A MINHA MÃE NÃO CORRE
Sinceramente, quando comecei a correr a minha preocupação prioritária passava por perder a barriga. Já corro há dois anos, já perdi doze quilos e alguma barriga.
Há uma espécie de almofada que teima em ficar, quiçá pensando no meu próprio bem - estar, se bem que antes eu conseguia descansar os braços em cima da barriga e agora já não, mas ela insiste.
Não há aqui qualquer mistério. Não há perda de gordura localizada, portanto, a enorme quantidade de gordura que perdi, que queimei, foi toda ela generalizada. Era fácil agora fazer uma lipo, mas isso era desvirtuar as coisas. Fat Burner´s é outra hipótese, já esteve mais longe, enquanto não tomo tão vital decisão continuo a correr e a ler sobre corrida.
Hoje fui correr de manhã antes de vir para a televisão. Quando saí para correr levava na cabeça uma ideia: já sabes como perder a barriga – os cerca de dois quilos de pneu premium que estão em minha posse e em excesso assumido - talvez se parar com as coca-colas resulte.
A corrida é uma das melhores actividades para queimar gordura.
Uma fogueira também, mas no caso não se aplica.
Correr acelera o metabolismo, fazendo com que a queima de calorias aconteça mais depressa. Não há aqui qualquer ciência nova.
Cada qual faz o seu treino, aposta nas suas técnicas, cumpre os seus objectivos.
Garantido é que não é porque se corre mais rápido ou mais lento, mais quilómetros ou menos quilómetros que se fica elegante, naquele ponto de rebuçado. É a regularidade que conta.
Até porque não é só enquanto se corre que se perdem calorias, acontece durante todo o dia. A vantagem da corrida é que o metabolismo fica acelerado durante mais tempo, após o exercício.
Se deixarmos de lado a gordura de forma geral e apontarmos o foco para a gordura abdominal, sim, a dos pneus, então a história é diferente. Neste caso correr ou caminhar deve estar assente na variação da intensidade do treino.
São os chamados picos que obrigam à queima de gordura nas zonas mais complicadas.
Eu falo pelos cotovelos, tanto quanto corro. Falo mais rápido, corro mais lentamente.
Tentei explicar isto á minha mãe.
Ela tem 62 anos.
Porque começou a gostar de ver o seu gato mais gato, também ela começou a caminhar. Fá-lo todos os dias. Cerca de oito quilómetros por dia. Não deixou de fumar, mas o cigarro dá-lhe um certo charme. Um dia deixará.
Que sim, que percebia, que sim, que um dia deixará de fumar, que sim, que gosta muito de mim e assim. Percebeu tudo.
No fim mandou-me correr.
Antes disso disse-me:
- Estavas a chamar-me gorda?
- Achas mãe?
- Acho bem.
- Claro que não. Gorda não. És apenas a minha almofada preferida.
Amo ver o sorriso da minha mãe.
Um destes dias vou caminhar com a minha mãe e falaremos da sua doença, que a faz perder a visão dia após dia, de outra doença que lhe provoca dores no braço, na mão e da outra que lhe provoca dores no pescoço, falaremos dos patrões que recusaram negociar a sua saída da empresa – que valia uns tostões – porque não tinham condições financeiras – estranho num enorme grupo empresarial, ou nem por isso. Há sádicos prazeres.
Quando caminharmos juntos falaremos da corrida, tenho a certeza e do meu pai que está longe e que chega no mês que vem. Falaremos da vida, enquanto caminhamos. Nunca lhe pedirei para correr. Mas, caminhar a seu lado passou a ser um objectivo. Acho que vou convidá-la para irmos a Fátima. Eu não sou católico particante nem a minha mãe, mas a fé que tenho na vida é nela, na minha mãe, que vou beber essa fé.
Ainda ontem levei-a a lanchar a uma esplanada junto à pista onde corro, junto ao rio. Fim de tarde cheio de sol, cheiro a Primavera, gente que corre, que caminha, o rio. O nosso rio. E, rimos imenso.
Qualquer dia vou caminhar com a minha mãe, está feita a promessa. Sem preocupação com ritmos, médias, calorias.
Vamos meter a conversa em dia.
E, no fim, ensino-a a alongar.
Que se lixe a barriga, a gordura e os pneus.
Gosto à brava da minha mãe. Quase tanto quanto gosto de correr.
(Esta parte é mentira, gosto mais dela que da corrida).
Gosto tanto dela que tenho saudades de nós.
Iremos a pé a Fátima. Quando regressarmos seremos na mesma mãe e filho, mas seremos seguramente duas pessoas melhores. E viremos com um rasgado sorriso da ponta da minha cara à ponta da cara dela.
Eu sei que ela aceitará o desafio.
Tenho fé!