ALICE CONVENCEU-ME
Dia 23
23/10/2016
Coisas de afectos…
Pela primeira vez percebi aquela história de o(a) gato(a) ser uma companhia.
E, percebi-o, a ponto de sentir saudades dessa companhia.
Foi a segunda vez que aconteceu, Alice ir para a sala, para junto de nós. Na véspera adormeceu ao colo da dona mais velha, entre a capa do iPad e o próprio iPad.
Era de elementar pertinência Alice ir ter connosco à sala, no dia/noite seguintes.
Assim fez, Alice já compreendeu que se a porta da cozinha está aberta é para que ela por lá possa passar.
Sacana da gata, inteligente gata, que sai da cozinha, visita os quartos, cumprimenta os miúdos, certifica-se que não há adultos no quarto grande e volta à sua vida, ora regressa à cozinha para dar uma corrida curta e louca, ora vira à direita, para a sala.
O ritual é único.
Vem até à porta, baixa-se, coloca-se em posição de ataque, caminhando, como que a mostrar-se corajosa. Chega à porta da sala, encosta-se, vai indo até ao sofá. Só depois coloca a cabeça de lado e espreita.
Daí a uns segundos está a saltar para cima do sofá, atacando ferozmente as minhas mãos., como que vinda do nada.
Pela primeira vez, depois desses ferozes e doces ataques, Alice ficou.
Eu já estava sozinho, nessa altura, toda a gente tinha ido dormir. Em teoria, Alice ia ali, mordia-me as mãos, corria e depois das boas-noites ia à sua vida.
Mas, enganei-me, e esse engano mexeu comigo.
Alice, em cima do sofá, junto às minhas pernas, parada, sentada, descontraída, a ver televisão.
Senti-me, pela primeira vez, com uma companhia nova, a qual já não dispenso, a qual me provoca saudades e ternura. Jamais ficarei sózinho, tenho a certeza.
Não pense que isto durou muito tempo. Durou uns cinco minutos, esta pausa. A seguir, Alice voltou, literalmente, a andar à roda, a tentar apanhar a cauda – e já consegue -, ou a saltar para o meu peito para me vincar os dentes que mais parecem agulhas de acupunctura.
Houve aqui qualquer coisa. Eu e Alice. Sentiu-se aquele momento, ternura, silêncio, toque.
O mais curioso é que, quando cheguei a casa, à noite, depois de vir da televisão, enquanto esperava que o portão do condomínio se abrisse, dei de caras com algo anormal.
Uma gata. Preta. Grande. Adulta. Uma mancha amarela na pata. Uma mancha amarela na cabeça e junto aos olhos. Uma mancha amarela na cauda.
Estava encostada ao portão, do lado de fora, como que à espera que alguém aparecesse, para que entrasse dentro do condomínio.
Eu já vou habituado aos repentes dos gatos.
Parei o carro, enquanto o portão abria. O barulho do portão afastou-a.
Na minha cabeça um rasgo, lá dentro.
Esta gata é…
Não, não é, convenci-me.
Ainda agora, que escrevo, ainda agora sinto que aquela gata poderia ser a mãe de Alice.
estaría à procura dela.
Que raio, uma mãe não abandona uma filha.
Que raio, os gatos não são humanos, se calhar abandonam, se calhar sentem remorsos, apenas saudades que apertam o coração. Se calhar...
Se calhar nem era a mãe de Alice, embora os sinais...
Eu não sei o que é separar um filho de uma mãe.
Mas, prometo, em nome de Alice, escrever sobre isso.
Aqueles cinco minutos mágicos, com ela sentada junto a mim, só os dois, foram tão inundados de ternura, tão só nossos, que tenho a certeza, fosse ou não, aquela gata, mãe de Alice, Alice quis dizer que precisava de um abraço.
Ou apenas de cinco minutos mais felizes, no sofá da sala.
Depois, encaminhou-se para a sua cama e foi descansar.