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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

27.09.16

O DIA EM QUE IAMOS SENDO ATROPELADOS


The Cat Runner

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Líderes...

 

Eu e a minha nova parceira de corrida liderámos a meia maratona, a Corrida da Emoção, durante pelo menos um segundo.

Aos três segundos ela liderava o pelotão feminino, e eu encontrava-me nos dez primeiros.

Aos cinco segundos já tínhamos sido absorvidos pelo pelotão da frente.

Aguentámos uns bons quatro minutos nos cem primeiros, até à curva onde estava um tanque de guerra estacionado.

A minha preocupação era com o facto de ela poder ser atropelada, sobretudo quando avistámos a primeira subida, a seguir à segunda rotunda da prova.

Às rotundas perdi-lhe a conta, às subidas também, às descidas conto-as pelas pernas.

A rua era estreita, nas entranhas de Viriato, ainda íamos com muitos dos que querem fazer bons tempos, que correm pelo tempo, ainda não estávamos a salvo, apesar de os militares do regimento de infantaria estarem em cada rua, o que sossegava, mas a rua era muito estreita, e bonita.

Caminhámos um pouco, na impossibilidade de correr, uns segundos.

Depois, abriu, um largo.

“Então, tem que treinar mais vezes”, disse-me um tipo todo sorridente, enquanto passava por mim.

Não deve ter reparado na minha camisola do Muay Thai.

A minha nova parceira de corrida ia a correr num stress como nunca vi.

Estava com dificuldades em respirar, tinha o rosto estranho, o olhar também, ia em sofrimento, quando ela entra em stress, o que acontece uma vez de dez em dez anos, é esquecer.

Abrandámos, coloquei o braço por cima do ombro...

“Não me agarres...”

"Respira fundo, vamos chegar ao fim, a meta está lá, o Artur está a ver-nos, respira e quando estiveres bem vamos".

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Contou-me, depois, já a caminho do hotel, que pensou assim:


“Mas, porque é que eu vim a isto, porque é que não fui aos cinco quilómetros, foi um stress durante os primeiros quatro quilómetros, só gente a passar por mim, o Miguel Cabral na mota, tu, as pessoas, só pensei, mas porque é que me meti nisto”.

Aqueles quilómetros na caixa da frente não lhe permitiram correr ao ritmo que tem treinado, aos dois quilómetros estava na red line.

Nessa altura, como sempre, eu sabia que ia passar.

“Arrependida?”.

Achas? Nem pensar, depois dos quatro, cinco quilómetros entrei na corrida e adorei”.

Eu dei conta, bem que tentava manter o mesmo ritmo, para melhor controlar as coisas, mas ela, solta, leve, ora acelerava, ora abrandava, ora acelerava, constante, transpirada, eu ouvia-lhe a respiração.

A seguir aos seis quilómetros fez aquilo que detesta que lhe façam, falou, comigo.

Sinal que já estava em piloto-automático.

Disse-lhe: “ aprecia a partir de agora”, dei-lhe um beijo e acelerámos a passada.

O último quilómetro, o décimo, foi o mais rápido.

Já brincávamos:

“Recuperaste nestes duzentos metros planos?”

“Sim...”

“Então olha para a frente, as boas notícias é que temos ali a centésima subida”.

Tudo o que sobe também desce. Em Viseu não é bem assim.

Dois muros em pedra, um de cada lado de uma apertada estrada onde, estou certo, Viriato por lá andou.

A última casa, ao lado direito.

"Bom dia, doutor, como vai", gritámos os dois.

O antigo secretário de estado das comunidades olhou-nos, primeiro sem perceber, depois reconheceu-nos e sacou da foto.

"Bom dia, boa corrida para vós", disse Cesário.

As coisas que acontecem durante uma corrida.

Ainda dissertámos uns segundos sobre o facto de o ex-governante viver numa calma daquelas, onde a qualidade é vida.

A seguir à curva, “isto agora é na boa, faltam dois quilómetros”, diz-me ela.

As pessoas aplaudem-nos à passagem, a nós e aos outros, apoio que faz milagres, às vezes.

Fora dos grandes centros as pessoas tendem mais a conhecer aqueles que só vêem na televisão, ainda assim fiquei admirado com aqueles incentivos, naquela rua, a quilómetro e meio da meta:

Força, vamos TVI, sempre com a TVI”!

Virei-me para trás e gritei: “viva Viseu”, dou sempre troco.

Como é que as pessoas conseguem reconhecer-nos debaixo de uma t-shirt toda molhada, todos despenteados, tortos, enfim, num estado que poucos conhecem. É fantástico.

“Obrigado, um bom domingo”, gritei antes de virar a curva.

Deixa-te disso, falta um quilómetro, no último quilómetro nunca se fala nem se caminha, sempre o disseste”.

“Nunca, mas a boa notícia é que aquela é a última subida, olha”.

Uma senhora, mais velha que nós, juntou-se ao lado dela.

Acelerei um pouco e deixei-as sozinhas, uns metros.

Travaram amizade.

A sua primeira amizade, em prova.

Já no fim, uma hora depois, diz-me assim: “olha, vai ali a minha amiga do último quilómetro”.

Estava tocada pelo milagre.

Viveu a experiência.

Entrámos na recta da meta. Sózinhos. Aplausos de um lado e do outro.

“Já fiz o meu melhor tempo...”, segredou-me com um orgulho que não cabia naquela recta, nem naquele parque florestal tão bonito.

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Não a deixei falar mais, agarrei-lhe na mão, acelerei o mais que pude, enquanto ela, com os dois pés pelo ar, acompanhava.

Eram os metros mais rápidos da sua história, algo que nunca imaginou sequer fazer.

Cortei a meta de mão dada com o grande amor da minha vida, mais uma meta, cortámos a meta de mãos dadas, como eu sempre quis, desde que corro.

Nunca tinha feito isto com ela.

Abraçámo-nos.

“Boa, miúda”.

“Fiz menos meia hora que na única corrida que tinha feito na vida”.

A única vez que correu dez quilómetros fez 1.38h, no domingo fez 1.13h, com apenas mês e meio de treinos.

Brevemente vou vê-la a correr um quilómetro em cinco minutos, não tenho qualquer dúvida.

Mereceu a medalha, se mereceu. Merece sempre. Em tudo.

Agradeceu-me o apoio com uma foto no Instagram.

babei, porque ela também não é destas coisas, acho que está a mudar a um ritmo impressionante.

Bom!

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Mas, ainda não lhe disse que ela também é minha inspiração, ainda não o sabe, e que agora, quer ela, quer eu, temos parceiro para correr, juntos.

Ontem e hoje foi a readaptação, mas amanhã vamos treinar. Isto é algo que eu nunca imaginei na minha vida.

A caminho do carro, largou-me a mão, foi direito à baia lateral, começou a bater palmas e a gritar “vamos, força, vamos”.

Aproveitou e alongou enquanto incentivava os outros, e ela também não é destas coisas.

Brinquei com o assunto.

“Tu, a bater palmas, a...”

“Experimenta meter o conta-quilómetros do carro a zero, fazer dez quilómetros e depois diz-me...”

Percebi.

São dez quilómetros, toda a gente fala como se fosse ir ali, mas são sempre dez quilómetros, e quem nunca os correu não faz ideia.

Ela tinha sentido, e foi, inconscientemente, apoiar aqueles que ainda corriam.

É a condição humana.

Pior, foi quando chegamos ao hotel.

Em Évora vamos fazer uma hora”.

Até tremi.

O monstro vai matar o criador.

É assim o amor.

Morrer por amor, a correr.

(Ela esqueceu-se que daqui a dois domingos temos outra corrida...o que pode querer dizer muito, afinal tenho que acompanhar. Onde me fui meter!)

27.09.16

EMOÇÃO, WHAT ELSE !


The Cat Runner

 

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Coisas da emoção...

 

Antes de dormir confidenciou-me a sua preocupação:

“Está a chover, se estiver a chover não vou correr amanha”!

Notei-lhe alguma tensão, o que nela não é normal.

“Estás louca”, perguntei baixinho, “andaste um mês inteiro a correr para participares nesta prova, e agora estás a recuar, nem pensar, antes chuva que calor, vais adorar correr à chuva”, tentei contrariar.

“Se estiver a chover não sei”, entendia o que me queria dizer, esta era a sua primeira corrida a “sério”, ela tinha um objectivo, nós tínhamos uma homenagem a fazer a um amigo, e ela nunca tinha pensado na chuva.

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Fui o último a adormecer.

Ao contrário do que é habitual acordei sózinho, sem despertador, às sete da manhã.

Pensei levantar-me e ir tomar o pequeno almoço, mas lembrei-me que não gosto de correr depois de comer, e tinhamos combinado ir juntos, pensei ler, a adrenalina sub-consciente impedia, pensei ir passear, não queria gastar energias, adormeci, de novo.

Aprova era às dez e meia, a cinco minutos do hotel, adormeci, de novo.

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Duas horas depois, Viseu dava-nos os bons dias, foi buscar o seu melhor sol, a sua temperatura mais amena, e chamava por nós, acordei-a.

“Bom dia, miss runner, vamos correr”.

Tomámos um duche, equipamo-nos, conferimos tudo e andor, de mãos dadas.

Descemos para o pequeno almoço.

Muitos participantes na meia maratona do Dão, corrida do circuito Running Wonders, um dos circuitos mais belos do planeta, quiçá de todo o universo, a sério, são experiências únicas, dizia eu, muitos dos participantes estavam no mesmo hotel que nós, pelo que o hall do hotel e a enorme sala do pequeno-almoço estavam cheios de camisolas amarelas-limão, com as letras verdes: Dão.

O espírito familiar (mas altamente profissionalizado) destas provas sentia-se no hotel, enquanto uns já se preparavam para ir, e outros relaxavam no lounge.

Muitos mais ainda tomavam o pequeno almoço, quando descemos.

Parecia um ordenado e civilizado formigueiro, tal como são os formigueiros, pessoas que – todas sorriam – conversavam, famílias inteiras à mesa. Alguns amigos.

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Confesso que em uma ou duas ocasiões pensei: como é que aquele senhor ou aquela senhora vai correr, depois de comer aquilo tudo?

Eu demoro imenso a fazer a digestão.

Por isso, nunca corro após comer, a não ser umas quatro ou cinco horas depois, e depende do que como.

Já não bebo leite, em nenhuma ocasião, a não ser sem lactose, evito o sumo de laranja ao pequeno almoço, contento-me com um bolinho (açúcar), um sumo de frutos vermelhos e um ou três cafés.

A minha nova parceira de corrida não, ela come tudo o aquilo a que tem direito, mas tudo adequado ao que vai fazer.

“Como é que consegues correr depois de comer?”.

“Como é que consegues correr quase em jejum?”

Comamos.

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O hall do hotel começava a ficar vazio.

Viseu continuava a querer mostrar que é a “melhor cidade para viver”, e no domingo também foi a melhor cidade para correr.

O Paulo Costa é um homem que, no dia seguinte, ontem, mal terminou a a meia maratona do Dão já estava a caminho de Coimbra, e depois Évora, e já está no exacto ritmo frenético que é habitual.

Terá feito uma pausa de umas horas apenas.

Ele tem na Global Sport uma equipa que é raro montar.

Pessoas dedicadas, do mais amável e eficaz possível, amorosas, competentes, e já todos a funcionar em velocidade de cruzeiro, quando têm que montar mais uma corrida do circuito Running Wonders.

Eu tenho a rotina de pedir para me fotografarem, quando recebo a minha medalha, no final de cada corrida.

Desta vez o prazer foi especial, diferente, senti-me um campeão, eu que corro os dez quilómetros no dobro do tempo do vencedor.

A foto diz tudo.

 

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Recebem as pessoas de uma forma que apetece perguntar: quando é a próxima corrida?

Para além disso, o Paulo, é um comunicador de excelência.

Sempre que discursa – ou fala em privado – dá lições reais sobre o território, as pessoas, sobre como os e as valorizar, na perspectiva que somos um todo, valorizando assim o território, o nosso espaço único.

Na véspera, no jantar oficial do evento, enquanto escutávamos a intervenção do Paulo, disse à minha nova parceira de corrida:

“Grande comunicador, grande motivador, grande gajo”.

Ela anuiu.

Juntar a isso a amizade que ele nos dá o privilégio de termos, que mais podemos querer.

O Paulo, esteja com que estiver, (do mais importante que houver), sejam quantas vezes for ao dia, vem sempre ter connosco, saber como estamos.

É um homem inteligente e genuíno.

Humano.

Mandei-lhe um sms durante o jantar, antes de sair.

Amanhã dou-te um abraço antes da partida.

Às vezes gosto de o surpreender, como ele sempre me surpreende.

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Gosto de chegar, como no sábado, dar de caras com ele, ele não me ver, porque esta de olhos colados ao telemóvel, a trabalhar, e eu fotografá-lo e enviar-lhe por mensagem, naquele instante.

Normalmente ele vê-me primeiro que à mensagem.

Chegámos à zona da corrida 40 minutos antes do tiro da partida, dado pelo presidente da câmara de Viseu, alguém que conheci na véspera, no jantar, e que me cativou pelas suas ideias e pelo seu discurso.

Estacionámos o carro no parque de uma clínica privada, nova, bonita, como a cidade de Viseu, apesar de ser mais velha, igualmente bonita.

“Bom dia, podem estacionar aqui, não há problema, está vazio, venham”, disse-nos a enfermeira, enquanto apagava o cigarro.

Descemos uns bons cem metros, que canseira, talvez mais, tal foi o cansaço, estou a brincar, e estávamos no parque do Fontelo, com a partida lá à frente, ali a uns metros.

Muitas pessoas nas laterais, para ver, para apoiar.

Foi assim todo o percurso.

Fantástico acolhimento. Conheciam-nos pelos nomes.

Apesar de estarmos como convidados, fomos solicitados para comparecer juntos dos nossos colegas da TVI, que transmite as provas, para entrevistas.

A Ana Filipa Nunes e o Miguel Cabral.

A Ana também corre, mas desta vez o dever chamou mais alto.

O Miguel, enorme. Fez o percurso de mota e stressou a minha nova parceira de corrida, durante a corrida, mas não foi só a mota (estou a rir à gargalhada).

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Revimos, na partida, pessoas que conhecemos na véspera, fomos, como sempre, abraçados pelo Paulo Costa, demos as entrevistas e, confesso, eu já estava com a adrenalina a fazer-me comichões. É sempre assim.

Faltava, tipo, um quarto de hora para começar.

“Nós vamos ficar aqui na primeira linha da partida?”, perguntei.

“Sim, partem daqui”.

Atrás de nós, imagine, oito mil pessoas. Oito mil.

“Então, mas aqui, aqui vão atropelar-nos, a minha senhora é a primeira vez...”

Era eu que estava em stress, mas do bom.

“Sim, partem daqui, é correr”, disse a mesma pessoa, a rir.

Tranquilizei-me e à minha nova parceira de corrida:

“Pensa assim, vou fazer os dois quilómetros mais rápidos da minha vida, senão dificilmente voltarei a fazer dois quilómetros na vida, eu protejo-te”.

Sorrimos.

A segunda caixa foi aberta. Estava quase.

Nós, e já encostados a nós os que iam à procura de recordes, os veteranos do asfalto, e os outros.

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A contagem estava a ser ouvida em todo o parque:

5,4,3,2...1

Ouviu-se o tiro.

Arrancámos.

Mas, daqui para a frente, só no próximo texto.

Como sobrevivemos?

Pois...