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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

23.10.16

OS SINAIS DE ALICE


The Cat Runner

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Dia 22

22/10/2016

 

Sinais...

 

Alice tem um comportamento padrão, como qualquer gato e, como qualquer gato, muito desse comportamento vem da sua própria personalidade.

Deitei-me, salve seja, a adivinhar o que lhe passará pela cabeça.

Quando ela ronrona, quase em silêncio, sente-se pela respiração, é sinal que está feliz. Às vezes Alice ronrona.

Andei a ler umas coisas e, fiquei a saber que, quando os gatos, Alice já o faz, começam a passear colados às pernas estão, imagine, eu não imaginava, a libertar odores só perceptíveis aos outros gatos.

O meu dono é meu!

O recado vale para todos os gatos, os que não temos e os que passeiam pelas redondezas.

Às vezes sinto-me aflito, por momentos, como quando Alice se senta a olhar fixamente um qualquer ponto. O ar felino. É daí que deve vir. Alice nunca caçou, mas o instinto nasceu com ela.

Como qualquer gato, Alice dorme longos sonos. Passa quase dois terços do dia a dormir.

Sente-se segura, aproveita ao máximo. Na rua, não sei se alguma vez Alice dormiu descansada.

Alice, várias vezes, em determinados momentos, mete as orelhas para trás. Fica realmente assustada. E, assusta-me mais ainda, relativamente, porque ainda é pequena, quando fica com o pelo eriçado. Ela sabe que ganha uma dimensão física maior.

Há dias cortou as unhas e ficámos a pensar que as constantes mordidelas que nos dá, quando brincamos com ela, pudessem ser por causa disso, por não ter unhas.

Menos uma defesa, e a defesa é o melhor ataque.

Como a águia que passa cem anos na rocha, a raspar as unhas, que caem, que renascem, que lhe dão asas, de novo, e ela vôa.

Alice verá nos nossos pés, ou nos nossos dedos das mãos, uma presa, e ataca, com tudo o que tem direito. Por vezes avança rápido, chega ao pé do alvo, e dá meia-volta.

Alice, no fundo, passa a vida a enviar-nos sinais.

É que ninguém gosta de ser incomodado enquanto descansa e eu incomodo-a sempre que entro na cozinha. faço questão disso.

A atitude de Alice, normalmente, passa por se esconder debaixo de qualquer coisa, quando se sente ameaçada, ou porque um de nós voltou para trás, ou porque se levantou do sofá e fez mais barulho. Bendita a hora em que escolheu os bunkers da cozinha, porque li eu, se tiver medo a sério, se não tiver por onde fugir, ataca, mesmo. É raro.

Alice faz ataques, mas são ataques fofinhos.

Uma coisa também reparei, quando Alice vai para trás dos livros, numa das estantes, e a “mando” sair, com voz grossa, ou se teima em se esconder debaixo da cama, ela sabe quando é repreendida. Sai de onde está e, invariavelmente, vai para a sua cama cor de rosa, até que tudo “acalme” outra vez.

Alice acalmou – por curtos momentos – ao vigésimo segundo dia cá em casa.

Acalmou estranhamente.

A vacina deita por terra qualquer teoria. Ressentiu-se. Andou calma demais. Esteve mais parada, mas agora já está louca outra vez.

O que ela não sabe é que nós andamos a aprender sobre ela.

Qualquer dia ofereço-lhe umas luvas e fazemos um sparring os dois, só para ela descarregar a energia.

É que não há vacina que lhe valha.

Nem para ela, nem para nós.

Começa a ser difícil resistir-lhe.

E, ainda bem!

 

23.10.16

VIAGENS NA MINHA TERRA


The Cat Runner

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Coisas de pensar...

 

Chega a uma altura da nossa vida em que começamos a olhar para dentro de nós e sentimos, pela primeira vez, de forma assim tão vincada, as marcas da saudade que vivemos.

A dona Emília tinha por hábito meter-me “no canto”, de castigo, só porque eu pisava a banana do lanche do João Gordo.

Havia um piano na sala da dona Emília, e uma mesa, ao canto, uma mesa castanha, quadrada, grande, enorme, cheia de papéis, lá atrás, atrás da mesa, espartilhada entre a parede, a cadeira da dona Emília.

A dona Emília foi minha explicadora, desde os quatro anos, ficava ali na rua do “Combóio”, mesmo ali ao lado do restaurante.

Hoje acho que é a sede de um partido de direita.

O “Combóio”, com acento, ainda continua a servir jantares e almoços.

A dona Emília morreu, entretanto, e nunca lhe disse os ensinamentos que me deixou, e a saudade.

Havia, ali daquele lado da rua, onde agora é uma loja de arranjos de roupa, a lojinha que vendia gomas, sugus, doces, chocolates Regina, grãos de café com recheio e quadradinhos de marmelada.

Do lado de lá da rua, nas pedras do passeio onde joguei o meu primeiro jogo de futebol, sózinho, mais marcas da minha passagm.

Imaginei o estádio só meu, naquela rua, só minha.

Só as minhas botas Xavi eram reais. Foi a minha avó que me as deu. As primeiras.

Futebol a sério jogávamos na rua de trás.

A rua ladeada pelo muro da linha do comboio e as traseiras do “Combóio”, da casa da dona Emília, do Foto Nunes, do Fortes sapateiro e do correeiro.

O correeiro é uma dessas marcas cravadas pela saudade que vivo.

Era ele quem nos dava a esponja, os trapos e as linhas, de onde nasciam as nossas bolas do jogo. O campo marcado, com  linhas amarelas. Se batia por cima do muro mais pequeno era fora.

Nos fins de tarde, quando a minha avó chegava da loja onde fazia e vendia cestos de verga e vime, comíamos donuts e víamos a Rua Sésamo. Eu e o “Nunes”, o neto da fotógrafa, viúva do fotógrafo.

Aos domingos via o Tarzan, a preto e branco, com a minha avó. Depois íamos os dois, de mão dada, rua fora, tomar chá com o doutor Franco Nogueira, com as irmãs solteironas, o com o doutor Pisiocchi.

Tudo isto numa rua, num floco de saudade.