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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

22.09.16

PERDER PESO? CORRA OU EDITE TELEJORNAIS


The Cat Runner

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FOTO: TEH CAT RUN

 

 

Tem dias.

Dando como adquirido que a minha profissão é de desgaste rápido, umas vezes vou praticar exercício, outras não consigo. Todas as vezes preciso.

Quando termino uma corrida, normalmente, a minha boca está seca.

Uma hora, pouco mais, ou mais de duas horas, raramente, é quanto duram as minhas corridas. Faz sentido terminar seco, exausto, transpirado.

Estar fechado dentro de uma régie de televisão durante quatro horas seguidas produz efeitos ainda mais devastadores, para além dos que acontecem quando corro.

Fazer régie, edição, em televisão assemelha-se também a um treino de circulares, no Muay Thai, à medida que vais avançando começas a sentir uma força invisível que te suga toda a tua energia interior, em poucos minutos.

Terminas sem saber de que terra és.

Sempre que faço régie tenho estes sintomas desde o primeiro genérico até ao último.

Vou sentido a energia a ser-me sugada, ao compasso das horas que passam a uma velocidade estonteante, não deixando de ser quatro horas de tempo.

Ali, a decisão não é ao segundo, é ao nanosegundo.

Ali, as decisões são tomadas na mesma cadência que a de um ritmo de três minutos por quilómetro, em passadas rápidas.

Ali, ouvem-se imensas vozes, cada uma a solicitar uma resposta, que só pode ser dada à vez, o contrário é-me humanamente impossível.

Ali, ao segundo, a cada passada rápida, és obrigado a estabelecer as prioridades, quando tudo é prioritário.

Também na corrida geres o teu esforço, o teu ritmo, a tua concentração, as tuas prioridades, porque tens um objectivo.

A grande diferença é que ali, uma decisão errada acaba com tudo, e são tomadas largas dezenas de decisões, ali, na corrida podes errar, gastas mais tempo, ali, não podes gastar mais tempo que aquele que te dão.

Dão-te tempo para gerires.

Já alguma vez se imaginou a gerir o tempo?

Eu já.

Ali, e quando corro.

Garanto a tremenda responsabilidade que é gerir o tempo.

Até aos deuses do tempo, não me custa a acreditar.

Na corrida a decisão está tomada, é só uma, chegar ao fim.

Na régie a decisão está tomada, só depois se chega ao fim.

Por isso, todos os dias, quando saio do trabalho preciso de correr, de fazer exercício, do Muay Thai, corrida e Muay Thai, gostava de fazer ioga, mas já não tenho tempo.

Faço a gestão do tempo que me dão, mas não consigo gerir mais o meu.

Saio de lá sempre de rastos, com a boca literalmente seca, como disse, com a cabeça maior que um disco externo de 10 teras, com as pernas amassadas de estarem sentadas, com a pressão das artérias cheias de campaínhas e alarmes vermelhos, até os olhos...raiados.

Mas há dias, como o de hoje, que o tempo me sugou tanto, essa força invisível,embora mensurável,  que não tenho mais energia para me reconverter, reencontrar, correr, ou pensar.

Escrevo.

Plano B.

Sei perfeitamente que só consigo contrariar esse estado de pós-combate, encostado às cordas, se for mexer-me, expirar, libertar, eu, sozinho, até ficar tão mais cansado, que me permito agradecer-me e esquecer o cansaço que ali me levou. Chamam-lhe stress.

Alguém terá que se cuidar, porque eu reinvento-me, com truques que eu próprio invento, pois de outra maneira nunca conseguíria chegar ao fim e cortar a meta.

Passar o cartão pelo torniquete e levar com o fresco da noite pela cara é como cortar uma meta.

Estou a ver que tenho que começar a levar proteína, L-carnitina, bebidas isotónicas e se calhar umas barrinhas energéticas, para a régie.

E, porque não, partilhar a actividade num app, como faço com a corrida.

Ou então, nada disto e sou eu que estou a inventar.

Pelo sim pelo não, amanhã levo uma barrita energética, para a régie, e um shot de L-carnitina, pelo menos vou à confiança.

Pobres dos meus colegas...

 

22.09.16

A EVANGELIZAÇÃO


The Cat Runner

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Hoje não fomos correr.

Saímos do trabalho com uma hora e pouco de diferença, trabalhamos juntos, oh deus, é verdade, e a meio da tarde já lhe tinha perguntado (é inevitável misturar o pessoal com o profissional, quando se trabalha junto há uns 17 ou 18 anos, todos os dias, no mesmo local), vamos correr a que horas?”.

Hoje acho que não vou”, respondeu-me.

“Ok, achas que consegues o off para abrir o noticiário das 16 horas?”.

“Claro, e vai à bolsa que estão lá mais dois off´s e um vivo”.

Ainda levantei a questão da corrida de domingo, mas fui imediatamente confrontado com um facto indesmentível, como que a dizer, vamos trabalhar:

“Nos últimos 30 dias fiz 26 corridas, hoje vou descansar”.

Contra factos, diz o povo, não há argumentos.

O povo tem sempre razão, mesmo quando a não tem.

Efectivamente, já lhe noto os gémeos mais torneados, as ancas mais sólidas.

Mas, eu sou toldado pelo passar dos tempos, juntos, suspeito, por isso.

Mas, nota-se.

Sentados nos sofás da sala, ela falava com alguém ao telefone.

O filho chegava mais tarde, do treino.

Aproveitava, ela e eu, o momento de pausa.

Puxei a box atrás e comecei a ver a entrevista da deputada Mariana Mortágua.

Vou ser sincero; já a apreciei mais.

Até já me identifiquei com ideias dela, mas os trejeitos, os olhares, o desdém, as expressões, que é o que mais conta na comunicação, começam a fazer-me olhar para ela com alguma apreensão.

Por isso quis ver a entrevista.

Enquanto se trocavam os primeiros argumentos, a meu lado, uma conversa.

Normalmente não escuto as conversas dos outros, mas aqui foi inevitável.

Uns dois metros nos separavam, de um sofá para o outro.

Baixei o som da televisão e meti-me à escuta.

Portanto, vou divulgar uma conversa que ouvi.

Com autorização.

Transformo-me neste momento num verdadeiro e consentido cusco.

Não fomos correr, mas a conversa era sobre corrida, exercício.

E, o que eu gostei do que ouvi, da conversa, porque da entrevista pouco vi.

Quero dizer, olhava, mas não ouvia.

O meu interesse era outro.

A conversa versava mais ou menos dentro desta ideia;

“É muito bom, a todos os níveis”, isto a propósito de ser confrontada com o facto de “nem sequer 200 metros fazia, por dia”, pior, “quando subia as escadas chegava a arfar”.

Observei os trejeitos de Mortágua, e o olhar, continuei a escutar a conversa, ao telemóvel.

“Em 30 dias consegui fazer 26 corridas”, mas o inverno está à porta, e à noite só correu umas duas vezes, comigo.

“No inverno vou para o ginásio, meto o saco no carro e sigo”, eu também acho que é o melhor, porque “de manhã, se não tiver tempestade, ainda vou, mas ao fim do dia...”

Bem sei o que é isso de vir do trabalho, rumo à lareira e aos cobertores, mas parar, para trocar de roupa, enfrentar o frio e a chuva, o escuro e o suor, muito mais difícil que ir de manhã.

Fiquei a saber que (ela) nunca funcionou tão bem, que nota diferenças, na pele, na respiração, na concentração, na verdade, sem saber, ela está é a queimar etapas.

Há-de dar-se conta, no domingo que vem.

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“Bebo mais água”, ouvi-lhe, “tenho semanas em que descanso um dia, mas tento manter a frequência”.

Olhei para a televisão, sem som, e por momentos pensei escutar uma outra pessoa, alguém que não conhecia.

E, continuava a gostar do que ouvia.

A explicação sobre o facto de os filhos já quase serem independentes nas tarefas, o que liberta o tempo e a agenda, os horários dos ginásios, já iam em hipotéticas fórmulas para gerir os intervalos do tempo, fazendo exercício.

Por exemplo, depois de deixar os miúdos na escola, até seguir para o trabalho.

A conversa acabou com gargalhadas. As dela, as da pessoa que estava no outro lado da linha, e as minhas.

“Um destes dias vamos aos...aos jogos olímpicos dos reformados, não, dos séniores, não, não, dos veteranos, isso, qualquer dia estamos tão em forma que vamos a uns jogos olímpicos quaisquer”.

Até podem nunca ir, mas uma coisa eu aprendi a ver a Mortágua, sem som, isto da evangelização funciona mesmo.

Evangelizou-se e espalha a mensagem.

Ela que é gente com ideias próprias, a Carla, que a Mortágua não corre comigo.

Nunca, em trinta anos, sentido figurado, a tinha ouvido sequer pronunciar a palavra olímpicos, quanto mais rir à gargalhada com isso.

Ela ria à gargalhada porque corre.

Depois fui jantar, que o meu filho chegou do treino.

Acabei por não ouvir a Mortágua, mas prometo que amanhã vamos correr juntos, que domingo é o nosso dia.

Até porque o inverno ainda não chegou!