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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

23.07.16

EU, EX - ESTAGIÁRIO, ME CONFESSO


The Cat Runner

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(...continuação do texto anterior...)

 

Sexta feira.

Finalmente um fim de semana em casa.

Que o dia passe rápido que preciso de me desligar do mundo.

Olho para a agenda, parece-me um dia tranquilo, Marcelo fala, fala sempre, Costa também e Cristiano Ronaldo vai ser nome de aeroporto, consulto as várias equipas da redacção, verificamos directos, troco impressões sobre o alinhamento com a apresentadora, começo a alinhar o primeiro jornal que ia editar, o das dezasseis, enquanto a apresentadora, trata da maquilhagem, para depois se dedicar a escrita dos pivots, ajudando-me a ultimar o alinhamento.

Olho para o relógio, falta menos de um quarto de hora, começo a sentir ansiedade, apelo à memória recente, dos últimos dias, e penso; "vais conseguir, deixa-te de merdas, hoje é tranquilo".

Era o que eu estava mesmo a precisar, uma sexta feira tranquila, depois de uma semana e de um fim de semana totalmente alucinantes.

Estava tudo a correr tão bem que já só faltavam dois noticiários para saltar para fora da bolha e respirar ar puro.

Começámos o jornal, metemos ali dois directos, a coisa correu tranquilamente.

Enquanto isso já tinha alinhado o jornal das 17 e o das 18.

É assim, está um jornal no ar mas há outro um minuto depois desse acabar.

As coisas não aparecem na televisão por milagre, alguém tem que as fazer.

Estávamos em velocidade de cruzeiro.

A régie estranhamente tranquila.

A escuridão da régie, cortada por luzes quentes, estrategicamente colocadas e pela luz dos ecrãs, convida a alguma tranquilidade, estranha tranquilidade, intimista, que acaba no segundo a seguir, quando tudo se transforma, quando o céu é inferno, onde há sempre um deus e um diabo.

E um mediador.

 

23.07.16

EU, ESTAGIÁRIO, ME CONFESSO


The Cat Runner

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É um facto: sob pressão, em situações de stress extremo, fico anestesiado.

Descobri-o hoje, na maior prova de fogo profissional, desde que me lembro.

Perdi a conta às horas.

Sentei-me finalmente no sofá.

Estiquei as pernas, em cima da mesa de centro, quadrada como este mundo cada vez mais caótico, liguei o computador e aqui estou eu, decidido a confessar-me.

Eu, estagiário, me confesso. Isso.

Em Agosto faz 23 anos que tenho carteira profissional de jornalista.

Em Agosto faz 21 anos que trabalho ininterruptamente em televisão.

Entendidos quanto a este aspecto da longevidade, confesso-me;

Ao longo deste tempo todo é fácil perceber que já fiz praticamente todas as tarefas que competem a um jornalista de televisão.

Desde um simples ticker, um lead, um off, uma peça, uma reportagem, uma grande reportagem, directos, muitas e muitas horas em directo, apresentação, praticamente tudo eu já fiz, ao longo destes anos.

Há, ainda, algumas tarefas que não farei, ser chefe ou director, por exemplo, isso não.

Havia no entanto uma tarefa, o último patamar antes tarefas que em cima mencionei que nunca tinha executado; editar jornais. Hora-a-hora, sem levantar o rabo.

Há muitos anos, lá por volta do ano 2000, quando era editor-adjunto no Desporto, editei programas, de desporto.

Realidade totalmente diferente se comparada com a edição de jornais, de hora-a-hora, sem sequer sair da régie.

Isso eu nunca tinha feito.

Nem me passava pela cabeça fazer, porque as minhas ideias quanto à minha carreira não passam por aí. Elas há muito que estão definidas.

Quando, há alguns meses, me escolheram, uma ou outra vez, para editar jornais durante manhãs e tardes, não foi uma questão de aceitar, escolheram-me e competia-me cumprir.

Eu entendo que numa organização cumprem-se instruções.

Lá fui.

Editei jornais durante alguns dias, espaçados no tempo.

Não fazia ideia de como aquilo funcionava, a dinâmica, a agilidade, a capacidade de decidir, a tensão e o stress, o auto - controlo, não fazia ideia, as sinergias supersónicas, os erros e os reparos ainda mais supersónicos.

A minha ligação com a régie sempre foi feita do outro lado.

Quando apresentava notícias sentia, por vezes, a tensão na régie, mas ela não passava para o estúdio mais que cinco porcento.

Agora não.

 

08.07.16

CARTA AOS PRIMOS DA FRANÇA


The Cat Runner

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Os primos que vivem em França, desde quase sempre são meus primos por afinidade.

São muitos, uma família grande, espalhada por França.

Gerações das primeiras vagas.

Mas, são família.

Unem-se uma vez por ano, pelo menos.

Quando nos visitam, em Agosto, todos os anos, conversamos imenso, ao cheiro do churrasco e ao fresco das palmeiras, em redor da piscina, sobre a situação cá e lá.

À volta da mesa há um enorme orgulho, por também serem franceses - adoro quando começam a falar francês e português ao mesmo tempo -, por tudo o que França lhes tem dado, os filhos que lá nasceram, os netos, os sobrinhos, os primos, os irmãos, os que até já serviram debaixo da bandeira tricolor.

Eles são franceses e sentem orgulho da sua história e dos seus, serão sempre portugueses, no seu coração.

A saudade que mostram estando cá, junto às raízes, imagino quando partem...

O brilho no olhar, quando falam da praia, da vizinha da avó e das laranjeiras, do peixe que pescaram no Tejo, depois de uma viagem na caravana ultra-moderna, carregada de miúdos, canas de pesca, carretos, iscos e emoções.

Aquilo tem tudo, até uma mota transporta e a cama. Deus me livre! Até tem chuveiro e wc.

Eles estão lá, são de cá, de nós todos, e não se dividem, orgulhosos também de si próprios.

Isso só se consegue sentir quando se está ao redor de uma mesa, a observá-los, sem que disso deem conta.

São os meus primos avecs.

Abecs, porque um deles até é de Fafe.

Não os trato assim desta forma, que até é carinhosa, mas trato-os carinhosamente.

Eles são a personificação do emigrante, e provam evolução (dessa) da espécie.

Não, não pense que pode começar já a atirar-me pedras; eu fui emigrante, na África do Sul, trabalhei nas minas de platina, nas refinarias, por isso calma nas análises repentinas.

É com carinho.

Eu sabia que tinha entendido, mas tenho que fazer o meu papel neste texto.

A Isabel orgulha-se das suas braceletes em ouro e da sua patroa, uma madrinha.

O Zé Manel pesca peixes gigantes aos fins de semana.

Pega na caravana, vai para um lago rodeado de um bosque e passa o fim de semana a pescar.

É freelancer, eletricista por conta própria.

Os filhos, um serviu no exército francês e é casado com uma francesa, o outro também, o terceiro, que é o mais novo, nasceu com um grave problema motor.

Hoje é autónomo e ganha a sua própria vida. Em todos os aspectos.

A tia Celeste é a patriarca. Viúva. Adora a sua terra, mas é lá que estão eles todos.

A Elsa fala sempre com imenso carinho sobre os idosos que cuida, num lar.

Acho que tem um part-time e uma casa fantástica.

O Michele é francês e casou com a Elsa há muitos anos.

Ele é chefe-engenheiro numa empresa francesa e é um tipo extremamente agradável, que percebe português, mas só consegue falar em francês.

O Louic é, juro, um Cristiano Ronaldo em potência, joga assim à maluca e é assim humilde.

Apenas é um pouco menos conversador e dado a luzes.

Estes primos não vivem perto de Paris.

A Elsa é irmã da Isabel e filha da tia Celeste. Para que conste.

A Elsa, o Michele e o Louic vivem no País Basco francês, longe de Paris, onde também vive o primo Germano.

O primo Germano é um cavalheiro.

Motorista particular, de uma família da elite de Paris, há muitos anos. Fez alguma fortuna, contactos e conquistou uma posição de respeito, embora continue motorista da mesma família.

A filha é portuguesa nascida em Paris. Casada com um francês. Um filho, nascido em França.

Portanto, uma família grande. Alguns não são mencionados porque são tantos que não recordo os nomes, apenas as caras.

Ora este melting pot de laços familiares serviu, não para baralhar, embora pareça, mas para chegar a um determinado ponto:

Portugal e França jogam a final do Euro 2016, domingo que vem.

Tal e qual.

Como é que aqueles portugueses vão viver aquele que será para sempre o jogo da vida deles?

O que sentem neste momento?

Provavelmente querem que ganhe Portugal, no último minuto, num golo inesperado, quando já toda a gente esperava o prolongamento, porque assim custa menos.

Acaba de repente e nem dá para pensar.

Talvez seja algo parecido com isto que eles estão a sentir.

É por esta razão que o que lá vai lá vai.

Aqueles dois cronistas franceses são nada perto disto tudo.

Os franceses, os franceses são aqueles que receberam a tia Celeste, há muitos anos, e que ajudaram ao crescimento de não uma, mas várias gerações. Esses, que são todos menos dois, merecem o meu respeito.

Neste momento?

Até esses dois já merecem o meu respeito.

É que desde que as seleções com adeptos fugidos de hospitais psiquiátricos foram embora começou a jogar-se à bola no europeu.

A violência deu lugar ao futebol, porque é de futebol que se trata, como é sempre, embora seja difícil as massas perceberem isso.

Por isso os outros dois quiseram e tentaram desestabilizar.

Foi ao poste!

Quando a França e Portugal entrarem em campo, eles vão estar com a mão no lado esquerdo do peito, junto ao coração, e ganhe quem ganhar, estou certo, os golos serão gritados em francês e português.

As lágrimas serão as de todos nós.

Tenho a certeza que os primos de França vão gostar desta carta.

Saudades,

Até domingo.

Deste que se subscreve,

José, o Gato.

 

( Revisão do Texto: Sara Vingadas)