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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

15.10.16

ALICE FOI A TIMOR


The Cat Runner

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Dia 15

15/10/2016

 

Sobre o Novo Mundo...

 

António Guterres é o novo secretário geral das Nações Unidas.

Eu fiquei muito contente, como português, como homem de paz, como cidadão.

António Guterres, talvez não saiba, não sabe, seguramente, mas é o responsável pela maior descasca que levei, enquanto profissional, na minha carreira.

Estava a começar.

Portugal tinha acabado de se qualificar para o europeu de Inglaterra, choveu sem fim a noite toda. Naquele tempo tínhamos acesso aos balneários. Imagine fazer directos, envolto em cabos, encharcado, no meio de um denso nevoeiro, vapor, numa confusão generalizada.

No meio de dezenas de entrevistas em directo, apanhei o primeiro ministro e disparei, “você, senhor primeiro ministro, é um homem feliz?”.

As reacções – e não havia internet nem redes sociais – foram telefonicamente virais.

Que não se trata um PM por você”, “que o repórter foi mal-educado”, “que o repórter devia ser despedido”.

Nada disso aconteceu. As pessoas de bem perceberam que foi difícil, nós também estávamos contagiados por aquele golo de Rui Costa. Por isso, eu também tenho uma história com o senhor ONU.

Assim como que em homenagem singela decidimos abrir as portas do novo mundo a Alice. Porque ela também simboliza o acreditar num mundo diferente. Dava uma boa sub-secretária geral da ONU.

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Fechámos todas as portas, menos a da sala e da cozinha e, até agora, Alice anda por aí, a conhecer o seu novo mundo.

Ouço barulhos vindos do hall, já dei com ela atrás da estante, já esteve no meu colo e saiu disparada, a correr, saltou pelo braço do sofá para o chão, e seguiu até à sua casa, a cozinha.

Depois voltou e, agora, agora mesmo, ouço um barulho mais forte. Ninguém se mexe ou preocupa.

Alice é livre.

É pela liberdade que António Guterres se bate, para todos, união, liberdade, é deixar Alice descobrir-se a si própria. Isto para dizer que Guterres, e não Gut(i)erre(z) como disse a CNN, é um homem que ama Timor. Bateu-se na diplomacia internacional por Timor.

Pois bem, Alice foi a Timor. Já voltou, mas a viagem nem foi rápida. Timor impressionou-a, tal como à Carla.

Quando a Carla lá esteve comprou uns “Pássaros de Timor”, em Díli, ao mesmo tempo que a Daniela Santiago, que eu sei. Esses pássaros estão pendurados em uma das portas da sala. Alice encontrou-os. Alice encontrou-se, e por lá se deteve.

A Carla também já me confidenciou que “vivia” em Timor. Gosta de coisas simples, gostou das pessoas, das praias grandes, da comida, do clima, do ambiente, por isso trouxe os “Pássaros de Timor”, para que Timor esteja pendurado na porta, como que à espera de Alice.

 Alice em Timor, porque os pássaros de Díli são mais livres que os outros pássaros, porque lá o céu é maior e a noite é dia e o dia é noite.

Guterres sabe-o bem.

A Carla também o sabe bem.

Alice ficou agora a saber.

 

 

 

15.10.16

AS 50 SOMBRAS DE ALICE


The Cat Runner

 

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Dia 14

14/10/2016

 

 

Despertares...

 

Gatos não, enchem tudo de pêlo, depois andam por cima das coisas, desarrumam tudo, deitam-se na cama, abusam, acho que andaste a ler as 50 Sombras de Grey.

Era assim que pensava, até ser acordado, pela primeira vez por Alice.

O impulso foi deitá-la junto a mim, e saborear o momento. Assim fiz.

E, é aqui que começa a história de hoje.

Se achava que o título deste texto e as três primeiras linhas induziam para o livro de Erika Leonard James, peço desculpa por ter induzido em erro.

Claro que o título, com coisas desarrumadas, cama, devaneio e assim pode influenciar a leitura mas, na verdade, as sombras a que me refiro são as de Alice.

A cama é minha e ela não desarrumou nada, apenas passou comigo uns minutos, ao acordar, enquanto olhávamos a janela e o tempo lá fora.

Agora, como é que se explica a uma gata que as sombras são dela?

Eu tento, confesso, já tentei, mas é impossível, a não ser que tire uma formação em técnico de iluminação de interiores.

Falta-me tempo, só eu sei quanto me custou tirar o curso de técnico instalador de palavras, que agora se tornou em aprendiz de Alice.

Um dilema.

Se deixo a luz da cozinha acesa, se deixo a luz do balcão da cozinha acesa, se ando na cozinha, se faço isto porque não gosto de a saber às escuras, não gosto que o seu mundo seja de escuridão, se faço isto, deixo a Alice todo um mundo isotérico, à distância das suas reacções.

Ela olha para o rodapé da cozinha, vê a sua imagem metalicamente reflectida, como se tivesse sido colocado um filtro de uma qualquer app de fotografia.

Ela olha para as portas castanhas, lacadas, dos armários da cozinha, num nível mais alto que o rodapé, vê a sua imagem hiperbolizada em tons de mel e castanhos outono.

Ela olha para as mesmas portas, mas para as que são brancas, e vê-se, qual gata polar, a enfrentar um urso ribatejano.

Ela olha para o chão e vê as sombras dos humanos, e afasta-se rapidamente, colocando-se em posição de ataque, ou de defesa, talvez.

Ela olha para a porta que dá acesso à varanda, vê a imagem no vidro, cristalina, transparente e deve confundir-se ainda mais.

Quantas Alices vivem na minha cozinha, deve perguntar-se.

Há 14 dias que Alice mantém a mesma atitude perante a sua própria imagem, as suas próprias sombras.

Recua, sempre. Coloca-se em posição de ataque, ou de defesa, creio. Inicia uma lenta caminhada em direcção às sombras, queda-se, de repente. Levanta a cabeça, baixa-a, tenta tocar na sombra com a pata, uma e outra.

Dá um salto, vira costas, corre num sprint mágico e, de repente, começa a caminhar, lentamente, com elegância, como só ela sabe.

Sempre em direcção à mesa das refeições.

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Sempre escondida, a observar, atrás da perna da mesa, ou da fina perna de uma das cadeiras, no seu bunker exclusivo, que a protege de todos os perigos da uma cozinha dos humanos.

Bastou deixá-la livre, para saltar da cama, reconhecer o quarto, e encaminhar-se para zonas proibidas, como por exemplo, as tomadas eléctricas.

 

Voltou para a cozinha, que é onde poderá continuar a lutar contra as suas próprias sombras.

Pior é a cauda, isso é que lhe faz mesmo confusão e lhe coloca a cabeça a andar à roda.

São essas voltas ultra-sónicas, na tentativa de apanhar a cauda, a sua própria cauda, que lhe dão aquele ar de pequeno ser, que tem tanta vida ainda para caminhar, tanta sombra ainda por enfrentar.

Só isso merece este acordar diferente.

Despertares...