (o único com essa duração, nestes oito meses e meio).
O treino de três horas serve para - além de carregar quilómetros nas pernas - testar o que está para vir.
Fiquei satisfeito, o treino correu bem, pior foi quando cheguei a casa, por volta da meia noite, e fui registar o treino no mapa dos mesociclos.
Afinal, devia ter corrido três horas em vez de duas horas e meia.
De imediato enviei um email ao meu treinador, em pânico, até porque o treino de domingo que vem, o último longo, antes das duas semanas de descompressão que antecedem a maratona, tem a duração de duas horas.
Que não me preocupasse, fazia dois treinos de duas horas e meia - o de domingo passado e do próximo - em vez do treino das três horas.
Só que eu sou de vergar, mas não partir (uso imenso esta expressão) e já o informei que foco é foco, objectivo é objectivo e que, se havia um único treino de três horas para fazer e eu me enganei, então esse treino será feito.
Domingo gordo, pois claro. Até treme!
Posto isto,
É desconfortável correr mais do que duas horas, aqui na minha zona.
Não há condições.
Lamento, mas não há.
Os políticos de Vila Franca de Xira - a minha terra - e os políticos de Samora Correia - freguesia onde habito - não querem saber de quem faz desporto. Assumo, digo-o, é verdade!
Para correr duas horas, pelo menos, tenho que ir para Lisboa.
Gasto dez euros de gasóleo, mais portagens, acrescentando isso aos quatro ou cinco géis que tenho que tomar durante a corrida, mais duas ou três garrafas de água que tenho que beber, sai-me um treino ao preço do ouro.
Agradeço-vos, senhores políticos do PS e da CDU, neste caso, porque os outros também não me convencem.
Mas, não é sobre política que escrevo.
Deixei o carro no parque de estacionamento junto à casa dos Bicos ( vá lá, deixem-se de pensamentos obscenos ) e saí para correr duas horas e meia.
Como sei os meus ritmos, as reacções do meu corpo, sobretudo o estado actual do meu corpo, apontei para os vinte e quatro quilómetros.
É verdade, com estes treinos acima dos vinte um quilómetros - quem diria - já contabilizo, juntando as provas oficiais, nada mais nada menos que quinze ( 15 ) - até sublinho com número - quinze meias-maratonas.
Digo-o com imenso orgulho em mim.
Dizia eu, saí da Casa dos Bicos, do Saramago, fui em direcção aos Cais do Sodré, sempre junto ao rio, o Tejo, que mesmo em Lisboa, onde se funde com o mar, em definitivo, continua a ser o meu rio.
Segui para Santos, passei o Padrão dos Descobrimentos, depois a Torre de Belém, linda.
Observei - abrandei para ver - o monumento aos Combatentes, mais à frente a fantástica Fundação Champalimaud. Detive-me a olhar o Boat Yard da Volvo Ocean Race, à esquerda, e as janelas dos prédios, sem cortinas, à direita.
Pudera, até eu... com uma vista daquelas sobre o Tejo, até eu!
Já para lá de Algés, fiz os dois últimos quilómetros da primeira metade da corrida numa zona com muito pouca gente, quase nenhuma. De um lado o rio, do outro a linha do combóio, e eu.
Pensei, porra, agora tenho que fazer tudo para trás.
E fiz.
E cheguei.
E senti-me feliz, com o que fiz, com o que vi - e que contarei em outro texto.
Senti-me tão bem, ao longo daqueles vinte e quatro quilómetros, um pouco por culpa da paisagem, dos bares a bombar a um domingo a noite, por causa das pessoas que se divertiam e das que corriam aquela hora, tantas e tantas.
Diverti-me brutalmente, sózinho. Sempre sózinho, que até a correr sou bicho do mato.
Quando comecei a correr levava o meu amigo no pensamento.
Depois, a corrida entra numa fase estratégica, de controlo da respiração, do ritmo, das dores nas pernas.
Comecei de dia e quando cheguei ao ponto de retorno já era noite.
Só no fim reparei que me tinha enganado no treino.
Fiquei fulo.
Decidi fazer o tal treino das três horas no domingo que vem.
Fiquei tão fulo que me vinguei num Big Mac, com batatas médias e uma Fanta.
Fanta que pariu isto tudo !
Domingo volto lá, sem medos.
Porque quem tem medo compra um cão e, que se saiba, a minha Alice é uma gata.
Está quase, já cheira a Berlim !
( O próximo texto, mais logo, vai descrever a minha corrida. Garanto que não vou falar sobre como corri. Vou falar de tantas histórias que se podem contar numa corrida de duas horas e meia. Fica a promessa, porque aquela noite foi mágica)