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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

01.11.16

ALICE BY MARIA


The Cat Runner

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Dia 32

01/11/2016

 

Pela mão de Maria...

 

Faz hoje um mês.
Um mês de muita brincadeira, um mês de muito carinho, um mês de aprendizagem, de menos 15 minutos de sono para tratar da Alice, de mais uma (boa) responsabilidade, mas acima de tudo, um mês de muito amor. Apaixonei-me por ela desde o primeiro dia em que a vi na berma da estrada, toda suja, a cheirar mal, cheia de ramelas nos olhos e fraca do pouco peso que tinha.
Decidi que me cabia a mim fazer com que fosse feliz, dar-lhe uma vida melhor.
Um mês depois corre pela casa, morde toda a gente, sobe para as cadeiras e fica lá sentada a observar !
Um mês depois já não me deixa dormir, enquanto me lambe a cara, com a sua língua áspera, e um mês depois já nem deixa a mãe ver séries no iPad!
Agora, a Alice está gorda ! Está ativa ! Está apaixonada por nós, tanto como nós estamos por ela, desde o primeiro dia.
O pai não gostava de gatos.
Nem nunca lhe passaria pela cabeça que fossemos ter algum cá em casa.
No dia em que a encontrei e levei para casa da avó, liguei-lhe a contar o que se passou.
Ele disse que ia ver.
Quando lhe mandei uma foto, babou-se!
Umas horas depois, eu estava numa festa e a mãe ligou-me.
Achei estranho, liga-me sempre antes.
Perguntou-me se tinha visto a mensagem do pai.
Dizia que podíamos ficar com a Alice, apenas pela minha atitude.
Agora, quando acorda sozinho em casa, leva-a para a cama dele.
Quando entra em casa, fala-lhe sempre primeiro a ela, antes de falar a mim, a mãe ou ao mano!
Estamos todos apaixonados por ti, gordinha ! Muito !
Fazes-nos felizes.
 
 
01.11.16

ALICE PASSOU NO TESTE


The Cat Runner

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Dia 31

31/10/2016

 

Esta foto foi tirada há exactamente um mês.

Passou um mês.

O primeiro mês.

Alice chegou mandada pelo destino.

Faz hoje um mês e escrevia eu assim:

Alice é uma gata que não tinha nome, até ontem.

Alice já tem um nome, a partir de ontem, e o facto de eu afirmar que é “a gata sem nome”, serve apenas para marcar o antes e o agora. O futuro.

A minha relação com gatos era estranha, não era má, mas os gatos encostam-me à parede. Eu acho, paranóia minha, que os gatos têm todos um olhar familiar, gestos e reacções familiares e isso quase que me assusta.

Chego a pensar que são reencarnações.

Por isso sempre me opus à vontade dos restantes habitantes deste pequeno país que é a minha casa.

A minha filha sempre quis ter uma gata, ela quer ser veterinária.

Estava fora de questão.

Acontece que no dia 30 de setembro, sexta feira, um miúdo encontrou uma gata à porta do liceu, em Vila Franca de Xira.

Ela estava a morrer.

Não o deixaram entrar, com a gata, na escola.

Nesse instante, a minha filha vinha a sair, com a Ana Carolina, e ficou, literalmente, com a gata nos braços.

Não conseguiu deixar a gata no passeio.

Eu também não conseguiria, embora haja quem o tivesse feito.

Sabendo que a minha relação com gatos é estranha, Maria decidiu, por si, procurar ajuda para tentar salvar a gata, que não conseguia sequer caminhar, suster-se em pé. Tinha um olhar triste.

Mal entraram numa loja, com consultório veterinário, e ma pousou a gata no balcão, quase não conseguiu dizer: "encontrei esta gata na..." porque imediatamente alguém lhe disse, sem mais: “nem pensar!”.

Correram mais uns sítios e foram finalmente atendidas na Xira-Vet, uma das clínicas da cidade.

A gata sem nome estava salva.

Tudo ia ser diferente, daqui em diante. Para elas e para mim.

Tudo isto me chegou depois.

Estava eu a leste desta história tão bonita, quando recebo um telefonema:

“Pai, preciso de falar contigo, um assunto sério”.

Assustei-me.

Ela contou-me a história toda.

Tocou-me, muito, mas não dei parte fraca.

Se já falaste com a mamã, então deixa a gata na avó e depois tomamos uma decisão”, arrumei o assunto.

Mas, mal desliguei o telemóvel já estava decidido.

Mais ainda, depois de receber umas fotografias por sms.

Uma atitude como aquela, sem que houvesse qualquer tipo de manipulação, tinha que ser premiada, encorajada, mas acima de tudo respeitada e sublinhada, porque eu senti orgulho imenso no tamanho do coração dela.

À noite mandei um sms à minha filha, que me tinha enviado tais as fotos da gata sobrevivente, no seu colo.

Não tive coragem.

“Ok, por mim ela será bem-vinda”.

A alegria com que a Maria recebeu a notícia vai fazer com que daqui a muitos anos ela se lembre do que fez, do seu próprio exemplo. E, isso é impagável.

No veterinário foi-lhe então dito que Alice tinha pouco mais de um mês e que o facto de ter sobrevivido até chegar aos braços da Maria foi um milagre.

Como se sobrevive com um mês de vida, sózinha, na rua, à mercê de tudo, sem comida, sem carinho?

Ela sobreviveu, e é um exemplo que me entrou casa dentro.

Chegou ontem cá a casa.

Fraquinha, assustada, olhos inflamados, imensas peladas, cambaleante, com fome, mas com laivos dourados-sol, entre o pêlo escuro, uma expressão que me conquistou, mal a vi pela primeira vez, com um andar elegante, apesar de tudo, como se exige a uma gata bonita, sim, porque Alice é bela.

Há muita beleza nos olhos dos sobreviventes.

Eu guardo os exemplos de sobrevivência.

Sigo-os.

Demos-lhe o nome de Alice, porque as senhoras da casa decidiram que tinha que ser nome de pessoa.

Alice tem o som "cssssssssss", de Alicsssssssssssse, e dizem que os gatos gostam. E as gatas.

E, o facto de Alice ter aqui chegado não foi um mero milagre, foi um sinal. Para todos nós.

A sua história merece ser contada, porque ela é mais que uma gata, é a Alice, a gata que já tem nome.

Quando Alice fizer um ano de vida connosco, dia 1 de outubro do ano que vem, a história será concluída.

Até lá será contada todos os dias.

Hoje, pela primeira vez em 24 horas, Alice deitou-se na cama que é só dela.

E, eu não lhe consigo resistir.

Acho que nos vamos entender muito bem.

Esta é a história de “Alice”.

Esta é a nossa história.

Porque aqui amamos a vida e o bem.

Foi isto que escrevi quando soube que ia ter mais um ser vivo dentro de casa.

Porque aqui amamos a vida e o bem, Alice por cá ficou, cresceu, cresceu muito, e não foi só fisicamente.

Tornou-se um membro da família.

Hoje, enquanto está a ler  este texto é dia um de novembro.

O primeiro dia de Alice cá em casa, na verdade, um mês depois.

Aqui está ela, a meu lado, a tocar-me com a pata, acredito que está a fazer-me festas, ternura.

Gostava que fosse a Maria a escrever essa página, fazia sentido, pedi-lhe, mas a Maria, tal como o Rodrigo, são dois jovens cada vez mais ocupados com as coisas da vida deles, os amigos, as saídas, os namorados, etc, que isto de ter uma gata alto lá!

Expliquei-lhes que há tempo para tudo, até para um dia terem saudades daquilo que não escreveram.

Mas, eles são assim, como os miúdos, um dia vão entender que os namorados (que mudaram entretanto), os amigos (que não são para toda a vida), a amizade e as saídas (que não é o amor, nem o quene da lareira), jamais voltarão, mas é a sua opção.

Sim estou amargo com eles. Tenho muita pena que não tenham a noção de que o tempo que passa, não vem atrás, passou.

Tenho saudades de entrar em casa e virem a correr para os meus braços: "papá, papá..."

Não creio que eles tenham saudade de alguma coisa, a não ser de ontem, do jantar de ontem, do namorado de ontem, da amiga de ontem, não creio, mas é um problema deles.

Que aprendam por si, mesmo quando já for muito tarde.

Tal como com Alice, muito giro no início, mas depois a vida continua e alguém há-de tratar de Alice que eu preciso de mais cinco euros para ir tomar café.

É por isso uma homenagem, aquilo que aqui deixo, a Alice.

Uma homenagem a Alice que é cada vez mais feliz e, ainda assim, apesar de tudo, uma homenagem à Maria que salvou Alice e, uma homenagem a mim, que tenho uma paciência do caraças, para Alice, para o resto, tenho mesmo, mas cada vez menos, muito menos.

A Maria não tem vagar para escrever sobre Alice, a gata que é dela, eu continuarei a escrever, tal como prometi a Maria.

É que Alice também já é minha.

 

01.11.16

AS SAUDADES DE ALICE


The Cat Runner

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Dia 30

30/10/2016

 

Sobre partidas e chegadas...

 

Um dia irei embora.

Alice obrigou-me a alterar um dos hábitos que mais prazer me dava;

Sentar-me no sofá, colocar o computador no colo, e escrever, com as pernas esticadas, em cima da mesa branca.

Por causa dos passeios constantes, à falta de coragem em mandar Alice para a cozinha, adaptamos as circunstâncias, mudo-me eu.

Mas, um dia hei-de ir-me embora. Tal como Alice fez, um dia. Foi embora. Mandaram-na embora.

Um dia...

Assim, dou comigo, qual escritor a sério – que eu sei que eles escrevem à mesa – sentado numa das cadeiras da sala, na mesa de jantar, a escrever.

Pensei, talvez desta forma Alice se distraía com outra coisa qualquer.

Alice distrai-se com uma simples folha de papel embrulhada, a fazer de bola, passa um dia inteiro assim, se for preciso.

Enganei-me.

Menosprezei a inteligência de Alice.

Pois bem, com uma tecla do computador estragada, com os senhores lá em baixo a jogar ténis, com as exclamações audíveis: “caramba, pá, foi ponto”, com os menino fofinhos do condomínio – se calhar com instruções expressas dos papás – a sujarem-me a porta de casa (tiveram sorte, senão soltava-lhes a Alice e arranhava os putos todos), com coisas non- sense do Halloween, (hei-de fazer uma ronda para ver quantas portas sujaram os meninos dos papás, só para tirar umas dúvidas), com os chinesinhos no baloiço a gritarem felicidade histérica, dei comigo sentado à mesa a escrever.

Eu é que tive que me mudar.

Um dia piro-me.

Dá um ar mais solene à coisa, é um facto, estar a mesa a escrever.

Mas, é bastante mais desagradável, pelo menos, creio, até se-lhe ganhar o jeito.

Uma coisa evito, que Alice se torne um obstáculo à minha escrita, até porque aquela questão da tecla “T” ainda me está atravessada.

Neste quadro, neste contexto de improvisações, é fácil perceber que, em trinta dias, é esse o tempo que Alice está connosco, tive que alterar algumas coisas, logo eu que só gosto de alterar a minha vida, quando decido, nunca por causa de outros, é a pior coisa que me podem fazer. Ou das piores, vá.

Uma das coisas que alterei, foi então, o local onde escrevo.

Safo, pensei.

Mas, não.

Bastou-me ouvir aquele barulho característico de umas unhas a rasparem numa cadeira, por ali abaixo, para perceber que Alice voltava a atacar.

Há trinta dias, Alice estava prestes a entrar nas nossas vidas, sem pedir autorização sequer, trinta dias depois, Alice já é uma menina, com feitio próprio, com manias próprias. Bastou ouvir as unhas a raspar na cadeira, para ficar com essa certeza. Basta vê-la e à sua alegria e ternura todos os dias. Não engana.

Alice estava ali, imóvel, em cima das costas da cadeira, em frente a mim, sentada, claro, que ainda assim aquilo é uma cadeira, a observar-me.

Alice é inteligente, percebeu que se tentasse uma pequena aproximação sequer, era corrida dali.

Então, ficou a ver. Até que eu desse um sinal de vida.

A foto apanhou-a já a descer, mas pouco depois lá voltou.

Agora, criou um circuito, sobe para as cadeiras, procura a cauda de vez em quando e roda sem parar atrás dela, salta para cima da mesa de jantar, depois para cima da fruteira gigante, aproveitou até para rondar o cesto da roupa passada a ferro que, agora, sem que eu perceba porquê, passou a estar na sala, duas vezes por semana.

Qualquer dia emigro, que esta casa está a deixar de ser o que era.

A sério, qualquer dia emigro mesmo, assim me apareça uma oportunidade, embora me pareça cada vez mais que, como não tenho amigos de almoçaradas, nem nunca lambia botas a ninguém, que o meu prazo, dizia, esteja a passar.

Mas, qualquer dia vou.

Estou cansado de viver com o mesmo ordenado há onze anos, cansado de não ver reconhecido o meu caminho profissional, cansado de ver carreiras feitas à base de amizade, prejudicando sempre os outros, cansado de notícias que me dão vergonha de ler e às vezes de fazer, começo até a ficar cansado da desarrumação que começa a aparecer cá em casa, mas esta será talvez aquela situação que, no meio do meu cansaço mais saudades terei. Se me fosse embora.

Pelo menos iría ter um sítio para escrever, sem que me incomodassem.

Tirando as saudades, que essas incomodam.

Também as saudades de Alice.

Só me faltava mais esta.