Esta é a continuação da história sobre um tipo que quando deu por ele era um tipo totalmente diferente do que tinha sido até então, porque um dia decidiu começar a correr.
O tal tipo, que no penúltimo post se levantou sem pagar os cafés e saiu para correr porque lhe faltava uma resposta, é sobre esse tipo, esta história que completa a outra, se bem se lembra, se não se lembra é ir reler. O dono do blog agradece.
O tipo voltou. Ele volta sempre.
Eu continuava na mesma mesa, na mesma cadeira, à espera.
Apenas tinha pago a conta, no penúltimo post.
- Correu bem?
- Correr corre sempre bem, pá.
- E já tens resposta para a minha pergunta?
- Se estou diferente por causa da corrida?
- Não, por causa do tempo.
- Para que é que queres saber isso?
Mal sabia ele que eu preciso de conteúdos para escrever, de ideias, de motivação e ás vezes ando ás voltas sobre mim mesmo até ficar tonto de não encontrar a chamada inspiração, porque assuntos não faltam.
- Quero saber porque sou teu amigo e porque a corrida modificou a minha vida de alto a baixo. É normal querer saber se contigo aconteceu o mesmo.
- Se tu tens a resposta para que é que me perguntas?
- Porque é sobre ti que quero saber. Básico.
- Eu?
- Não, a resposta.
Não entendi, nesta fase, a dificuldade que este meu amigo, este tipo, que passou a ser outro tipo, tem em me responder a uma coisa tão simples. Acho que se está a proteger.
- Eu respondo-te, mas acho que não é relevante ao ponto de andarmos há dois dias nisto.
- Estás a guardar algum segredo?
-Eu? Não!
- Então reponde, que a paciência tem limites.
- Eu, quando me sinto assim, com pouca paciência, corro.
- Está bem, vamos terminar o assunto.
Os cafés estão pagos, já correste, já voltaste e continuas a fugir à pergunta.
- Mas eu respondo-te: a corrida mexeu comigo sim. Modificou-me, por isso tiveste o mote para escrever. Escrever sobre as mudanças que a corrida me trouxe à vida e aos dias.
Nos últimos dois anos passei por uma metamorfose, confesso.
- Uma quê?
- Uma mudança.
- Porra, é isso que eu te estou a perguntar desde ontem.
- Então cala-te e escuta o que te vou escrever.
- Escreve, estou a escutar.
Finalmente o tipo ia dar-me assunto para escrever.
- Comecei a correr porque estava gordo, a ficar velho, sentia-me menos bem com tudo.
Sempre detestei correr. Na rua nem pensar. Fi-lo por absoluta necessidade.
- Está bem, mas depois podias ter abrandado ou...
- Ou isso.
Nem abrandar, nem parar, nem sequer pensar em tal ousadia.
- Como assim?
- Passaram apenas dois anos mas correr já faz efectivamente parte da minha vida. É como outra qualquer tarefa que tenho que fazer no meu dia-a-dia, olha, respirar, por exemplo.
- Isso é vicío.
- É vicío, barato, legal e nem faz mal à saúde. Um vicío do caraças, sim.
- Vais dizer que começaste a correr porque gostas de estar na moda?
- Não, sabes que não. Mas, sim, claro que sim.
Graças a Deus (se ele existir).
À moda devo a corrida. Mas, se quiseres continuar, continuamos mais logo. Agora foi desfilar.
- Vais correr.
- Eu não corro, eu desfilo. Eu sou um corredor. Até já.
-Até já, gato.
- Por isso desfilo.
(E deixou escapar uma gargalhada que se ouviu lá no fundo, lá no fim da corrida)