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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

26.04.16

JÁ ESTÁ A DAR A GUERRA DOS TRONOS


The Cat Runner

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Ainda estamos em liberdade.

Faltam oito minutos para o dia depois da revolução.

Os capitães já recolheram aos quartéis, por esta altura.

Nas redes sociais não morreu mais nenhum famoso.

A nova saga da Guerra dos Tronos assumiu o posto de comando, por volta das dez da noite.

Mas, ainda estamos em liberdade, pelo menos nos próximos cinco minutos.

E, se há coisa com a qual sou intransigente é com a liberdade, pese embora nos últimos anos ter sido obrigado a fazer algumas concessões, uma ou outra.

Mas, como diz a senhora dos programas, isso agora não interessa nada.

Ou talvez interesse, porque acabámos - estamos a minuto e meio - de celebrar a liberdade.

Os que por ela lutaram

Todos os que dela fazem uso.

Os que a defendem, enquanto tal.

Os que nem por isso.

Cliché, dizer que a liberdade até permite que a mal tratem, mal digam, um pouco como a democracia, que são coisas diferentes.

Não partilho desse ponto de vista.

Obrigo-me a aceitar quem não quer esta liberdade, apesar de ser a única que viveu, mas não aceito leviandades de tamanho calibre.

A liberdade permite-me isso; apontar aos que não a querem e, para algum espanto, não são em número tão reduzido como isso.

Não partilho este ponto de vista, porque apesar de ter vivido praticamente cinco anos em ditadura, tinha quase cinco anos (sempre fui muito precoce), é desse tempo que tenho memórias mais frescas.

Se fosse do Entroncamento era um fenómeno.

 

23.04.16

A MÁQUINA DOS MILAGRES


The Cat Runner

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Há sítios que deviam ser de visita obrigatória, para todos os seres humanos.

Sítios que são de visita obrigatória, para alguns seres humanos, que o azar não bate só à porta dos outros.

A vida às vezes mete-nos perante histórias, não por acaso, para que tenhamos permanente consciência do nosso tamanho real, pequeno, muito pequeno, por muito grandes que entendamos ser, ou que assim nos vejam.

Somos todos pequenos perante os acasos da vida, por muito grandes que sejamos, até mesmo nesses momentos.

Eu nunca tinha estado no centro de recuperação de Alcoitão - como é conhecido -, que fica ali para as bandas de Cascais.

Foi um acaso que me levou a passar as portas, para o lado de dentro.

Aquilo que eu pensava ser "um centro de recuperação" era afinal um enorme edifício, um hospital, onde centenas de pessoas tentam resgatar a própria vida, onde centenas de funcionários dedicados tentam empurrar esses guerreiros e guerreiras do infortúnio para uma estrada maior e mais longa, sobretudo mais bela.

Ali, não falta nada, ou praticamente nada.

Ali, milhares de pessoas dão tudo aquilo que podem dar, uns de um lado, o da esperança, outros do outro lado, o da coragem.

Vi uma máquina que me impressionou, que consegue executar movimentos tais, que a senhora de meia idade, que não anda, estava a caminhar, com a ajuda dessa máquina.

A máquina replicava os movimentos, e o corpo, e o cérebro, recebiam e executavam as ordens.

Os funcionários do centro de Alcoitão estavam felizes, via-se-lhes a felicidade nas caras. Era dia de festa, embora ali o trabalho não páre.

O centro comemorava 50 anos de existência, naquele dia.

Quando foi construído, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com dinheiros do Totobola, o centro tinha como objectivo ajudar a reabilitar os mutilados da guerra do Ultramar.

Cinquenta anos depois, já não há guerra na África portuguesa, mas há batalhas, algumas violentas, que se travam ali dentro, todos os dias.

Na tarde desse dia, o centro ia receber um robot, na sequência de uma parceria com a Microsoft.

Esse robot faz o mesmo que a máquina dos milagres ( " só utilizamos esta máquina em pessoas que têm as mínimas probabilidades de voltar a andar, as que não têm não podemos fazer nada, nem criar-lhes expectativas irreais", disse-me a coordenadora da Fisioterapia), só que vai permitir que, de facto, as pessoas andem,se desloquem, que é diferente de andar.

Ele tem uma bateria nas costas, é uma espécie de fato completo, até aos pés e recria os movimentos que permitem caminhar. O paciente caminha.

O cérebro recebe os impulsos e assim poderá dar-se um milagre. Ali têm acontecido alguns milagres, ao longo destes 50 anos.

Porque é de coragem e milagres que se vive ali dentro, de amor e carinho pelos outros, de imensa competência e dedicação.

Eu sei que ali acontecem milagres.

Eu vi.

Tinha terminado um directo, no centro de Actividades Domésticas Diárias.

Dentro daquela sala aprendem-se coisas que já se sabiam, mas que deixámos de saber fazer.

Tomar banho, fazer a barba ou simplesmente voltar-se na cama.

Tão fácil, não é?

Não o é para quem teve um AVC, ou um acidente de viação, as principais fatalidades que atingem os pacientes do centro.

Para nós é!

Virar na cama é algo que fazemos sem sequer pensar no acto.

Que nunca tenhamos que voltar a aprender esse gesto tão natural, como respirar.

Foi um directo intenso, um banho de humildade, de humanidade, enquanto tentava manter vestido o fato de jornalista, afinal foi nesse papel que lá fui.

Mas, os super-homens e as super-mulheres são aqueles(as) que lá estão dentro, revolucionários destemidos de uma revolução que é só deles.

Nós somos outra coisa.

Eles(as) são só gente muito corajosa.

Não vi ninguém com rosto carregado, mas fiz a pergunta: não há momentos de revolta?

"Há", responderam-me, "mas nós estamos cá para que eles deixem de estar presentes".

Aquilo que me acabavam de dizer fazia todo o sentido, momentos depois.

Abro a porta da sala, saio para o longo corredor, com azulejos pretos e brancos, quadrados que comungam as mesmas rodas das mesmas cadeiras, as mesmas pontas das mesmas muletas, que por eles passam.

Ninguém com rosto carregado.

A sala ficava a meio do corredor grande e ocupado.

Gente para um lado, para o outro, a azáfama de um corredor de "hospital".

E eu, ali parado, a meio da viagem.

"Gabriel, Gabriel..."

Não lhe reconheci logo a voz.

Voltei-me, olhei, olhei de novo, para baixo, não lhe reconheci a voz, mas nunca tinha esquecido o seu sorriso e o seu olhar.

Reconheci-o de imediato, ainda que sentado naquela cadeira de rodas.

"Quiko?! Meu querido amigo, há tanto tempo...".

Demos um abraço, como so bons amigos dão.

O Quiko é primo do Olivinho.

Eles eram os meus melhores amigos, num bairro onde vivi, enquanto era miúdo.

Eles, os irmãos, os primos, e os outros putos do bairro. Eram todos caboverdianos.

Mas, o Olivinho era especial.

O Quiko era ainda mais especial que o Olivinho.

Veio-me logo à memória as longas horas de conversa, sobre as cerejas, sobre o campo da escola, sobre os desenhos animados. O Quiko (como o Olivinho) jogavam tanto à bola...

O Quiko nunca se chateava, com nada, nem com ninguém, estava permanentemente a sorrir e, tal como nesta manhã, trinta anos depois, o Quiko falava naquele tom calmo e baixo, e o olhar emanava, como há 30 anos, aquela candura, que me acompanhou ao longo da vida.

Durante 30 anos eu não vi o Quiko, nem soubemos nada um do outro.

naquele instante feliz, eu estava a trabalhar, ele estava a tratar da vida e da recuperação, por isso a conversa foi curta, os abraços não tanto.

Fiquei a saber que teve um AVC, em Janeiro, e que lhe faltam 3 meses para sair do centro.

Nunca imaginaria o Quiko vítima de um AVC, ele cuidava-se, era desportista, tinha vida e talento, mas 30 anos é muito tempo.

Não tive coragem de lhe perguntar se lá deixará a cadeira de rodas, mas hei-de tê-la.

Fiquei só a saber isso sobre ele, e que vive em Alverca.

No dia seguinte enviei-lhe um sms.

Vamos marcar qualquer coisa, com a promessa implícita que vamos recordar essas conversas, esses jogos da bola, essa cachupa que a dona Ani fazia.

Ele já me respondeu, que sim. Que bom.

Era a última pessoa que eu imaginava ali.

O Quiko perdeu-se então entre a multidão de pessoas que cruzavam aquele corredor, feito de azulejos pretos e brancos, depois de mais um forte e sentido abraço.

Percebi que ele estava surpreendido. Eu também.

Surpreendidos, porque pareceu que estivemos a jogar ao berlinde os dois, durante estes 30 anos, que nunca nos separámos e que aquela cadeira de rodas não existia.

Eu tinha mais uma entrevista para fazer.

O Ruben estava à minha espera.

Mas, eu não estava à espera dele.

Sabia que haveria de entrevistar (em directo) um miúdo, a quem a vida pregou uma partida.

Às vezes, a vida devia prestar contas em tribunal, tamanha é a injustiça que ela se dá ao luxo de nos colocar pela frente.

O nó ainda não se tinha desfeito na minha garganta.

 

Estava a ser uma manhã de lições de vida, umas atrás das ouras.

O tal directo com o Ruben já não era viável.

Faltava-me entrevistar o responsável pelo laboratório de próteses e sala de experiências.

Entrei, cumprimentei-o, e ao homem em cadeira de rodas, que passou junto a mim.

Também cumprimentei um miúdo que estava sentado numa cadeira de rodas, com os braços apoiados em duas barras de inox, que auxiliam a marcha, nas quais os pacientes se apoiam.

"Este é que é o Ruben", indicou-me o terapeuta.

" Já vi que és famoso por aqui, Ruben...", disse-lhe, com o meu melhor sorriso.

Ele devolveu-me o sorriso.

Depois da entrevista ao terapeuta o meu trabalho estava concluído, a equipa de substituição tinha chegado, era hora de despedidas.

"Então, não me entrevista?", pergunta-me o Ruben.

Abeirei-me das duas barras de inox, onde ele apoiava os braços, baixei-me para ficar ao nível dele, observei a prótese na perna esquerda, as cicatrizes nos braços, a cara, fitei-lhe a cara e pensei, meu deus, que coragem tu tens nesse olhar, nesse rosto, nesse sorriso, nesse coração. Mas, não lhe o disse.

 - "Sobre o que é que não queres falar, para eu não te perguntar?"

- "Posso falar sobre tudo, não tem problema".

- "Que idade tens?"

- " 15..."

- "O que é que te aconteceu?"

- "Fui atropelado por um camião, em Janeiro".

- "Quanto tempo te falta para saires?"

-"Dizem que 4 meses..."

Neste momento eu não estava a conversar com o Ruben, estava a conversar com ele, com os meus filhos, com o Rodrigo, com a Maria, com os amigos deles, estava a conversar com um ser humano, com toda a vida pela frente, a quem a vida quis desafiar.

Eu sei que ele vai ganhar o desafio. Vi!

Foi neste momento, depois de tudo, que me deixei ir abaixo.

Mantive, fruto da experiência, o fato de jornalista vestido, mas era eu quem ali estava a entrevistar todos os Rubens da vida.

Confesso que estava toldado pela tomada de consciência;

Os horários, a pressão, as contas, as relações, o trabalho ou a revisão do carro, tudo isto é humilhante, quando pela frente temos pessoas com tamanho carácter, coragem e determinação, tudo pela vida.

Foi toldado pelas pessoas e pelo ambiente, que cometi uma gafe, que só eu dei conta, nem o Ruben.

- "O que é que te move, Ruben?".

Imediatamente tive vontade de fugir dali para fora.

- "Andar, caminhar, é esse o meu objectivo. E vou conseguir".

A resposta desmontou tudo.

O que me fica para sempre não é apenas esta frase, esta resposta.

É a forma como ele me disse aquilo.

- "O que é que te move, Ruben?".

Ele olhou-me dentro dos olhos, respirou fundo, sorriu, voltou a respirar fundo e respondeu-me:

- "Andar, caminhar, é esse o meu objectivo. E vou conseguir".

O Ruben deu-me o exemplo. É nele que pensarei sempre que pensar que tenho problemas sérios para resolver.

Foi ele que me ensinou que eu sou minúsculo.

O Ruben tem a idade dos meus filhos e toda a vida pela frente.

Eu também sei que ele vai conseguir.

Gostava de um dia ter visto o Ruben a jogar futebol, a correr, a saltar.

Vi-lhe apenas a força do olhar e a ternura do sorriso.

Entretanto, o Quiko mandou-me uma mensagem:

"Boa noite meu velho amigo, será uma honra reencontrar-me contigo. Aquele abraço, noite feliz".

Não sei se o Quiko me desejou votos de felicidade, através de um sms escrito, sentado na sua cadeira de rodas, nem por sombras sei se o AVC o deixou afectado, ou se recuperará totalmente.

Sei que talvez não tivesse tamanha nobreza no coração, como o Quiko sempre teve, não na sua situação.

Sou um fraco.

Preciso de gente com coragem.

Acho que vou convidar o Ruben para se juntar a mim e ao Quiko, para a nossa conversa de uma vida.

Acho que juntos vamos fazer um brinde a essa vida.

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Hoje de manhã, enquanto fazia a habitual corrida pensei nos dois.

Agora vou fazer o segundo treino do dia.

Vou até à minha segunda família treinar Muay Thai, e estou, como se prova pelo texto, a pensar nos dois, no Ruben e no Quiko e na lição que me deram.

Porque eu posso ir correr de manhã e treinar Muay Thai à tarde.

Duas coisas que parecem tão naturais, que parecem que fazem de nós "super-homens", à vista dos outros. Duas coisas banais, como nos virarmos na cama, ou caminhar.

Mas, não o são, nada disto é assim tão banal quanto parece.

Pergunte ao Quiko ou ao Ruben!

 

 

 

 

 

 

15.04.16

ATEU GRAÇAS A DEUS


The Cat Runner

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Já fui crente.

Agora creio pouco. Em quase nada.

Falo de medicinas alternativas e das outras mais convencionais.

Na verdade, há uns anos, por necessidade, vi-me obrigado a recorrer a várias terapias, bastante diferentes, não-convencionais, na procura de uma âncora que travasse a maré e me levasse a bom porto.

Eu fiz de tudo; desde taças tibetantas, a cantos cósmicos, hipnose, consultei psiquiatras e psicólogos, não búzios e cartas não, mas também experimentei a acupunctura, e mais uma coisas das quais nem me recordo o nome.

Eu acreditava. Tinha fé. Procurava.

É um pouco como com a religião.

Eu sou ateu, graças a deus, por isso escrevo O nome em caixa baixa, fica o registo.

Em relação à religião, não acredito, de todo.

Em relação às medicinas, acredito, um pouco, muito grande.

Eu vivo, por vezes, um purgatório inclinado em direcção ao inferno.

Escapo-me sempre para o céu, mas não deixo de correr o risco.

Exactamente, correr. É aí que tudo acontece.

Temos por hábito falar dos 10 kms, ou da meia maratona, como se fosse como comer um bitoque.

Com uma oralidade extremamente fácil, afinal a língua não se cansa muscularmente, tirando uma ou outra afta.

Não é como comer um bitoque.

Correr é mais fácil, porque o bitoque às vezes vem quente, as batatas, pelo menos.

É mais fácil, mas não é fácil. A não ser correr por palavras, e mesmo assim...

Imagine que caminha daqui até ali. Caminha.

Sim, no dia a seguir tem dores, dói-lhe tudo, encontra músculos que nem sabia que existiam.

Caminhou.

Já pensou se fosse a correr?

Tal e qual. 

No dia seguinte a uma prova média ou longa, as escadas que vejo ali em frente, duplicam o número de degraus, a cadeira onde me sento transforma-se num pedaço de pedra virtual. Dura.

Por muito frio que esteja as pernas estarão sempre em sobre-aquecimento.

Aparecem dores onde menos se espera. Juro.

Até um dente já me doeu (pode rir, que é mentira).

Há sempre dores após uma corrida longa, o esforço é brutal, e só o sente quem corre, porque correr na ponta da língua cansa imensamente menos. Também lhe garanto.

- "A meia maratona? Isso é na boa. Quantos quilómetros são?".

Normalmente é assim que se passa.

- "A meia são 21 kms, mas o pior é a recuperação"!

Há quem demore dias, até voltar a correr, eu, por exemplo (agora sim, pode rir).

É preciso recuperar, e para recuperar cada qual tem os seus truques, as suas técnicas e os seus tempos.

Foi por que isso falei das medicinas alternativas, no início deste texto.

Até porque não é só de cansaço que se trata.

Depois de uma corrida longa há lesões que podem aparecer.

E as lesões impedem o treino, a fadiga não.

A fadiga dura dias, semanas, até as dores de cabeça aparecem, por isso, Helder Flor, especialista em osteopatia e medicina tradicional chinesa, que trabalha diariamente com atletas de alta competição, diz que:

"É tão ou mais importante estar preparado para uma pós-maratona, como para a maratona em si".

Não deixa de ter razão.

Quando realizamos exercício físico intenso, é sabido, o corpo perde água, perde muita água.

A água assume papel fundamental em todas as fases, "mas em particular na recuperação do organismo", por causa da homeostase (manter o equilíbrio) do organismo.

Chá de  malva, ou chá de gengibre ajuda, diz Helder Flor.

O processo de hidratação fica mais facilitado, desta forma.

Dormir bem. Parece óbvio. Ajuda.

Estiramentos e massagens, óleo com  fartura, encontrar pontos tensos e dolorosos, estimulá-los, pressioná-los, respirando fundo. Os pontos cedem, garanto, e o alívio é imediato.

Os runners experientes sabem disto, os mais curiosos, ou os que agora estão a começar talvez não saibam, se souberem, bom, resta mudarem de parágrafo ou de blog. Mudem só de parágrafo, sff.

Também existem ervas, umas podem ser comidas, outras fumadas, estas a que me refiro provocam um friozinho daqueles gostosos e só são aplicáveis para este fim; recuperar após uma corrida longa.

As plantas de natureza fria, como a Arnica ou a Hortelã-Pimenta, esmagadas, embebidas numa toalha, ou esfregadas nas zonas afectadas, provocam uma sensação de frio, que pelo menos ajuda a esquecer a tensão, na maioria das vezes também ajuda a esquecer as dores.

A carne é fraca!

Por isso, comer bem também é uma imposição.

Helder Flor, osteopata e especialista em medicina tradicional chinesa aconselha quem corre, e depois se confronta com este quadro de stress físico e mental, que utilize os seus próprios pontos de acupunctura, juntamente com as ideias já referidas.

Esses pontos estão todos no Google.

Depois de os encontrar faça-lhes uma massagem. Vai ver que agradecem.

São vários pontos, todos eles importantes, afinal você quer ficar sem as dores que a corrida provocou.

Por exemplo, o Ponto 36E, localizado abaixo do joelho, o Ponto Vesícula Biliar 34, ou o Ponto Estômago38, são vários, e todos eles, gentilmente estimulados, produzem milagres.

Pois, neste momento deve estar a pensar: o Gato sabe disto.

Sabe nada, o Gato estava a ler enquanto escrevia.

Mas, o Gato sabe que estes pontos todos, e mais alguns, existem porque o Gato já recorreu à acupunctura para tratar da canseira. E tratou-a.

É, de todas as possibilidades aqui mencionadas, aquela que mais resultados tem na recuperação, depois de uma prova longa.

Dia 15 do mês que vem o Gato vai correr a meia maratona do Douro e espera que até lá as dores vão dar uma volta a outro lado qualquer, embora não pareça.

Confesso, já comprei uma caixa de agulhas, que aquilo das picadas não custa nada. 

Correr custa muito mais.

 

 

04.04.16

COME FLY WITH ME


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Fazer um título em língua estrangeira acarreta riscos sérios.

Mas, faz todo o sentido, em função do tema.

Costumes, tradições, cultura.

Cada povo tem a suas.

Medo também.

Muito se faz por medo, mais que por respeito, embora o medo se disfarce muitas vezes de respeito.

Mais que respeito, medo, inconsequente, porque o medo, regra geral, encoraja, permite enfrentar, obriga, ele próprio ao respeito.

A Air France vai voltar a voar para o ultra-conservador Irão a partir de meados deste mês.

A reabertura da linha aérea entre Paris e Teerão está no centro de um conflito laboral, informam os media.

Mas, não é bem assim, vai muito para lá de uma questão laboral.

É, de facto, uma questão profundamente humana.

Costumes, tradição, cultura.

A Air France pediu (assim li) que as mulheres usem véu, para tapar o cabelo, que vistam calças e camisolas largas, que cubram o corpo inteiro - os olhos estão excluídos da polémica, mal sería servir café ou chá de menta com os olhos tapados, muito mais arriscado que um título em língua estrangeira -.

A medida aplica-se apenas quando as mulheres da tripulação, assistentes de bordo - prefiro hospedeiras de bordo, mas respeito as sensibilidades - saírem do avião.

Quando pisarem terra do Irão.

Se o não fizerem sofrem as consequências, cortam-lhes (calma...) o ordenado, e a carreira profissional pode ressentir-se.

O levantamento das sanções no Irão permitiu o restabelecimento da rota e a empresa decidiu adaptar-se a este espaço específico.

Provavelmente, se alguma assistente de bordo estiver a ler este texto e já tenha passado por situações idênticas, por opção, dirá que estou redondamente errado, mas a terra também não era redonda, antes de o terem descoberto.

A notícia não configura propriamente uma novidade, a Air France já adopta medidas do género ( no que ao véu diz respeito, sobretudo) quando voa para alguns países do petróleo.

Mas, foi notícia e há notícias que obrigam à reflexão.

A lei iraniana impõe às mulheres o uso do véu em locais públicos, o que torna a medida da companhia aérea uma perfeita redundância.

Já sería assim, de qualquer maneira. Pelo menos o bom senso assim o dita.

Mas, a Air France quis mostrar tolerância e respeito pela cultura e costumes dos países para onde voa.

A Air France também podia mostrar tolerância e respeito pela cultura e costumes das mulheres que voam para esses países. Não o fez. Limitou-se a impôr. Às mulheres. Violentação de consciências, chamo-lhe.

Uma posição tão próxima desses países, com hábitos culturais tão difíceis de entender para um ocidental, quanto, seguramente, haverá hábitos ocidentais descabidos, difíceis de entender, para as sociedades que formam esses países, admito.

Ainda assim!

Porque sou deste lado de cá faz-me por isso imensa confusão quando me deparo com notícias como esta.

A intenção de provar respeito a uns, limita o respeito pelos outros. Limita-lhes a sua própria liberdade, algo curioso vindo de uma empresa da terra da igualdade.

E, tudo isto se passa numa era em que as mulheres emergem na História, principalmente na defesa de direitos universais.

Donald Trump não faría melhor.

Seguramente que se um dia for ao Irão terei antes a preocupação de perceber as diferenças e adaptar-me, não preciso que ninguém me imponha tal coisa, e não sou mulher. As mulheres são muito mais inteligentes, sensíveis.

No fundo, se quisermos, podemos até nem discutir as questões culturais, religiosas, de liberdade e outras, de cada um.

Fiquemo-nos pela espuma, como em tudo, nestes dias de mudança.

Pois bem, era o que mais faltava, um dia eu voar para o Irão, na Air France (pode acontecer), e não me ser permitido ver os cabelos, as pernas altas, em cima de saltos voadores, os decotes livres, quem sabe a cara das hospedeiras de bordo parisienses (desta vez não são assistentes).

Costumam ser  belas. É crime não me ser permitido tal visão celestial (esta parte do celestial é influenciada pelos anjos de Victória Secret).

A mim não contenta apenas ver os olhos.

Grandes fotógrafos já fotografaram mulheres que usam burka, vestidas de negro até aos pés. Apenas os olhos.

Depois sem a burka.

E, meus amigos(as), vi olhos mais belos que os céus por onde voam os aviões da Air France.

Garanto que sim.

Nunca saberei se voltaram a fechar-se na negritude.

Fiquei apenas com a luz do seu olhar, os olhos.

Afinal servir café e chá de menta pode ser mais arriscado, de olhos vendados, do que fazer títulos em língua estrangeira, como neste texto.

(Texto publicado originalmente, enquanto blogger convidado,  no www.insonias.pt)

 

02.04.16

ADORO QUANDO ME ABRAÇAS


The Cat Runner

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Os miúdos estão lá dentro, no quarto, com uma amiga de sempre. É lá entre eles.

Eu e eles, não apenas os que estão lá dentro do quarto, mas todos eles, os miúdos que se abraçam..

A senhora da casa está fora, uma vez mais, a trabalhar, que é preciso alguém que leve este país para a frente.

Eu, cá estou, manta a tapar as pernas, televisão no silêncio, só para ter alguma luz na sala.

Toca Macy Grey no tocador de música digital, que isto de ter internet é uma coisa do novo mundo.

Este é um mundo novo, disso não tenho agora qualquer dúvida.

É um tempo de massificação da desgraça, um tempo em que é difícil fugir à selva, mas, um tempo de mudança, e por via disso um tempo de procura obrigatória de equilíbrio, um tempo de revolução.

Não há revolução ( pelo menos com sucesso ) sem evolução e eu acredito nos abraços.

Os miúdos estão lá dentro, no quarto, com uma amiga, de sempre. É lá com eles.

Eles entendem-se.

Creio que são maduros o suficiente para se auto-protegerem, que a minha protecção é cada vez mais diluída, nas vidas dos dois, porque esta história é sobre três, os que estão no quarto e outros três, mas só dois é que são meus.

Creio que foi por esse caminho que os temos conduzido ao longo da vida.

Os amigos deles, muitos comuns a ambos, são cada vez mais presença assídua na nossa casa e isso faz-nos bem. Aprendemos.

Aprendemos quando escutamos as conversas em voz alta, aprendemos quando falam sobre a vida, aprendemos a ouvi-los rir às gargalhadas.

Num destes fins de semana, penso que foram dois fins de semana, alguns amigos vieram cá a casa.

Vinham fazer um trabalho de grupo.

Curiosamente, dois fins de semana em que não estava cá a supervisão adulta e falível, sim, falível, é claro, mas responsável e afectuosa, ternurenta e dura, quando assim tem que ser.

Pensei: sim, trabalho de grupo.

Depois veremos, no final do período.

Pensei, mas não o disse.

Pensei mal.

Pensei que tinham vindo para passar umas horas juntos, eles lá se entendem, todos, nos seus próprios dialectos de vida.

Pensei mal, e disso tive consciência quando me foi dado a ver o produto final do trabalho de grupo, em casa, na minha casa, na nossa casa, que é onde o amor está.

É engraçado, como as crianças nos surpreendem, como são cruéis na sua própria verdade, mesmo que adolescentes, ou a caminharem para lá. Mais ainda.

Mais maduros, que isso é a vida, cada qual com a sua maturidade.

Sinto-me de bem com a minha consciência.

Tive a certeza, depois de ver o trabalho que fizeram.

O tema era a violência entre jovens, adolescentes, namorados.

Pertinente.

 

 

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01.04.16

A TERRA ONDE OS VELHOS MORREM DE VELHICE


The Cat Runner

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(TODAS AS FOTOS SÃO DA AUTORIA DO GATO QUE CORRE)

 

Sou do contra!

Gosto de voltar a lugares onde fui feliz.

A maioria das pessoas que conheço aplica o mandamento contrário, eu não.

Eu sou feliz longe das cidades grandes - também sou feliz nas cidades grandes, mas longe delas também -, até porque posso delas matar saudade sempre que assim for necessário.

Mas, é longe, que sinto o esplendor. Longe, vivo, descubro, olho, sinto, sou eu, livre, longe.

Desta vez tudo foi diferente.

Voltei ao Alto Douro Vinhateiro.

Livre num pedaço do mundo, que o mundo só admira das fotos dos websites (já não são os postais), mas que lhe desconhece o frio da pedra, as curvas da montanha, as aldeias onde se morre de velho, o novo há muito que se foi embora, a maioria desconhece a pisa, o mosto e o vento cortante do mais alto dos miradouros.

A imponência, a resiliência, a solidão, a coragem, a vinha e o vinho, os socalcos e as entranhas, o granito azul e a água que pinga, em marcas brancas sobre garrafas que dormem, milhões, de anos diferentes, numa hibernação sacramental, fria, mas impediosa.

Livre num pedaço do mundo, que o mundo só admira das fotos dos websites (já não são os postais).

Fica lá para o nordeste, aquela terra exacta, rodeada de montanhas divorciadas do rio, que as admira lá de baixo, a terra exacta que se curva ao sol que a banha em todo o corpo e curvas, o fresco que a acalma, a chuva lhe lava a alma e lhe molha os olhos. É ali que é assim e em mais nenhum outro lado.

Já passaram mais de dois mil anos.