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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

21.10.16

ALICE É UM CÃO


The Cat Runner

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Dia 20

20/10/2016

 

Coisas da corrida...

 

Alice, ai Alice, Alice, Alice.

Às vezes gostava que Alice fosse um cão.

Gostava que Alice corresse a meu lado, durante uma hora e pouco, enquanto brincávamos pelo caminho, como fazemos cá em casa.

Cá em casa eu não corro, só Alice corre quando lhe apetece, como eu, quando corro na rua, quando me apetece.

Eu começava numa passada lenta, ao fim de uns dois quilómetros acelerava um tudo nada, enquanto a ia observando, a meu lado, presa a mim pela trela.

Alice não se ia assustar com os carros, com os outros cães, com as pessoas, com os barulhos, com os repentes, do nada.

Depois parava e dava-lhe água, se ela quisesse.

Fazia-lhe umas festas e se calhar rebolava com ela no chão.

Acho que é o que lhe falta. Alice, às vezes, devia ser um cão.

Por exemplo, em vez de se barricar na cozinha, visitando o resto da casa assim como quem  não a vê a passar, ela vinha para a sala mal a porta se abrisse.

Se Alice fosse um cão vinha ter comigo quando eu a chamava.

Bom, se Alice fosse um cão eu ia ficar preocupado durante a corrida, se estava a passar bem, se tinha sede, se estava cansada.

Ainda bem que Alice não é um cão.

Corri uma hora e cinco, dez quilómetros, sozinho, como quis, como gosto, sem preocupações. Imaginei-a a correr de uma ponta à outra da cozinha. Ela já não corre tipo uma flecha, agora corre a trote, ao longe parece um tigre em minúsculas.

Parei quando quis, fiz abdominais e pranchas, voltei a correr, sem preocupações.

Mas, uma coisa ficou a arreliar-me as ideias; eu hei-de correr com Alice.

Credo, pensei logo de seguida, Alice até pode não ter medo de nada daquilo que eu disse, pode correr a meu lado e brincar comigo, pode até aceitar a trela.

Eu, seguramente, eu é que não posso correr à velocidade dela e, não acredito que, em terreno livre, nas ruas, nas estradas, na charneca e na planície que Alice me desse hipóteses em termos de velocidade.

Também é certo que ela poderá abrandar o seu ritmo e deixar-me acompanhá-la, mas não creio, é inteligente demais.

Se eu, um dia, correr com Alice, iremos correr na Lezíria, onde às vezes eu corro.

Tenho a certeza que se um qualquer touro tresmalhado sair da cerca e correr atrás de mim, que a planície é campo aberto, não terei que me atirar para o riacho, como há dois anos.

Alice irá correr em potência máxima.

Eu irei a reboque, agarrado à bendita trela.

21.10.16

ALICE DESCONFIADA


The Cat Runner

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Dia 19

19/10/2016

 

Coisas que passam...

 

Alice está grande, está a ficar grande e bonita.

Já se destacam manchas em tons de mel, nas patas, nos olhos, aqui e acolá.

Eu pensava que os gatos cresciam mais depressa, como os cães, mas não, os gatos crescem mais lentamente, ou então é da minha vista.

É um pouco como com o perfume, por muito intenso que seja, nós quase não damos por ele, tal a habituação.

Comigo e com Alice passar-se algo parecido, talvez por a ver e estar todos os dias com ela, talvez por isso não dê conta de como e quanto ela cresce.

Ainda pouco passou de meio mês, desde que chegou e mudou tudo de alto a baixo.

As relações, os tons de voz, as reacções, Alice entrou vinda do nada e mexeu com quase tudo.

Os momentos em que brinca são mágicos.

Brinca sempre que alguém está na cozinha.

Pode ficar um minuto, dois, na cama, mas passado esse tempo, salta, dispara, corre, morde, dá toques com a pata.

Essa é uma das facetas mais deliciosas deste processo de conhecimento; quando Alice passa por um de nós e, como que a dizer que nem se dá conta de nós, dá-nos um toque com a pata, à sua passagem.

Outra coisa que me deixa espantado é a diferença de comportamento de Alice.

Quando está ao nosso colo, Alice aguenta uns segundos quieta.

Quando Maria pega nela, Alice fica-se, simplesmente.

Muda de comportamento.

Respeitinho é bonito.

Há outras facetas deliciosas, e outras que, porque ainda pouco vincadas demoram a libertar-se.

Alice, no mesmo segundo em que pula e brinca connosco, deita-se a fugir, esconde-se e fica a observar.

Alice ainda desconfia de nós.

Tem três ou quatro esconderijos, à vista de todos, onde se sente segura dos medos que nunca imaginou ter.

Apenas tem medo porque desconhece.

Apenas tem medo porque amar demora a aprender.

Apenas tem medo porque teve sempre medo.

Isso há-de passar.

Alice – a porta da cozinha está, agora, sempre aberta, quando há gente em casa – é uma gata que está a aprender a ser feliz, por enquanto no seu próprio espaço, onde já se sente segura, mas Alice ainda desconfia.

Ainda não é aquela gata que se passeia, connosco pela casa, enrolada nas nossas pernas. Ainda não. Alice ainda é uma criança.

E, é a parte que menos gosto nisto tudo.

A desconfiança de Alice.

Por muito que lhe diga que o mundo lá fora é que é perigoso, que cá em casa pode confiar em qualquer um de nós, Alice ainda é desconfia.

E, assusta-se.

Talvez isso passe.

Desde que continue a crescer, cada vez mais bonita, eu espero, eu posso esperar, todos podemos esperar.

Talvez isso passe.

Um dia, Alice vai confiar nesse mundo melhor.