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The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

The Cat Run

Uma cena sobre corrida em geral e running em particular e também sobre a vida que passa a correr. Aqui corre-se. Aqui só não se escreve a correr. Este não era um blog sobre gatos. A culpa é da Alice.

27.08.14

MACARONS COM SABOR A SAUDADE


The Cat Runner

Se saudade fosse apenas uma palavra sem tradução estávamos nós todos muito bem.
Assim mesmo, sem vírgulas.
A saudade demora pouco tempo a manifestar-se. Chega a ser dominadora e gentil.
Os sintomas começam a ser evidentes ainda numa fase pouco adiantada. Procura-se a cura.
Pensa-se em círculos. A vida e a fantasia, em cada manhã amparada por uma floresta verde cortada ao fundo do horizonte por um azul-mar.
Saudade não é apenas uma palavra sem tradução.
Assim mesmo, sem vírgulas. Ela é o tudo e o resto.
Um veneno disfarçado de mel. Doce que rasga por dentro. Puxa-empurra. Dá gargalhadas verdadeiras e tem vezes que falo com ela!
Cara-a-cara.
Tem vezes que lhe agarro o queixo, com ambas as mãos, para melhor me fazer entender.
Na verdade, na verdade conversamos todos os dias.
Conversamos sobre um sem número de assuntos. O tempo que o tempo oferece. Só esse, e é tanto.
Ela ouve-me. Eu escuto-a. Às vezes olhamo-nos muito. Esse tempo todo que dura um olhar.
Silêncio. Outras vezes não. Recomeça. Falamos, falamos muito.
Acho que já o tinha dito, mas gosto de sublinhar que gosto de falar e gosto da saudade.
O silêncio, do nada, intromete-se sempre que lhe apetece. Não, não incomoda. Apenas surge do nada ou dessa conversa.
Para onde me leva. Ela decide. Ela tem as asas.
Ela tem "macarons" coloridos em sua posse.
Eu gosto dos castanhos e dos verde-tropa, que também os há.
Limito-me a seguir-lhe o rasto e o sabor.
Quando regressa a manhã - as manhãs são como o silêncio, mas muito mais ordeiras e regulares - aquele doce desfeito na boca acorda colado na alma e os sorrisos fazem-se tardar. Ou surpreendem ao abrir a janela. Gosta de "macarons" com sabor a saudade.
Lembra-se, correm-lhe imagens, rápidas, mas nítidas, de uma vez que a olhou sem que ela desse conta.
Saiu do carro, apressada, um ir que quer ficar.
Ele observou-a pelo retrovisor. Silêncio. Desviou o olhar.
Acendeu um cigarro, como nos filmes.
Tinha visto num filme que depois alguma coisa acontecia.
Assustado.
Lembrou-se não ter visto o filme até ao fim, apenas sabia que alguma coisa acontecia depois.
Abre-se a porta do carro, repentinamente, como o silêncio quando aparece. Com estrondo. Surpresa.
Há sorrisos felizes, como se os sorrisos fossem tristeza, alguma vez...
Eles são saudade!
Acende outro para o caminho.
Anuncia-se outra manhã enquanto pensa que não conhecer intimamente a saudade não serve de desculpa. Como se não a conhecesse, como se não soubesse ler os seus olhos. Não serve de desculpa.
Ele sabe que todos a querem, que todos gostam de a vestir com as mais finas sedas em tons escuros, como o fado.
Um xaile preto que aconchega os ombros. Que gela o coração.
Ela deixa-se seduzir. Ela ama seduzir.
Aceita o xaile preto. Dá uma meia-volta...
Bate com a porta do carro, de novo. Afasta-se.
Ela ama andar nua. Gosta do toque que intimida.
Sabe que quando se deixa seduzir consegue ser mais saudade.
Despe-se das mais finas sedas em tons escuros.
A saudade tem um gosto fino.
É por isso que saudade não tem tradução. Nem imagem.
Procurem no Google...
Saudade é um labirinto, mais que doença, mais que um fado.
E os labirintos também são vestidos, como vestem a saudade.
Eles também podem ser montanhas-russas. Despidas. Nuas, ou apenas labirintos.
Nunca ter sentido saudade dentro de um labirinto não serve de desculpa. Nada serve de desculpa para a saudade!
As tempestades são mais violentas, menos divertidas e até elas adormecem quando encontram a saudade.
Aconchegam-se. Falam de amor, dos risos, até dos olhares. Claro que falam dos olhares. E de outras coisas.
Em sintonia. Sintonias.
As rádios tocam a mesma música.
Ouvem-se guitarras dedilhadas e a dança é imaginária. Sonhava dançar com ela!
Pode ser fado, pode ser tango, pode ser jazz, podes ser tu ou eu. Pode ser saudade! Apenas.
A saudade ama as tempestades e o silêncio e só ela consegue amar duas vezes ao mesmo tempo, enquanto as guitarras se fizerem escutar, como o silêncio e a dança não morrer de velha.
Fecha-se a porta do carro.
Desta vez ela sabe que ele a observa.
Sacana, não sabe guardar um segredo.
Ela não olha para trás. Foi assim antes e assim foi agora.
Sente saudade, porque sente saudade até mesmo quando conversam.
Desaparece dentro da noite, para regressar com a manhã.
Fecha-se outra porta.
Apaga o cigarro.
Segue viagem.
A viagem tem sempre um destino, mas a saudade nunca terá tradução."