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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

02.10.16

ALICE CHEGOU


The Cat Runner

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 Dia 1:

01/10/2016

 

Alice foi encontrada, sem nome, na sexta feira.

Chegou cá a casa no sábado. Chegou pela manhã. Ao fim da manhã.

Normalmente tenho mau acordar, sobretudo se acordo depois das oito, antes disso é pacífico, não me perguntem porquê, até porque vivo longe do Entroncamento, terra dos fenómenos, acontece.

Como estive toda a semana a sair às duas da manhã, não vi os meus filhos , senão quando em breves segundos quando se iam despedir de mim, à saída para a escola. Não me chega.

Acho até engraçado as constantes críticas que fazem aos jornalistas, gente que à sexta à tarde já não trabalha e tem a sorte de acordar aos sábados na casa de fim de semana.

Eu não, eu trabalho fins de semana, feriados, tudo a eito, e ganho zero por isso.  Só este aparte!

Por isso, em teoria, ontem, dia 1, quando acordei, devia ter aberto os olhos e gritado com toda a gente.

Entraram-me pelo quarto, ao fim da manhã.

“Papá, olha quem está aqui…”

Uma frase que me desmontou o mau acordar, que me fez abrir os olhos e um largo sorriso.

Em menos de 24 horas escolhemos o nome; Alice.

Ali estava ela, a olhar-me, ao colo, nos braços da Maria, como que a sorrir para mim. Alice não estava a sorrir, estava assustada, estava muito magra, estava sem força, mas aos meus olhos parecia estar a sorrir para mim, como que a pedir que lhe desse as boas-vindas, para que não se sentisse um elemento estranho à família, quando tudo para ela ainda é estranho.

Sim, o amor é uma coisa estranha, sobretudo para quem nunca o teve e merecia ter.

"Sê bem-vinda, Alice", disse-lhe, para a descansar, porque acredito que ele me entendeu.

Confesso também que tenho alguma aversão a tocar em animais.

Vinte e quatro horas depois tenho menos aversão, faz-me menos confusão, e hoje fiz festas em Alice, mas isso fica para a história do segundo dia.

Mais aversão tenho (tinha, acho que este é o tempo verbal correcto), perante uma gata sub-nutrida, com o pêlo tão espetado que às primeiras me pareceu um mini-monstro, ali especada à minha frente, foi preciso olhar fundo a sua tristeza para perceber quão bela ela é, quão bonita ficará.

Aqueles rasgos sol...

Eu raramente me engano, embora tenha imensas dúvidas, ao contrário do senhor que mentiu ao fisco.

Abri os olhos, estava tudo ali especado à minha frente, filha, mãe, irmão e gata.

Observei depois que o meu filho estava altamente preocupado com Alice, bastou-me escutar o que isse à irmã enquanto saiam do quarto:

"Vê lá se ela vai bem assim, ao teu colo, temos que ter cuidado".

Incrível, o bebé conquistou-nos a todos, de uma só vez!

Olhei-a de frente.

Alice parecia estar a querer dizer-me alguma coisa.

Os olhos de uma estranha cor, resultado de tudo aquilo que passou enquanto esteve na rua, acredito eu que deva ter chorado, muito, tanto, que os olhos ficaram baços, os olhos, ali, a mirarem-me.

Hoje já estavam mais cor, tal como ela estava mais feliz.

Um leve sorriso, pareceu-me, deve ter sido efeito do sono, porque Alice, ontem, ainda não tinha motivos para sorrir, estava apenas assustada.

Os nossos olhos vêem o que queremos que seja visto, sim, a sorrir-me.

Ali, a olhar-me nos olhos, durante breves segundos, como que a dizer-me: “há coisas que não têm preço. Sei que aqui vou ser feliz”.

 Tenho a certeza que se Alice falasse (hoje ouvi-a miar, pela primeira vez) era isso que me ia dizer, só depois é que me daría os bons dias.

Rendi-me, naquele momento, enquanto Alice estava ao colo da Maria, a fitar-me nos olhos, como eu gosto, foi o olhar dela que me conquistou, proque quem me olha dentro dos olhos é corajoso e audaz, acrescento a Alice a sua capacidade brutal de sobrevivência num mundo totalmente estranho e adverso.

Foi, na verdade, isso que me chocou positivamente, sobrevivência, caraças.

Não é para todos.

Agora dou comigo, em casa, a entrar devagar na cozinha, a tentar fazer pouco barulho, a procurar por ela, de tão pequenina que é.

Tenho medo de a pisar, de a assustar, tenho medo que se meta atrás das máquinas, sei lá, tenho medo de amanhã a minha empregada fazer barulho a mais ao tirar a louça da máquina.

Alice é uma princesa e às princesas não se incomoda jamais.

Nem lá entrei para comer, sequer.

Hoje, passei mais um dia sózinho, enquanto todos foram passear e fazia tempo para vir trabalhar.

Sòzinho, não, com a Alice.

Até isso mudou em apenas 24 horas, já não fico sózinho em casa, a partir de agora.

Obrigado, Alice querida.

Mas, sempre com imenso cuidado ao entrar na cozinha, tanto cuidado que dou comigo a rir com as figuras de parvo que faço.

Alice, chamo baixinho...

Alice andará a caçar ratos, dirão.

Não, digo-vos eu, Alice anda só a aprender a ser feliz, até porque não há ratos lá em casa.

02.10.16

ALICE "A GATA SEM NOME"


The Cat Runner

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PREFÁCIO/INTRODUÇÃO

 

30/09/2016

 

Alice é uma gata que não tinha nome, até ontem.

Alice já tem um nome, a partir de ontem, e o facto de eu afirmar que é “a gata sem nome”, serve apenas para marcar o antes e o agora. O futuro.

A minha relação com gatos era estranha, não era má, mas os gatos encostam-me à parede. Eu acho, paranóia minha, que os gatos têm todos um olhar familiar, gestos e reacções familiares e isso quase que me assusta.

Chego a pensar que são reencarnações.

Por isso sempre me opus à vontade dos restantes habitantes deste pequeno país que é a minha casa.

A minha filha sempre quis ter uma gata, ela quer ser veterinária.

Estava fora de questão.

Acontece que no dia 30 de setembro, sexta feira, um miúdo encontrou uma gata à porta do liceu, em Vila Franca de Xira.

Ela estava a morrer.

Não o deixaram entrar, com a gata, na escola.

Nesse instante, a minha filha vinha a sair, com a Ana Carolina, e ficou, literalmente, com a gata nos braços.

Não conseguiu deixar a gata no passeio.

Eu também não conseguiria, embora haja quem o tivesse feito.

Sabendo que a minha relação com gatos é estranha, Maria decidiu, por si, procurar ajuda para tentar salvar a gata, que não conseguia sequer caminhar, suster-se em pé. Tinha um olhar triste.

Mal entraram numa loja, com consultório veterinário, e ma pousou a gata no balcão, quase não conseguiu dizer: "encontrei esta gata na..." porque imediatamente alguém lhe disse, sem mais: “nem pensar!”.

Correram mais uns sítios e foram finalmente atendidas na Xira-Vet, uma das clínicas da cidade.

A gata sem nome estava salva.

Tudo ia ser diferente, daqui em diante. Para elas e para mim.

Tudo isto me chegou depois.

Estava eu a leste desta história tão bonita, quando recebo um telefonema:

“Pai, preciso de falar contigo, um assunto sério”.

Assustei-me.

Ela contou-me a história toda.

Tocou-me, muito, mas não dei parte fraca.

Se já falaste com a mamã, então deixa a gata na avó e depois tomamos uma decisão”, arrumei o assunto.

Mas, mal desliguei o telemóvel já estava decidido.

Mais ainda, depois de receber umas fotografias por sms.

Uma atitude como aquela, sem que houvesse qualquer tipo de manipulação, tinha que ser premiada, encorajada, mas acima de tudo respeitada e sublinhada, porque eu senti orgulho imenso no tamanho do coração dela.

À noite mandei um sms à minha filha, que me tinha enviado tais as fotos da gata sobrevivente, no seu colo.

Não tive coragem.

“Ok, por mim ela será bem-vinda”.

A alegria com que a Maria recebeu a notícia vai fazer com que daqui a muitos anos ela se lembre do que fez, do seu próprio exemplo. E, isso é impagável.

No veterinário foi-lhe então dito que Alice tinha pouco mais de um mês e que o facto de ter sobrevivido até chegar aos braços da Maria foi um milagre.

Como se sobrevive com um mês de vida, sózinha, na rua, à mercê de tudo, sem comida, sem carinho?

Ela sobreviveu, e é um exemplo que me entrou casa dentro.

Chegou ontem cá a casa.

Fraquinha, assustada, olhos inflamados, imensas peladas, cambaleante, com fome, mas com laivos dourados-sol, entre o pêlo escuro, uma expressão que me conquistou, mal a vi pela primeira vez, com um andar elegante, apesar de tudo, como se exige a uma gata bonita, sim, porque Alice é bela.

Há muita beleza nos olhos dos sobreviventes.

Eu guardo os exemplos de sobrevivência.

Sigo-os.

Demos-lhe o nome de Alice, porque as senhoras da casa decidiram que tinha que ser nome de pessoa.

Alice tem o som "cssssssssss", de Alicsssssssssssse, e dizem que os gatos gostam. E as gatas.

E, o facto de Alice ter aqui chegado não foi um mero milagre, foi um sinal. Para todos nós.

A sua história merece ser contada, porque ela é mais que uma gata, é a Alice, a gata que já tem nome.

Quando Alice fizer um ano de vida connosco, dia 1 de outubro do ano que vem, a história será concluída.

Até lá será contada todos os dias.

Hoje, pela primeira vez em 24 horas, Alice deitou-se na cama que é só dela.

E, eu não lhe consigo resistir.

Acho que nos vamos entender muito bem.

Esta é a história de “Alice”.

Esta é a nossa história.

Porque aqui amamos a vida e o bem.

 

( a seguir, o dia 1 de Alice - 1/10/2016)

 

02.10.16

UM DOMINGO ESPECIAL


The Cat Runner

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02/10/2016

 

Vou ter que alterar o template (cabeçalho) deste blog.

Lê-se que “ este não é um  blog sobre gatos”. Há que mudar a frase.

A partir de hoje o blog do Gato também passará a falar de gatos, de uma gata especial.

E, faz sentido.

Um Gato sente-se só, uma gata faz todo o sentido. Esta muito mais.

Alice tem um nome, a partir de ontem, uma casa, uma família.

Alice é uma gata com pouco mais de um mês de vida, que alguém deixou na rua à espera da morte.

Acontece que Alice sobreviveu. É uma sobrevivente, e só isso já merece que eu conte a sua história.

Não há sítio mais indicado que este.

O Gato tem uma gata.

Nós temos mais um membro na nossa família.

Passaram apenas 48 horas, mas é como se estivesse connosco desde sempre.

Alice apareceu num acaso, porque alguém sempre quis ter um gato e eu nunca deixei, porque alguém ama animais e que ser veterinária e isso eu deixo.

Mas, não era suposto.

Por isso, esta, acaba por ser uma história que sublinha o coração, o carácter, o respeito, o amor, a ternura.

Também irá ter passagens menos felizes, que a vida não corre a direito, mas será o resto que vai fortalecer a história, à medida que Alice vá ficando, também ela, cada vez mais forte e viva.

A história de Alice não está escrita. Nunca saberemos como sobreviveu, como conseguiu resistir, como chegou até à porta do liceu da Maria, num acaso.

Podia ter ido ter a um outro lado qualquer, num outro qualque momento.

Não sabemos, sequer, o fim desta história, que só hoje começa a ser contada.

Alice não sabe ler, não sabemos se conseguirá recuperar totalmente a visão, acreditamos que sim, Alice nunca irá ver o blog do Gato, mas vai sentir, sente, seguramente, que aqui está em paz, protegida, envolvida em afectos e sorrisos.

O meu desafio é difícil:

A história de Alice será contada aqui, todos os dias, desde ontem, dia 1, até dia 1 de outubro de 2017.

No final, no fim do seu primeiro ano de vida - porque acreditamos que ela vai viver e vai ser feliz - essas crónicas serão reunidas, publicadas em livro, e oferecidas a quem esteve na origem desta história, que queremos, tenha um final muito feliz.

Todas as crónicas serão datadas.

Seria vago falar só de Alice, ao longo do próximo ano.

Ela é a personagem principal, mas a vida é feita de pessoas, de gestos, de confortos e de amor.

A história de Alice não é apenas a história de uma gata que quis sobreviver até encontrar quem a amasse.

Esta é a história da nossa ternura, dos nossos dias, dos dias com ela, de hoje em diante, uma história sobre a vida.

A história de Alice, a que contei nas redes sociais, num post - incompleto como qualquer post que pretende contar uma história -, tocou algumas pessoas, tal como me tocou.

É outro motivo mais que bastante para ser contada e partilhada, porque tocou alguém.

Um dia na vida de Alice, todos os dias da vida de Alice, e da nossa vida, uma crónica de uma página, durante um ano.

Ainda hei-de ver Alice correr (já a vejo saltar), porque irei continuar a escrever sobre corrida, ela não vai deter o exclusivo no blog, isso, só nos nossos corações.

Não é tudo isto que é a vida?

Eu entendo que sim.

A aventura começa agora.

Bem vinda, Alice.

 

(A seguir, o "Prefácio/Introdução")