ALICE E AS NOTÍCIAS
Dia 17
17/10/2016
As notícias...
Às vezes, durante o dia, dou comigo a pensar em Alice.
Às vezes penso no que estará a fazer, no que faz, para passar o tempo, quando a Cristina não passa lá por casa, ou quando estamos todos fora.
Verdade que, normalmente, há gente em casa, em vários períodos do dia, mas também há períodos do dia em que fica só Alice, com o mundo diante dos seus olhos, só para si.
Aposto que podia deixar todas as portas abertas, deixá-la sozinha, todo o dia, dar-lhe a liberdade de vaguear saborosamente pela casa.
Nos últimos dias Alice tem tido a possibilidade de continuar a conhecer o novo e admirável mundo que a rodeia, mas raras vezes sai da cozinha, ora para vir à entrada da sala, ora para saltar para trás dos livros que estão na estante.
Depois sai a correr com uma velocidade quase mais veloz que a cadência das notícias.
Alice ainda não vê notícias, ainda não espreita o mundo que quase a tramou.
E, Alice até já é conhecida do lado de lá. Imensas pessoas perguntam por ela, até colegas de trabalho.
Outras pessoas perguntam: "como está a Alice?".
Há quem já tenha sugerido criar uma página no Facebook, a ideia era gira, mas Alice é um projecto, com um objectivo, com um tempo e, ela não é dada a grandes multidões.
Por isso não se aventura.
Ela não quer sair daqui, dali, de onde está, no seu mundo, na sua cozinha, onde a mesa a protege, onde o pé da cadeira a esconde e lhe permite observar, onde trava batalhas imaginárias com o seu reflexo, deve ser isso que ela faz durante o dia, quando está sozinha, penso eu, comigo.
Alice sabe que há gente má, lá fora. Também sabe que há gente boa.
O mundo está áspero, mas cozinha não, na cozinha sente-se um afável calor que vem do forno, aquecendo-a, deixando-a acolhedora o resto do dia.
Alice raras vezes passa a porta da cozinha, embora ela esteja cada vez mais aberta.
Raras vezes entra na sala.
Não pretende ver as notícias, a cores.
Não faz por saber se já apanharam aquele ser que anda a espalhar o terror, e os seus dois cúmplices, já que mais ninguém fala deles.
Não quer sair dali, de onde está.
Às vezes lá se aventura atrás dos livros, na estante.
As portas do mundo estão escancaradas. Estão abertas. Alice é livre dentro de um mundo com 200 metros quadrados.
É uma escolha própria, não se aventurar, percebe-se porquê.
Às vezes dou comigo a imaginar como estará a passar o seu dia, quando está sozinha.
Corre pela cozinha, de um lado ao outro, luta contra o tubarão, treina Muay Thai com a ovelha, come, estica-se, e dorme. Alice deve dormir imenso. Quando lhe apetece. E, deve comer imenso, e não engorda, cada vez mais elegante, sedutora.
O mundo de Alice é quase perfeito e, sorte a dela, será o mundo dela, se ela quiser.
Lá fora já chegou.
Já chega.
Os humanos são estranhos, as coisas estão feias, os humanos são feios, alguns, às vezes.
Ao contrário do pequeno mundo de Alice.
Raramente passa a porta da cozinha ( a não ser que a levemos no colo, connosco).
Quando a passa, volta para trás a correr.
Tenho esperança que um dia a passe e se passeie pela casa, sem se esconder.
O mundo espera-a.
Sei que não o fará, por agora.
Pelo menos enquanto não houver notícia que o psicopata foi apanhado!