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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

23.09.14

A MINHA PRIMEIRA MEIA MARATONA - COMO SE FOSSE ALGUMA COISA DE ESPECIAL


The Cat Runner


Já dizia Haruki Murakami:


" Um cavalheiro a sério nunca deve contar ao mundo o que faz para estar em forma. Como toda a gente sabe, não sou um cavalheiro, por isso não penso que à partida haja razão para me preocupar com questões desta natureza".


E é assim que vai ser!


Faltam doze dias, a partir de hoje, para fazer a minha primeira Meia-Maratona.


Sim, e o que é que tem a ver com isso para estar a ler isto?!


Tem razão, nada.


Nada a ver, mas só lê se quiser.


Aviso, no entanto, não espere ler um diário ou textos fundamentalistas sobre este desporto que virou moda, nem sequer linhas moralistas. Sou um pouco imoral, às vezes.


Aqui não há: "deixe o sofá, faça exercício, faça assim, faça assado".


Ninguém me puxou para as corridas, não serei eu que vou puxar alguém. Já influenciei pessoas. É diferente.


A doze dias da minha primeira Meia-Maratona decidi escrever aquilo que me trouxe até aqui.


Uma "Experiência" que dura há um ano. Eu era - e ainda sou - o tipo mais comodista do mundo animal.


Só agora decidi começar a escrever e vou fazê-lo até ao dia seguinte ao da prova, segunda-feira, seis de Outubro.


Tomei a decisão hoje, de forma consciente.


Há nove dias, de forma inconsciente.


Não vou aqui falar dos meus treinos, até porque gostava de deixar claro que sou um principiante, logo sem grande experiência para passar.


Pergunta então: se não tem experiência para que é que escreve?


Porque um ano é igual a dois pares de ténis, muitas bolhas e dores, endorfinas e prazer, quase dois mil quilómetros nas pernas.


Principiante.


Daqui a uma semana deixo de fumar. Mata. Não quero ser sempre principiante, aos quarenta e quatro anos. Quero mais. Quero melhor. Só gosto do Bom!


Que também não fiquem dúvidas ao longo das crónicas; será um elogio à corrida. Foi ela que alterou o meu olhar sobre as coisas. Ajudou a alterar, num altura em que vivemos profundas alterações.


Se quiser podemos ir pela parte litúrgica.


Mais à frente, agora não.


Estas crónicas tem a ver com os treinos diários, a forma como passamos a olhar o tempo de outra forma.


Assim, repetido na semântica, mas aleatório na passada.  Com ritmo.


A gestão do tempo. A passagem. Os minutos.


O corpo. Os sintomas. Bem. No limite. Conhecimento. Consciência.


Os lugares por onde passo. O campo. A cidade.


As pessoas. A ausência de pessoas.


O sol. A chuva. O vento, umas vezes bom outra mau.


O passo. A passada. A respiração. O olhar. Horas atrás de horas. Os mantras. Os bloqueios, quando as pernas pesam cimento e os pulmões fecham-se para contrariar a vontade.


Basicamente é sobre isto que vou escrever até dia seis de Outubro.


Dia cinco corro a minha primeira Meia-Maratona. Há em mim muito de respeito, neste momento. Estranho respeito ou como subir à montanha mais alta.


Na verdade, já corri três meias-maratonas, em três meses seguidos, contrariando tudo o que os especialistas recomendam para jovenzinhos amadores como eu.


Corri sozinho. A treinar. Mas, esta é a primeira oficial. A maratona não. Isso é só para heróis - por agora.


Mais à frente.


À medida que os dias vão encurtando e as sensações aumentando.


Agora, como tudo começou...


Bom, o receio, o medo, a consciência, as dificuldades e o desafio começaram a assombrar-me há nove dias.


Já levo quase dois mil quilómetros nas pernas. Não devia recear assim.


Há nove dias fiz a minha segunda prova de dez quilómetros no espaço de um ano. Já fiz duas de cinco, uma de oito e uma de quinze. Estou a ganhar vício. Aquilo é muito giro. Recomendo. Nem que seja a andar ou ao pé coxinho.


Ganhei respeito à corrida. O respeito, às vezes, impõe receios.


Mas, sobre isso já falamos.


Foi assim que começou esta ideia de correr a Meia-Maratona, mas devida e minimamente preparado.


Há nove dias percebi o que é fazer vinte e um quilómetros, às dez horas da manhã, e percebi, nessa prova de dez quilómetros, tais foram as dificuldades.


Foi o meu melhor tempo de sempre na distância.


Fiquei abaixo da hora. Fiz cinquenta e sete minutos, pela primeira vez.


Só que ia pagando um preço alto pela inconsciência. O entusiasmo inicial, onde um quilómetro demorou quatro minutos e pouco, quatro quilómetros dezassete minutos, algo que nunca me tinha acontecido.


Quando as luzes de alarme acenderam na minha cabeça tinha ainda seis quilómetros de calor, subidas e descidas pela frente.


Lição aprendia. Nunca mais tomes gel quando a água está longe. Podes agoniar. Agonias. E corres. Corres. Ponto.


a água vai aparecer, mesmo que a organização se engane nos quilómetros.


O exercício que eu fazia antes de me dedicar à corrida era intermitente.


Exclusivo do ginásio. Uma ou duas vezes por semana.


Uns comprimidos Fat Burner. E nada acontecia. Perdia uns quilos e ganhava o dobro.


Nunca tinha corrido na rua. Tinha horror só de pensar.


A minha profissão é como as corridas, parece fácil mas, em bom rigor, é como o tabaco que vou deixar; mata. Também mata lentamente. Bebemos shots de stress uns atrás dos outros. E isso provoca a queda de cabelo entre outras coisas. Os horários formatados em fusos horários diferentes e diários também ajudam ao caos que tento organizar.


A coisa dá-se. Mas, não é fácil. É preciso encontrar formas de escape fora da tão em voga zona de conforto. Desafios. Desafios que libertem.


As solicitações profissionais começaram a assumir contornos dramáticos e o ginásio foi ficando cada vez mais para baixo na lista das prioridades.


No sentido inverso o colesterol subia acima dos trezentos, os flancos alargavam-se, e o boneco da Michelin ao pé de mim era um protótipo de pneus. Os meus eram maiores.


É quando páras e pensas: quarenta e três anos. Por este caminho não dobras a idade.


Coincidiu, basicamente, com o boom da corrida. Virou moda. Não foi por ser moda. Mesmo que fosse. E, ainda bem. Hoje, um ano depois, vejo gente e gente e gente a correr, a caminhar, por todo o lado.


Os portugueses fazem mais exercício. Acreditemos em milagres.


Um ano e onze quilos depois corro cinco, dez, quinze e vinte e um quilómetros. No meu tempo. No meu ritmo. Com o meu prazer. E, medito até, enquanto corro.


Recordo-me - e recorda-me a app que regista as corridas - que comecei em Setembro de 2013, pelos motivos acima explicados, com cinco quilómetros.


Terminava esbaforido, quase a rebentar, ao fim de uns bons cinquenta minutos.


Foi assim na primeira semana.


Na segunda semana pareceram-me mais fáceis.


Já corria uns dez minutos mais rápidos. Acabava esbaforido.


A fórmula é simples e vem no Goolge - antigamente dizia vem nos livros.


Os cinco quilómetros serviram de base.


Com essa base cimentada fui definindo objectivos.


Duas semanas com treinos de seis, sete quilómetros. Voltava tudo ao início. Mais sofrimento. Menos pneus é verdade!


Quase uma hora de corrida. Acaba esbaforido.


Fui andando assim. Correndo. Uns dias mais lento, umas noites mais rápido, a qualquer hora, qualquer dia, qualquer noite, só o corpo e as dores me travam e nem sempre. Já lá vai um ano.


Metade desse ano foi passada a meter quilómetros nas pernas. A todo o custo. Momentos duros. Muito. Momentos de prazer. Muitos. Solitário. É assim que eu gosto. Sózinho, comigo.


É sobre esses momentos de prazer que vou falar a partir de agora.


E sobre muitas outras coisas mais.


Na verdade, apenas expliquei ao que venho.


Na próxima crónica é que vamos viajar. E, tem uma explicação:


Primeiro o enquadramento. Como em tudo na vida.


Agora sim, vamos correr...


Vamos?

23.09.14

OS PROBLEMAS DOS POEMAS


The Cat Runner

"Não sei se não te amo"


 


Ela disse que ele era poeta.


Ele escreveu um poema.


Um p(r)o(bl)ema;


Ele não sabia escrever poemas.


Os poetas cantam o amor e ele não sabia cantar. Amar, mal.


Ele sabia escrever. Poemas não, de amor, não.


Ela disse-lhe que nunca lhe tinham dito, assim. E ele armou-se em poeta. E escreveu.


Escreveu mais ou menos assim:


Se fosse um livro, uma louca história de amor, num livro escrito em espiral, não sabería dizer-lhe mais que "não sei se não te amo".


Sería o título de um livro escrito em espiral.


Porque ele só sabe amar assim. Escrever assim. Ele não é poeta.


Nem ele é poeta nem o que escreve é poesia. É preguiça mental. Limita-se a escrever. Isso não é poesia e ele sabe. Por isso receia escrever.


Sabes, foi uma prova de fogo. Como tudo.


Tudo um quase.


Um quase tudo.


Ela disse que ele era poeta. Ele não acreditou. Mesmo assim escreveu.


Tudo um quase.


Um quase tudo.


Tudo lá fora desfoca, enquanto caminha no muro alto, estreito, equilíbrio, desiquilíbrio, o fio da navalha, o doce veneno do abismo, a sensação da queda.


E mesmo assim arriscou.


Escreveu.


Na ténue linha que tinha. Só essa e a escrita e a música e a vida e o estado do espírito e o Santo Graal, o sorriso.


E, lembrou-se daquela música e da outro e da outra e de tudo e escreveu. Acto arriscado, escrever.


Escreveu que em mundos pequenos, em pedaços de coisas simples, o arco-íris tem um pote. Afinal sempre tem.


No final tem um pote com todos os sonhos e as cores.


É tudo tão longo.


Estreito.


Como o parapeito onde mantém, a custo o centro de gravidade do fio da navalha, nunca a navalha. Sempre no fio. Séculos a fio.


E a história dá-se. As mãos dão-se.


Os olhos olha-se. Olham-se almas dentro.


Caminhos.


Traços e sinais.


Às vezes apenas um beijo. Meio. Toque, apenas.


E o silêncio que fala.


Dizem que não se deve voar com as asas dos outros, não. Dizem tanta coisa e o silêncio que cala, cala tanto e a dança e o toque e o encosto e o abraço.


E voar sem sair do sítio. Voar até que os pés toquem terra que não querem tocar. Fica a brisa e o perfume.


Ela disse que ele era poeta.


E ele não escreveu.


Foi só uma viagem.


Bem vindo ao mundo dos sonhos!