Dia 48
19/11/2016
Sobre coisas do Arco da Velha...
Alice abeirou-se da cama, subiu para as minhas pernas, sentou-se e disparou à queima-roupa:
-“Porque é que gostas dos teus filhos?”.
Convidei-a a ficar, enquanto ganhava tempo para formular um pensamento.
Alice olhava-me com ar sério.
Tentei fintar e ganhar superioridade numérica.
-“Alice, que pergunta é essa...”, não me deixou concluir.
-“Eu olho para vocês, observo, nos intervalos das minhas ocupações, que sou uma gata ocupada...”, não a deixei concluir.
-“ A tua mãe, Alice, é por isso que perguntas, para tentar perceber que depois do sol vem a chuva, mas logo aparece uma brisa morna, os ciclos, é por isso que perguntas?”.
-“Também, mas sabes, eu ainda ando a aprender a vida”, não a deixei concluir.
-“Alice, não sou a pessoa mais indicada para te dar uma resposta, afinal, se olhas para nós consegues perceber a imperfeição que sou. Também eu ando a aprender a vida”.
-“Mas isso não te impede de tentares ser todos os dias alguém melhor do que foste no dia anterior, melhor contigo, com os outros, olha, melhor, comigo”.
- “Isso. É isso que me conduz todos os dias, o meu caminho é apenas um, os meus filhos, sempre eles, e tu, Alice, já és a nossa menina, dos quatro”, não me deixou concluir.
- “Mas, tu não me amas como amas os teus filhos?”.
- “Não, não, Alice, mas não és só tu, nem eu me amo assim.
Já sei, finalmente, (espero estar correcto, desta vez) porque me perguntaste porque é que gosto dos meus filhos".
-“Fi-lo, perguntei-te, porque vos observo e queria perceber. Aqui, com vocês sinto-me bem. Quero, por isso, entender-vos e, olha, vi uma coisa que foi o que me fez fazer-te a pergunta”, não a deixei concluir.
-“Eu sei, foi aquele abraço!”.
- “Foi, eu nunca tinha visto um gesto assim”, não a deixei concluir.
- “Nem eu, Alice. Nem nunca o tinha sentido, me sentido, assim”, não me deixou concluir.
- “Ele surpreendeu-te?”.
- “Todos os dias, sim, mas nesta noite tirou-me o chão”.
- “O que é que ele te disse?”.
-“Viste?”
-“Sim, estava na cozinha a observar-vos pelos vidros da porta”.
- “Então viste tudo?”.
- “Tudo”.
- “Quando entrámos em casa e fechei a porta ele virou-se para mim e disse-me: dá-me um abraço. Depois, abraçados, pediu-me desculpa, ao ouvido, sussurrou-me, o abraço tornou-se mais forte, um pai e um filho abraçados é um abraço forte, que não se destroi jamais e disse-me que me amava. Sussurrou-me ao ouvido.Respondi-lhe que o amava muito, que me orgulhava do ser humano que ele é, que estaria eternamente ao seu lado, para o ajudar”.
- “E depois?”.
- “O abraço pareceu-nos sem fim”.
- “Vês, a minha pergunta fazia sentido”.
- “Nunca disse que não, mas não tenho uma resposta para te dar. Às vezes acontece-me”.
- “O que é que aconteceu, mesmo, entre vocês os dois?”.
- “Nada de especial. Pai e filho. Coisas de adolescentes e de adultos. Coisas de amor e de carácter”.
Coisas do Arco da Velha, digo eu!