ALICE É UM CÃO
Dia 20
20/10/2016
Coisas da corrida...
Alice, ai Alice, Alice, Alice.
Às vezes gostava que Alice fosse um cão.
Gostava que Alice corresse a meu lado, durante uma hora e pouco, enquanto brincávamos pelo caminho, como fazemos cá em casa.
Cá em casa eu não corro, só Alice corre quando lhe apetece, como eu, quando corro na rua, quando me apetece.
Eu começava numa passada lenta, ao fim de uns dois quilómetros acelerava um tudo nada, enquanto a ia observando, a meu lado, presa a mim pela trela.
Alice não se ia assustar com os carros, com os outros cães, com as pessoas, com os barulhos, com os repentes, do nada.
Depois parava e dava-lhe água, se ela quisesse.
Fazia-lhe umas festas e se calhar rebolava com ela no chão.
Acho que é o que lhe falta. Alice, às vezes, devia ser um cão.
Por exemplo, em vez de se barricar na cozinha, visitando o resto da casa assim como quem não a vê a passar, ela vinha para a sala mal a porta se abrisse.
Se Alice fosse um cão vinha ter comigo quando eu a chamava.
Bom, se Alice fosse um cão eu ia ficar preocupado durante a corrida, se estava a passar bem, se tinha sede, se estava cansada.
Ainda bem que Alice não é um cão.
Corri uma hora e cinco, dez quilómetros, sozinho, como quis, como gosto, sem preocupações. Imaginei-a a correr de uma ponta à outra da cozinha. Ela já não corre tipo uma flecha, agora corre a trote, ao longe parece um tigre em minúsculas.
Parei quando quis, fiz abdominais e pranchas, voltei a correr, sem preocupações.
Mas, uma coisa ficou a arreliar-me as ideias; eu hei-de correr com Alice.
Credo, pensei logo de seguida, Alice até pode não ter medo de nada daquilo que eu disse, pode correr a meu lado e brincar comigo, pode até aceitar a trela.
Eu, seguramente, eu é que não posso correr à velocidade dela e, não acredito que, em terreno livre, nas ruas, nas estradas, na charneca e na planície que Alice me desse hipóteses em termos de velocidade.
Também é certo que ela poderá abrandar o seu ritmo e deixar-me acompanhá-la, mas não creio, é inteligente demais.
Se eu, um dia, correr com Alice, iremos correr na Lezíria, onde às vezes eu corro.
Tenho a certeza que se um qualquer touro tresmalhado sair da cerca e correr atrás de mim, que a planície é campo aberto, não terei que me atirar para o riacho, como há dois anos.
Alice irá correr em potência máxima.
Eu irei a reboque, agarrado à bendita trela.