A COPA A PRAXE E A GIRAFA
É pouco relevante se já fui praxado.
Ao contrário; não tenho opinião, (ainda) consistentemente formada sobre as praxes.
São seculares, mas só agora motivaram reflexões, discussões, tomadas de posições.
Aconteceu uma tragédia, e pela primeira vez, que me lembre, passou a haver o lado pró e o lado anti, como em quase tudo. É a condição humana sem que dela nasça qualquer coisa de nefasto. Pelo menos ouvem-se verdades, mentiras. Escutamos os políticos - porque tudo é política - e por vezes desviamos atenções. É a condição humana, meu caro(a).
Por ser uma discussão, no imediato, tão ainda a quente, com tanta explicação por dar e pessoas por ouvir, a opção que me pareceu mais segura foi a de não formular uma opinião (ainda), não tomar uma posição (ainda) e não comentar o assunto, no que à minha própria visão do assunto diz respeito.
Parece-me auto-prudente e sensato.
Se até aqui não tinha reflectido sobre o assunto, a partir daqui é o que tenho feito, não que isso me obrigue a ter uma opinião estática, pró ou contra (ainda).
Um dia, quando tudo acalmar - como se algum dia fosse acalmar as saudades e a dor - talvez, talvez tenha uma opinião mais consistente sobre este novel fenómeno português, as praxes. Por agora (ainda) não tenho mas, reconheço;
Elas estão no meio de nós!
Todos os dias, desde meados de Dezembro do ano passado.
O que aconteceu no Meco é - caso não tenhamos dado conta - uma ferida colectiva que nunca irá fechar. Em carne viva.
Ficou escrito. Morreram pessoas. Sobreviveram outras. Destruiram-se vidas. É uma marca colectiva, e um dia, se houver responsáveis pelo que aconteceu no Meco, ficará o sentimento colectivo de que "se fez justiça", e passados anos, o caso só será lembrado na "revista do século".
Entendo melhor o lado dos que defendem as praxes.
Mais dificuldades para entender os que são agora contra.
Se praxe é um rito de iniciação, que leva à tal integração, então aqueles que defendem as praxes estão cobertos de razão.
Elas estão no meio de nós! Eles são coerentes. Defendem tradições com as quais se identificam e que são parte de determinado período da sua vida, do seu crescimento como seres humanos.
O vídeo que circula nas redes sociais e que mostra a recepção aos caloiros na Universidade de Standford (que produz génios) em nada é diferente da recepção aos caloiros em Coimbra, a terra da praxe.
As diferenças são apenas culturais, locais. As vestes coloridas, a festa com sorrisos e cores, a vestes negras, a festa com serenatas e imperiais (qb).
Lá assumem a tradição "à americana".
Cá assumem-na "à portuguesa".
Provavelmente, se o Meco fosse nos EUA, os veteranos de Standford também teríam idêntica reacção à dos portugueses, sobretudo, os de Coimbra. Praticamente todos os que se identificam com Standford ou com a cidade dos encantos.
Se praxe é o que acontece em Standford, onde os veteranos recebem os caloiros em festa, ou se é o que acontece em Coimbra, onde o rito é secular, então roubo aqui uma peça para o puzzle que estou a construir e que pode ajudar-me a formular uma opinião sobre as praxes.
Não me choca. Não choca. Não humilha. Integra.
São o Norte e o Sul onde não me importava de ser praxado. O côncavo e o convexo onde gostava de ser integrado. O ovo nasceu primeiro que a galinha. É proveta. Nasceu em estufa. Só depois cresceu.
Há coerência.
Entendo menos bem a catadupa - a esmagadora maioria das pessoas - que estão contra as praxes.
Há vinte anos, pelos menos, que me lembro de ver miúdos e miúdas em fila indiana, presos por cordas ao pescoço que os ligam a todos a caminhar por Lisboa, com enormes orelhas de cartão, de burro, pintados. E outras cenas. Vejo eu e vê toda a gente. Há, pelo menos, vinte anos.
Só depois da tragédia do Meco é que deram conta que isto acontece. De repente.
Andaram distraídos ou é apenas o impulso do momento.
É transversal: professores, reitores, alunos, ex-alunos, jornalistas, redes sociais, o Meco e as praxes e a indignação repentina sobre algo tão antigo como a "Universidade".
O debate vai trôpego, como uma amálgama de ferro de opiniões.
Hoje, todos nós falamos sobre as praxes. Eu estou a falar.
Mas, porquê só agora?
Porque morreram pessoas.
Já antes morreram pessoas. Já antes pessoas ficaram com as vidas quase destruídas, numa cadeira de rodas.
Porquê só agora?
É que, se praxes for o que acontece em Standford e em Coimbra, "à americana", colorido, ou "à portuguesa" negro e fado, então os que defendem as praxes começam a ter a minha admiração, sobretudo, o meu entendimento.
Se praxes é os meus filhos serem levados à mais baixa condição humana, por seus semelhantes, então, peço desculpa aos que são contra as praxes pelo que acabo de escrever.
Mas, eu não tenho opinião. Só tenho estes dois posicionamentos, que é o que me é dado a saber, a ver, a conhecer. Nada mais tenho. Nem opinião.
O que me aflige é que, tenho quase a certeza, nunca irei ter a resposta para a minha dúvida.
O que aconteceu na praia do Meco foi macabro.
O que tem sido tornado público é assustador.
Os rituais são quase satânico-mafiosos. Rituais puros. Magia vestida de negro, negro morte, negro pavor, negro terror.
Isso, meu caro(a), isso é obscuro, tétrico, do domínio do horror, da Justiça.
Seitas secretas, nefastas a uma sociedade aparentemente democrática.
O que aconteceu no Meco pode ser praxe ou no domínio da praxe, como defende uma corrente.
Como defende a corrente oposta, isso só é relevante na medida em que despoletou esta tal discussão generalizada e esta ferida que nunca mais vai sarar.
O que eu defendo é que não estamos a conseguir ter a lucidez para separar as coisas.
Estamos a falar de coisas diferentes. Uma discussão que se abriu em torno de um facto -as praxes - na sequência de um acontecimento trágico e de um acontecimento trágico. Ponto.
E, caímos na tentação de colar um e o outro como se fosse um só. A árvore pela floresta.
Apetece-me perguntar: em que é que ficamos?
É que, no meu tempo de escola, beber uma "copa" era ir ao "Espeto Real" virar umas "girafas"!
Daí a girafa da foto. Faz todo o sentido.
Isto tudo é que não faz sentido nenhum! Pelo menos para mim.